Américo Aguiar: “Não vamos pedir às vítimas que percorram novamente o túnel do horror”

Cardeal Américo Aguiar garante que o processo de indemnizações das vítimas de abusos sexuais já conhecidas pela Igreja será fechado em 2025.

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Américo Aguiar, bispo de Setúbal, foi um dos quatro portugueses que participaram na última sessão da Assembleia Geral do Sínodo, em Roma.

Em entrevista à Hora da Verdade, programa do PÚBLICO e Renascença, explica que a Igreja está cada vez "mais perto" de dar mais protagonismo às mulheres, embora reconheça que existem vários padres que resistem a "partilhar o poder" com quem quer que seja.

Participou nos trabalhos do Sínodo dos Bispos, no Vaticano, que terminaram a 27 de Outubro. Até Junho vão funcionar dez grupos de estudo sobre algumas questões – pobreza, participação das mulheres na Igreja. Este sínodo, no fundo, começou em 2021. Criar grupos de trabalho não é adiar mais uma vez a decisão sobre temas que podem ser fracturantes?
Aquilo que o Papa empreendeu desde o início é que nos sintamos em modo sinodal. Isso significa que os problemas e os caminhos a percorrer no futuro sejam discutidos naquilo que é a partilha da família dos irmãos e das irmãs. O sínodo era sobre a sinodalidade, propriamente dita, e as temáticas que viessem seriam encaminhadas para os tais dez grupos de trabalho para cada um poder fazer o estudo aprofundadamente.

E se o grupo de estudo, por exemplo, que vai avaliar a participação das mulheres na vida da Igreja concluir sobre a necessidade de ordenação de mulheres padres ou de mulheres diáconos, o que é que acontece? Estas decisões são ou não vinculativas?
Depende do modo como o Papa as materializar, porque quer o sínodo, quer estes grupos de trabalho, normalmente quando chegam ao fim, fazem recomendações. No final deste sínodo, por exemplo, o Papa não fez uma exortação pós-sinodal. O documento final, pura e simplesmente, foi divulgado e encaminhado para as igrejas e para as dioceses. O Papa decidiu assim, não sei se para queimar etapas ou para acelerar ainda mais o processo da sinodalidade no terreno.

Nestes dez anos, há um caminho que se vai fazendo, em muitas áreas, não é única e exclusivamente nessa. Na votação sobre o diaconato feminino, houve 90 e tal votos contra, mas uma esmagadora maioria a favor, 200 e tal a favor.

Os votos contra podem funcionar como um sinal de que a Igreja se pode dividir nessa temática?
Durante um mês estivemos juntos das 8h45 até às 19h30. Aprendi que é uma riqueza ter a oportunidade de estar junto com irmãos e irmãs que pensam de modo diferente, que sentem de modo diferente, mas também que nos sensibilizam e testemunham as suas urgências. Por exemplo, enquanto nós, europeus, discutimos a questão dos recasados, os nossos irmãos africanos disseram-nos, calma aí, porque nós não estamos a entender essa prioridade. O nosso problema chama-se poligamia.

Mas, voltando a esta questão das mulheres diáconos, qual é a sua posição? É de que se deve integrar todos, todos, mas não todas, todas?
Não tenho dúvidas quanto à importância do papel da mulher na Igreja, seja na catequese, seja na liturgia. Mais do que a questão do ordena ou não ordena, na sociedade e na Igreja somos iguais.

Mas é possível haver igualdade sem haver sacerdócio?
Colocamos um sublinhado que eu acho que é errado. Quando falamos de ministério ordenado, eu falo de serviço. Mas na sociedade e em muitos areópagos, entendemos o ministério ordenado como exercício do poder e questionamos porque é que os iguais não podem aceder a esse exercício do poder.

A mim não me causa especial problema, nem dificuldade maior. Acho que é errado colocarmos no centro da reflexão a questão do exercício do poder. A culpa é nossa, quando o padre, quando o bispo não...

... não quer partilhar o poder?
Exactamente. O erro é associar ao ministério ordenado o exercício do poder.

Sente que na Igreja há padres que não querem partilhar o poder?
Eu sinto na Igreja que há homens a quem não agrada partilhar o poder, mas não é por partilhar o poder com mulheres. Não lhes agrada partilhar o poder com ninguém.

