Vaivém espacial da Europa vai mesmo aterrar nos Açores a partir de 2027
A inauguração da sede da Agência Espacial na ilha de Santa Maria foi motivo para um anúncio oficial há muito esperado: é aos Açores que o veículo Space Rider regressará vindo do espaço.
A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) escolheu os Açores para local de aterragem do voo inaugural do vaivém espacial da Europa – o Space Rider. Ao fim de mais de cinco anos a falar-se desta hipótese, ela tornou-se agora oficial, tendo sido confirmada esta quinta-feira pelo director de voo da ESA, Stefano Bianchi, durante a inauguração da sede da Agência Espacial Portuguesa, na antiga casa do director do Aeroporto de Santa Maria, em Vila do Porto. A ilha de Santa Maria vai assim acolher o Space Rider no regresso à Terra das missões no espaço.
O primeiro lançamento do Space Rider está previsto para 2027, avançou ainda Stefano Bianchi. “A ESA apoiará a Agência Espacial Portuguesa e estamos a trabalhar em conjunto para que o Space Rider aterre nos Açores em 2027”, disse o director de voo da ESA citado num comunicado da Agência Espacial Portuguesa. Já para Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, “a escolha de Santa Maria como local de aterragem sublinha a importância dos Açores no futuro panorama espacial europeu”.
O Space Rider
A ideia de um vaivém espacial da Europa foi inicialmente proposta em 2016 – um veículo que fosse capaz de ir ao espaço, ficar lá durante dois meses em órbita baixa da Terra e depois regressar ao solo. Além disso, poderia voltar a ser utilizado. O Space Rider seria assim o primeiro veículo espacial reutilizável da Europa. Ou, por outras palavras, o primeiro vaivém da Europa, ainda que não seja tripulado por astronautas como os famosos vaivéns que os Estados Unidos mantiveram em operação durante 30 anos, até 2011, ano em que o Atlantis fez a última missão destes veículos norte-americanos que partiam como um foguetão e aterravam como um avião.
O Space Rider aumentará as capacidades espaciais da Europa, juntando-se aos seus foguetões Ariane e Vega, estes utilizáveis uma única vez e que descolam da base espacial europeia de Kourou, na Guiana Francesa.
Com o Space Rider, a Europa passa a ter um vaivém espacial que no porão – com capacidade para cerca de 800 quilos – levará para o ambiente de microgravidade do espaço uma multiplicidade de cargas científicas e tecnológicas. Por exemplo, experiências farmacêuticas, de biomedicina, de biologia ou de física, bem como demonstrações de tecnologias em órbita e monitorização do planeta, por exemplo em desastres naturais.
Funcionará como uma plataforma de testes e de ensaios científicos em órbita, cujas preciosas cargas que seguirão no seu porão serão depois recuperadas por engenheiros e cientistas no regresso à Terra. O veículo “poderá vir a ser usado comercialmente, o que capacitará a indústria europeia para abrir novos mercados”, assinala-se ainda no comunicado da Agência Espacial Portuguesa.
As descolagens do Space Rider far-se-ão na base espacial de Kourou, a bordo de um foguetão Vega-C. E a questão, de que já se falava pelo menos em 2018, era se o Space Rider faria as aterragens também em Kourou ou se seguiria paragens açorianas – mais concretamente, para o aeroporto da ilha de Santa Maria. A ESA anunciou agora a segunda hipótese, não apenas no voo inaugural do veículo, mas em todos os outros que se lhe seguirem.
Na aterragem, para travar a velocidade com que reentra na atmosfera terrestre, o Space Rider irá abrir a cinco quilómetros de altitude algo semelhante a um parapente, o que lhe permitirá pousar tranquilamente na pista, explica-se, por sua vez, no site da ESA, de que Portugal é um dos Estados-membros desde 2000, ano da adesão à agência pelo ministro da Ciência à época, José Mariano Gago.
No voo de estreia do Space Rider, agora previsto para 2027 e que actualmente se encontra em fase de testes e validação, embarcará uma experiência portuguesa de detectores, concebida pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) da Universidade de Coimbra, destaca ainda o comunicado da Agência Espacial Portuguesa.
Um pólo espacial em Santa Maria
A notícia de que o Space Rider irá aterrar em Santa Maria é um reforço de peso dos planos portugueses de tornar a ilha açoriana como pólo espacial, onde se procuram reunir muitas outras actividades espaciais para lá do local de aterragem do primeiro veículo reutilizável da Europa.
