A ciência pode ter resolvido o mistério do metano, uma das maiores ameaças climáticas

Mais de 100 países comprometeram-se a reduzir as suas emissões de metano em 30% até 2030, mas esse compromisso ainda não teve resultados. Podemos estar a caminhar para um cenário climático desastroso.

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Os sistemas alimentares geram 53% das emissões mundiais de metano e cerca de dois terços são da produção pecuária Maria Abranches
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Há quase duas décadas, os níveis de metano da atmosfera - um perigoso gás com efeito de estufa que, a curto prazo, é mais de 80 vezes mais potente do que o dióxido de carbono - começaram a subir. E a subir.

As concentrações de metano, que se tinham mantido estáveis durante anos, aumentaram cinco ou seis partes por mil milhões todos os anos a partir de 2007. Depois, em 2020, a taxa de crescimento quase duplicou.

Os cientistas ficaram perplexos - e preocupados. O metano é o grande ponto de interrogação que paira sobre as estimativas climáticas mundiais; embora se decomponha na atmosfera muito mais rapidamente que os combustíveis fósseis, é tão poderoso que níveis de metano mais elevados do que o previsto poderiam fazer com que o mundo registasse temperaturas muito mais elevadas.

Mas agora, um estudo trouxe uma luz sobre o que está a provocar as emissões recorde de metano. Os culpados, segundo os cientistas, são os micróbios, os minúsculos organismos que vivem no estômago das vacas, nos campos agrícolas e nas zonas de maior humidade. E isso pode significar que já está em curso um perigoso ciclo, em que estas emissões provocam um aquecimento que liberta mais gases com efeito de estufa.

"As alterações a que assistimos nos últimos anos - e mesmo desde 2007 - são microbianas", esclarece Sylvia Michel, principal autora do estudo publicado no mês passado na revista Proceedings of the National Academy of Science, ao The Washingon Post. "As zonas húmidas, se estão a ficar mais quentes e mais húmidas, talvez estejam a produzir mais metano do que antes", acrescenta a investigadora.

Metano: o caminho para um desastre climático

É difícil para os cientistas identificar todas as fontes de metano do planeta. Provém de fugas de petróleo e gás, dos arrotos das vacas, dos aterros sanitários e pântanos e do degelo permanente da Antárctida. Quando as emissões de metano aumentam, encontrar a causa é como resolver um problema de álgebra complicado com demasiadas incógnitas.

E é um problema que vai determinar o destino do clima.

Durante algum tempo, os cientistas pensaram que o aumento das emissões de metano resultava do crescimento da utilização de gás natural, que é maioritariamente metano. As fugas de gás, provenientes de perfurações ou de condutas, podem libertar este gás com efeito de estufa para a atmosfera.

Mas o novo documento aponta os micróbios como o maior pico de metano. Michel e outros investigadores analisaram amostras de metano (CH4) de 22 locais de todo o mundo num laboratório no Estado de Colorado. Em seguida, mediram o "peso" desse metano, mais especificamente, quantas moléculas continham um isótopo de carbono mais pesado, conhecido como C13.

Diferentes fontes de metano emitem diferentes assinaturas de carbono. O metano produzido por micróbios, na sua maioria minúsculos organismos unicelulares conhecidos como archaea, que vivem no estômago das vacas, nas zonas húmidas e nos campos agrícolas, tende a ser "mais leve", isto é, tem menos átomos C13. O metano dos combustíveis fósseis, por outro lado, é mais pesado porque contém mais átomos C13.

À medida que a quantidade de metano aumentou na atmosfera nos últimos 15 anos, também se tornou cada vez mais leve. Os cientistas utilizaram um modelo para analisar estas alterações e descobriram que só um grande aumento das emissões microbianas poderia explicar tanto a quantidade de metano como a alteração do seu peso.

"O que é fundamental na conclusão deles é que não é fóssil ou geológico", comentou Rob Jackson, professor da Universidade de Stanford, ao Washington Post. Este especialista não esteve envolvido no estudo, mas faz parte da Global Methane Budget, um projecto que rastreia as fontes e as emissões de metano em todo o planeta.

Origem microbiana

A investigação, no entanto, não mostra a quantidade dessas emissões que são naturais ou causadas pela acção humana. Embora os micróbios das zonas húmidas sejam, em grande parte, naturais, estas pequenas criaturas também podem bombear metano de reservatórios, terrenos agrícolas e aterros sanitários.

Outro estudo recente concluiu que dois terços das actuais emissões de metano são causados pela acção humana, a partir da queima dos combustíveis fósseis, do cultivo do arroz, de reservatórios e de outras fontes. "O metano forma-se biologicamente em ambientes quentes, húmidos e com pouco oxigénio", acrescenta Jackson. "As zonas húmidas de um arrozal e o intestino de uma vaca são muito semelhantes."

Mas também estão a surgir provas de que as zonas húmidas naturais podem estar a responder ao aquecimento das temperaturas bombeando mais metano. Dados de satélite dos últimos anos revelaram pontos quentes de metano a nível mundial nas zonas húmidas tropicais da Amazónia e do Congo.

"As zonas húmidas emitem mais metano à medida que as temperaturas aquecem", explica Jackson ao Washington Post. "Isto pode ser o início de uma tendência, em que as temperaturas mais elevadas libertam mais metano dos ecossistemas naturais."

Michel diz que é demasiado cedo para dizer se isto é o início de um ciclo vicioso. "Serão estas alterações provocadas pela acção humana nos sistemas de água doce ou serão uma espécie de retroacção climática assustadora? Quero ter cuidado com o que podemos e não podemos dizer com estes dados", elucida a investigadora.

Promessas vazias

Os cientistas afirmam que isto não significa que o mundo possa continuar a queimar gás natural. Se as zonas húmidas estão a libertar metano mais depressa do que nunca, argumentam, tem de haver um esforço maior para reduzir o metano das fontes que os humanos podem controlar, como as vacas, a agricultura e os combustíveis fósseis.

Mais de 100 países comprometeram-se a reduzir as suas emissões de metano em 30% até 2030, em comparação com os níveis de 2020, mas até agora esse compromisso ainda não teve resultados. Em vez disso, as medições por satélite mostram que as concentrações estão a aumentar a um ritmo que vai de encontro com os piores cenários climáticos.

"É possível rodar uma chave inglesa num campo de petróleo e gás para reduzir as emissões de metano", comenta Jackson. "Não há nenhuma chave inglesa para o Congo ou para a Amazónia", conclui o professor ao jornal norte-americano.