Conservação da natureza? Isso é tudo um negócio…
Em pleno debate do orçamento, quando se pergunta sobre investimento para a natureza e a sua conservação, muitas vezes a resposta é: “Pois, pois, isso é tudo um negócio…”. Dito de forma depreciativa, como se quem cuida da natureza (de que fazemos parte) fossem grupos de interesseiros, e a natureza fosse um esquema ou concorrência. Como se fosse desleal quem trabalha em conservação receber um salário ou esse trabalho ter despesas associadas… Essa visão simplista ignora a necessidade de investimento para assegurar o futuro da biodiversidade e o impacto positivo que projetos de conservação trazem às comunidades, tanto a nível social quanto económico.
É comum ouvir que proteger a natureza é um “luxo” ou “gastar dinheiro com passarinhos”, ignorando o papel vital da biodiversidade no equilíbrio dos ecossistemas e nos serviços que oferecem, como purificação da água, fertilidade dos solos e regulação climática. E pensar que a conservação deve ocorrer sem custos, ou que esses recursos são desviados das pessoas, é uma ideia errada. Na verdade, o investimento em conservação paga pessoas, apoia empresas e melhora a qualidade de vida, assegurando a recuperação dos ecossistemas.
Sim, a conservação da natureza é um “negócio”, assim como hospitais, escolas e outras atividades essenciais. Há despesas, receitas e investimentos, com resultados para a sociedade. Os “ambientalistas” não precisam sentir-se insultados ao verem a conservação da natureza tratada como uma atividade que, como tantas outras, envolve recursos financeiros. É uma ação necessária para garantir a sobrevivência humana e o equilíbrio do ambiente. Tem despesa, tem receita, tem necessidade de pessoas e materiais… No final tem um resultado, que pode ser melhor ou pior, como em tudo, e ter um valor maior ou menor para quem o produz e para a sociedade. E pode ou não ter outros valores associados… E proteger a natureza geralmente tem! Água, ar, solo, comida, são essenciais para a nossa vida e são um resultado da Natureza que nos rodeia e de que fazemos parte.
É um erro achar que não há custos associados a conservar e recuperar plantas, animais, rios e florestas, ou que não é preciso remunerar pessoas que o fazem. Estes custos são um investimento essencial para continuarmos a beneficiar dos bens e serviços que a natureza nos oferece. Investir em conservação é, essencialmente, investir em pessoas, pois são elas quem faz a natureza prosperar.
Um exemplo claro da ligação entre conservação e benefícios socioeconómicos é o Projeto LIFE Priolo, implementado na ilha de São Miguel, Açores, para proteger o priolo, uma ave endémica em risco. Este projeto, financiado pela União Europeia, recuperou o habitat da espécie e criou impacto económico positivo, gerando emprego, dinamizando empresas locais e, por exemplo, atraindo turistas, com a criação de trilhos pedestres e a formação de guias e profissionais para o turismo de natureza.
O orçamento do LIFE Priolo foi aplicado de forma a beneficiar a biodiversidade, mas claramente beneficiando as populações humanas. Com um investimento de 3 milhões de euros ao longo de cinco anos, financiado a 75% pela Comissão Europeia, cerca de 70% do valor foi canalizado para a economia local (incluindo impostos regionais e nacionais). Foram criados empregos, adquiridos equipamentos e serviços, e envolvidas empresas e agentes locais. A proteção do priolo, e da floresta onde vive, foi a base de uma estratégia que veio contribuir para revitalizar a economia local através da valorização dos recursos naturais.
É apenas um de muitos exemplos que desmontam o argumento de que a conservação é um fardo financeiro. Na verdade, a maioria dos projetos modernos de conservação tem uma abordagem baseada nos “serviços de ecossistemas”, que valoriza diretamente os benefícios de um ambiente saudável para as populações humanas. Estudos indicam que cada euro investido em conservação, para além do retorno imediato através dos impostos pagos, pode gerar retornos substanciais em água, ar e solo de qualidade, turismo, saúde pública e resiliência climática, entre outros.
Destruir florestas, poluir rios e eliminar espécies tem custos para todos, aumentando a vulnerabilidade a eventos extremos naturais e reduzindo os recursos disponíveis para as futuras gerações.
Portanto, ver a natureza como “um negócio” de forma depreciativa é ignorar os benefícios tangíveis e intangíveis que a conservação oferece. Não se trata de “gastar dinheiro com passarinhos”; trata-se de garantir que os ecossistemas continuem a fornecer os serviços dos quais dependemos, enquanto promovem um futuro mais sustentável para as comunidades locais e para todos nós.
A conservação da natureza em Portugal é, acima de tudo, um investimento no futuro, e um investimento transversal que deve estar presente desde a saúde à agricultura, desde a coesão territorial à Proteção Civil. Ver a natureza afastada dos grandes debates sobre o orçamento é cada vez mais absurdo. Ignorar a importância do trabalho para a sua conservação e recuperação, e as suas implicações para a economia e o bem-estar das pessoas, é perpetuar uma visão curta que, a longo prazo, sairá muito mais cara. Reconhecer a biodiversidade como um ativo fundamental e protegê-la não é um luxo, mas uma necessidade urgente.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico