O escritor italiano Paolo Giordano contou-nos, numa entrevista que vai ser publicada esta sexta-feira, que se não fosse a literatura já teria cedido ao desespero. Durante a videochamada, o autor do best-seller A Solidão dos Números Primos apontou para cinco ou seis prateleiras repletas de livros sobre clima, natureza e crise planetária. Devorou quase tudo o que havia para ler sobre a crise climática e, por ter uma sólida formação científica (estudou física de partículas na Universidade de Turim), sabe bem o que significa para a humanidade ter uma atmosfera sobrecarregada com dióxido de carbono.
Tasmânia, a obra mais recente que Paolo Giordano publicou em Portugal, discorre sobre a forma como nós estamos a redimensionar emoções diante da iminência de catástrofes. "Se quiser da minha parte uma definição precisa do tempo em que vivemos, é esta: um tempo pré-traumático", diz uma personagem do livro, um cientista climático que relata o stress de observar gráficos no monitor e, a partir dessa informação, prever o futuro. E saber que esse futuro não traz nada de bom.
Fora da literatura, mantém-se a angústia dos cientistas climáticos. Imaginem o que é escrever artigos, publicá-los em publicações científicas revistas por pares, contribuir para relatórios de organizações internacionais, participar em conferências – tudo com o objectivo de fornecer a informação mais rigorosa possível para que os decisores políticos possam tomar decisões baseadas na ciência e, assim, proteger as populações. Os cientistas climáticos têm feito isso há décadas e, demasiadas vezes, os conselhos dados foram atirados para o lixo.
Agora, em 2024, olhamos à nossa volta e sentimos o desespero latente que existe no romance de Paolo Giordano. Esta quinta-feira, descobrimos que este ano será muito provavelmente o mais quente de que há registo. Reparem que ainda faltam várias semanas para 2025, mas os cientistas do Copérnico – o serviço europeu de observação da Terra – já possuem dados suficientes para vir a público dizer que 2024 será o primeiro ano em que a temperatura média global ficará acima de 1,5 graus Celsius (em relação aos níveis pré-industriais).
Por outras palavras, o planeta está a aquecer, como já sabíamos que aconteceria. Os cientistas tinham avisado, não tinham? Felizmente, eles não são como as avós em dias de chuva, e não aparecem de dedo em riste para dizer "eu avisei" quando entramos molhados e sem guarda-chuva. Pelo contrário, o que vemos são cientistas a trabalhar em áreas essenciais à adaptação, como os sistemas de alerta precoce, por exemplo. Mas, mais uma vez: não basta haver conhecimento disponível, é preciso que os decisores políticos estejam interessados em apostar na ciência e investir na preparação.
Há uma semana, em Valência, Espanha, choveu em oito horas a precipitação média que seria esperada para um ano inteiro. A lama que escorreu pelos vales criou um cenário apocalíptico e provocou a morte de pelo menos 219 pessoas. As autoridades locais só avisaram a população para as fortes chuvas quando já estava tudo alagado, impedindo que muitas vidas fossem salvas. Dispunham dos dados da agência meteorológica e nada fizeram com essa informação. Mais uma vez, o conhecimento foi deitado fora.
Inger Andersen, directora executiva da agência das Nações Unidas para o ambiente (UNEP, na sigla em inglês), comentava esta quinta-feira, na conferência de imprensa de apresentação do relatório Adaptation Gap Report 2024, que se a região de um país como a Espanha não está preparada para uma catástrofe assim, imaginem quando algo semelhante ocorre numa nação onde o investimento em prevenção é quase nulo. Com isso, a responsável da UNEP pretendia sensibilizar os países para falar de adaptação na próxima Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP29), que começa na próxima segunda-feira em Bacu, capital do Azerbaijão.
Nestes tempos "pré-traumáticos", em que estamos sempre à espera do próximo fenómeno climático extremo, a única coisa que nos faltava era que um político apaixonado pelos combustíveis fósseis, como é o caso de Donald Trump, fosse reeleito para liderar os Estados Unidos nos próximos quatro anos. Continuaremos nesse desespero até que o catálogo de catástrofes seja tão colossal que se perceba finalmente o custo da inacção. Esta tem sido a minha fonte de esperança, a par da literatura e do amor, sempre.