Educação
Sabemos como se ensina, mas sabemos o suficiente sobre como se aprende?
Todas as semanas, os temas que interessam aos professores, pelas jornalistas Andreia Sanches e Cristiana Faria Moreira.
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Caro leitor
Antes de começar, tenho um convite para lhe fazer: que assista à conversa entre o secretário de Estado da Educação, Alexandre Homem Cristo, o presidente da Associação Nacional dos Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, a professora do Agrupamento de Escolas João Villaret Joana Lima, e Diogo Silva, coordenador do projecto “A Rodar”. Vamos discutir as respostas que estamos a dar aos alunos estrangeiros e à enorme diversidade de nacionalidades e culturas que temos hoje nas salas de aula. O debate tem a moderação da jornalista Bárbara Wong. E será transmitido em directo hoje, às 15h, neste link.
Esta semana, David Justino, ex-ministro da Educação, fez uma apresentação no Centro Cultural de Belém, que antecedeu a entrega dos Prémios Educação Sonae, onde enumerou três problemas e cinco desafios da educação. Vale a pena fazer aqui um resumo da matéria dada, porque o exercício do também professor toca, no essencial, naqueles que são os temas que marcam, hoje, o debate público.
Comecemos pelos três problemas que constam do diagnóstico. O ex-ministro identificou os seguintes: a falta de professores; a condição docente (incluindo a “degradação do estatuto social dos professores” e aquilo que identificou como uma “degradação da formação inicial dos professores” registada nos últimos anos); e, em terceiro lugar, a qualidade do que se aprende.
Sobre este último ponto: “O que me preocupa não é qualidade do ensino, é a qualidade da aprendizagem, é aquilo que os alunos aprendem, e alguma coisa não estará a funcionar como deve ser, porque nos últimos anos houve uma degradação daquilo que se aprende.”
Este tema tem preocupado os investigadores e os decisores políticos de diversos países. Vários estudos demonstram uma estagnação ou até uma deterioração das competências quando estas são medidas em diferentes idades e em diferentes áreas. Portugal não é excepção à regra. No último PISA, o grande estudo da OCDE que compara diferentes literacias entre os alunos de dezenas de nações, a média dos portugueses a Matemática foi de 472 pontos, o que representa uma queda de 20 pontos face a 2018. A pontuação média da OCDE neste domínio ficou-se também pelos 472 pontos, tendo caído 15 pontos no mesmo período.
É certo que foi o primeiro PISA pós-pandemia. Mas os peritos não tiveram dúvidas em afirmar que as razões para a queda são mais antigas. Por exemplo, as tendências negativas no desempenho a Matemática “já se faziam sentir antes de 2018 na Bélgica, Canadá, Finlândia, França ou Países Baixos”.
Regressemos a David Justino. Enumerados os três problemas, eis os cinco desafios.
Primeiro, a tecnologia. E entre as ideias sublinhadas, esta: é preciso “uma pedagogia do digital, que é uma coisa que neste momento não existe”. Podemos ter os melhores gadgets nas salas de aula. Mas (além de infraestrutura, ou seja computadores e Internet que funcionem) é preciso “técnica, disponibilidade do professor, uma didáctica do digital, e isso é um desafio para investigadores e professores, saber até onde se pode ir e o que posso obter de lá”.
Segundo desafio: neurociências. “Meus caros”, disse à plateia do auditório, constituída por pessoas que trabalham essencialmente em educação, “os avanços que se têm operado no desenvolvimento das neurociências são fundamentais para percebermos duas ou três coisas importantes. Como é que se aprende? Sabemos mais ou menos como é que se ensina. Mas sabemos muito menos sobre como é que se aprende e, nesse aspecto, os avanços das neurociências poderão ser extremamente úteis. Sabemos hoje que a plasticidade neuronal é um adquirido, que os ambientes estimulantes e diferenciados são essenciais para o desenvolvimento dos jovens, que a estimulação e o treino são indispensáveis, e que se deverá começar [a trabalhar] os problemas da memória, da concentração e da cognição o mais cedo possível.”
Centremo-nos neste ponto, porque a educação entre os zero e os seis anos tem muito menos palco mediático mas é onde tudo começa e são muitos os estudos que relacionam o sucesso escolar futuro com o que se passa nestes anos de vida.
David Justino diz que a educação de infância deve “superar a função de guardar”, deve ser um “processo de estimulação e de bem-estar”. E deve “integrar a creche, porque esta separação que existe [entre creche dos zero aos três anos e pré-escolar dos três aos cinco] não tem sentido absolutamente nenhum”.
Quanto à gratuitidade da creche de que se fala, não poupou na ironia. “Eu posso garantir a gratuitidade das creches, mas se não tenho creches o problema fica imediatamente resolvido…”
Terceiro desafio: a diversidade cultural e social nas escolas. “Os fluxos migratórios estão a confrontar a escola com desafios para os quais ela não estava preparada. A existência de alunos com origem migrante que têm proficiência linguística zero é o maior dos problemas. E as escolas lá vão tentando dar resposta. O grande problema é que se se propõe uma pedagogia diferenciada para esse tipo de estratos, o grande desafio é fazer com que a pedagogia diferenciada não se torne discriminação. Porque entre uma coisa e outra o limite é muito ténue.”
Quarto: o conhecimento. “Nunca vi uma pessoa competente que fosse ignorante. E portante para eu ser competente tenho que ter conhecimento. Se desvalorizarmos o conhecimento naquilo que é o currículo estou convencido que não vamos desenvolver pessoas competentes, cultas, que sabem pensar e fazer perguntas e formular problemas e sabem criar.” Um alerta num momento em que se está preste a iniciar um processo de revisão dos programas, como anunciou já o Governo.
Quinto: o professor. “Precisamos de um novo perfil de professor, precisamos de uma formação inicial e contínua e precisamos de profissionalização, que é uma coisa muito séria. Uma coisa é estarmos habilitados para dar umas aulas, outra é ter formação em pedagogia e ensino. É muito mau se baixamos os níveis de exigência a coberto da falta de professores.”
Portanto, acabamos como começamos, com os professores.
Não devem trabalhar sozinhos – aliás, uma das boas notícias da semana foi mesmo o anúncio de que os técnicos especializados que trabalham há anos nas escolas de forma precária (de terapeutas da fala a psicólogos) deverão ser vinculados em breve. Mas sem dúvida que a peça-chave para enfrentar todos os desafios se chama "professor".
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