Foi em 2017 que se tornou pública pela primeira vez, pelo então ministro da Ciência, Manuel Heitor, a ideia de Santa Maria ter uma base espacial de onde se lançariam foguetões para pôr pequenos satélites no espaço. Por essa altura, começou a falar-se de Malbusca, na freguesia de Santo Espírito, noutra ponta da ilha de Santa Maria em relação ao aeroporto, como local para instalar uma base espacial portuguesa.
Depois de avanços e recuos em concursos de selecção dos consórcios que fariam lançamentos espaciais de Santa Maria, o Atlantic Spaceport Consortium (ASC) já tem terrenos alugados em Malbusca para iniciar operações de lançamentos espaciais nos Açores. No final de Setembro, este consórcio português (uma parceria entre a consultora Ilex Space e a empresa de aeronáutica e aeroespacial Optimal) procedeu a voos de teste em Malbusca, a partir de uma plataforma móvel, de onde lançou dois pequenos foguetões a cerca de 5000 metros de altitude. Os foguetões de pouco mais de três metros de altura, chamados Gama, foram desenvolvidos, fabricados e operados pelo ASC, em colaboração com uma equipa do Instituto Superior Técnico.
Se a ilha terá uma base espacial (ou porto espacial), Ricardo Conde responde, agora numa mesa-redonda, que esse projecto “vai avançar”: “Estamos à espera da indústria para vir operar o porto espacial.”
Santa Maria procura tornar-se “um ecossistema espacial” e “hub” (pólo) de acesso e de retorno do espaço, nas expressões dos responsáveis da Agência Espacial Portuguesa, que em direcção a esse objectivo inauguraram esta quinta-feira a sua sede nacional na ilha, numa cerimónia em que esteve o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro.
O edifício da sede, na antiga casa do director do Aeroporto de Santa Maria construída na década de 1950, foi projectado pelo arquitecto Francisco Keil do Amaral. Recuperado pelo Governo Regional dos Açores em 2019, em obras de requalificação profunda, o edifício foi cenário da festa que esta quinta-feira congregou inúmeros convidados do sector espacial para comemorar também os cinco anos da criação da Agência Espacial Portuguesa. As celebrações incluíram palestras de Fernando Carvalho Rodrigues, responsável pelo primeiro satélite português lançado no espaço, o PoSat-1, e do filósofo e escritor açoriano Onésimo Teotónio Almeida.
“A inauguração da sede da Agência Espacial Portuguesa em Santa Maria reflecte o nosso compromisso com os Açores”, realça Ricardo Conde. Até porque a ilha já acolhe, entre outras actividades espaciais, uma estação de rastreio dos foguetões Ariane e Vega e duas estações terrestres do Galileu, o sistema de navegação por satélite europeu.
“Em Santa Maria, tirando partido da posição privilegiada da região, queremos ajudar a desenvolver um ecossistema espacial numa perspectiva global, criando oportunidades para a fixação das novas gerações”, acrescenta Ricardo Conde, tendo confessado na abertura da inauguração que estava um pouco “nervoso” por este marco, símbolo do “caminho que nos trouxe até aqui”, referindo-se ao “trajecto que Portugal iniciou há 30 anos com a visão e o pioneirismo do professor Carvalho Rodrigues”, o pai do PoSat-1, lançado no espaço em 1993.
Daí que, para impulsionar esse hub de acesso e de regresso de missões espaciais, esteja também nos planos da Agência Espacial Portuguesa a criação do Centro Tecnológico Espacial de Santa Maria. “Este hub multifuncional estará equipado com infra-estruturas que servirão de apoio às actividades de investigação e experiências científicas desenvolvidas no Space Rider, mas também de outras missões de reentrada de veículos orbitais”, diz-se no comunicado.
Para Stefano Bianchi, “o hub de retorno e acesso ao espaço de Santa Maria desempenhará um papel fundamental” na estratégia da Europa no espaço. Ajudará a ter um local de regresso do espaço “seguro” e a criar “as condições para lançamentos frequentes, flexíveis e sustentáveis de pequenos satélites”, defende o director de voo da ESA. “Temos o desígnio de fazer de Portugal uma nação também espacial”, resume Ricardo Conde. “Temos de sonhar.”
O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Portuguesa