Acho que hoje estamos muito mais perto de um caminho, não digo de unanimidade, mas de consenso, do que estivemos no passado mais recente.

Ou seja, a breve trecho, podemos ver mulheres a celebrar missas, por exemplo?
Não. O que eu estou a dizer é que o ministério ordenado não tem de estar absolutamente associado ao exercício de poder. No limite, podemos ter homens e mulheres a dirigir as instituições e os organismos e isso não ter nada a ver com o ser sacerdote ou não ser sacerdote.

O Papa nomeou recentemente uma senhora para o governatorato de Roma. Um dia pode nomear uma prefeita de um dicastério. É um caminho que temos de fazer.

Sobre esta temática, há o risco de a dada altura haver uma cisão da Igreja entre a ala mais conservadora e a mais progressista?
Pelo contrário. No sínodo, onde estiveram presentes todas as sensibilidades, não notei esse ambiente.

Outro dos grupos de trabalho é sobre o ministério dos bispos. Os bispos e cardeais estão preparados para exercer no mesmo patamar de um leigo o tal caminhar juntos de que Francisco falou no arranque dos trabalhos? Acabou a ideia dos príncipes da Igreja?
Para mim, já acabou há muito tempo. Agora, há uma coisa que no sínodo se aprende: numa sociedade, numa família, numa instituição, nós temos de aceitar que alguém tem de ter a última palavra, mas essa última palavra não tem de ser a única palavra. E às vezes confunde-se o ter a última com ter a única.

O documento final do sínodo não deixa de lado a questão dos abusos e lê-se que é preciso esclarecer a verdade e pedir perdão. A Igreja em Portugal tem feito isso? Ou a mensagem que passa tem sido confusa, nomeadamente sobre as indemnizações às vítimas?
Em Portugal, depois da comissão Strecht, da criação do grupo Vita, estamos agora na fase de atribuir compensações. Agora é preciso concretizar esta fase não perdendo o foco daquilo que é a salvaguarda da vítima. Não devemos acrescentar mais sofrimento ou dúvidas ou recalcar situações desnecessariamente.

A Conferência Episcopal terá a sua reunião plenária de 11 a 14 de Novembro, em que vai continuar este caminho para concretizar aquilo que é uma fase muito importante.

Como bispo de Setúbal, qual é o bolo da diocese para indemnizações?
Até à data, ainda não foi materializado qualquer valor. Em Setúbal, os pedidos de que eu tenho conhecimento são dois, três.

E que agora têm de repetir novamente todo o processo para poder pedir a indemnização.
Não é humanamente, cristamente, aceitável fazer repetir percursos de sofrimento. Não devemos fazer com que as vítimas percorram novamente o túnel do horror.

Então na Conferência Episcopal podem decidir agilizar esse processo?
Eu acho que é a nossa obrigação. Se é um caso novo, acho que tem de fazer [depoimento]. Não é humano voltar a convidar a pessoa a passar outra vez pelos horrores dessa história. Tenho toda a confiança no trabalho do Grupo Vita.

2025 é um ano jubilar e seria particularmente simbólico que os processos se encerrassem, não digo definitivamente, porque estas coisas infelizmente nunca se encerram definitivamente.

Nas últimas semanas houve desacatos em Lisboa, na sequência da morte de Odair Moniz, num bairro pobre, o bairro do Zambujal. Houve também, na sequência disso, alguns desacatos na margem Sul. Como é que viu esta situação e o que é que acha que deve ser feito?
Primeiro, uma palavra de solidariedade para a família do Odair e o motorista da Carris. Se alguém morreu num contexto de uma operação policial, é preciso que o Estado de direito funcione sem qualquer gaguejo. Temos de saber o que é que aconteceu, se foram cumpridos os protocolos.

Agora, eu não posso, à partida, fazer uma acepção de uma pessoa, consoante ela chega de gravata e de fato da marca X, ou se chega sujo e de fato-macaco porque vem do trabalho ou porventura não tem condições para outro tipo de higienização. Não podemos permitir que isso aconteça. Se existem profissionais nas mais diversas áreas que tenham esse comportamento, é obrigatório que as suas chefias directas ajam em conformidade para corrigir.

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