Vamos ter 43 milhões de deslocados climáticos anualmente até 2050

As consequências das alterações climáticas provocam a fuga das populações. As inundações, as secas e as tempestades são as catástrofes que causam maior número de deslocados climáticos.

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No pior dos cenários, as crises hídricas vão obrigar 11 milhões a abandonar os seus países HOTLI SIMANJUNTAK/EPA
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Um estudo realizado pela consultora Boston Consulting Group (BCG) indica que 99% das deslocações relacionadas com catástrofes naturais em 2022 foram provocadas por eventos associados à água: tempestades, inundações ou secas. Vários estudos comprovam que as alterações climáticas afectaram tanto a frequência de desastres climáticos como a intensidade com que eles atingem o planeta.

Os investigadores do estudo "To Understand Climate Mobility, Follow the Water" da BCG estimam que, até 2050, no pior dos cenários, as crises hídricas vão deslocar quase 32 milhões de pessoas internamente e obrigar 11 milhões a abandonar os seus países.

Definir o conceito de "refugiado climático" pode ser uma tarefa mais complicada do que parece. Este termo, usado em diversas investigações académicas, era utilizado com o objectivo de consciencializar os leitores e alertar para a verdadeira natureza das deslocações forçadas pelas alterações climáticas. Segundo uma investigação realizada pelo Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), o conceito de "refugiado" foi criticado pelo "seu significado jurídico específico no contexto da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e do direito internacional dos refugiados", como podemos ler no documento.

Assim, surgiu o termo "pessoa deslocada por razões ambientais/climáticas" ou, na versão mais reduzida, "deslocado climático". Falamos de pessoas que, de forma voluntária ou forçada, tiveram de abandonar as suas vilas, cidades ou países em resposta às alterações climáticas. Apesar de a maioria dos deslocados climáticos serem internos deslocam-se dentro do país e regressam após a catástrofe , o impacto das alterações climáticas está a impedir o regresso das populações, tornando diversas zonas afectadas inabitáveis.

O aumento da mobilidade climática por desastres hídricos reflecte as perturbações no ciclo natural da água, causando instabilidade económica e política e dificultando a adaptação humana aos efeitos das alterações climáticas. O mais recente exemplo são as inundações no Leste de Espanha após o fenómeno da gota fria, um fenómeno extremo de precipitação que fez com que caísse um ano de chuva em apenas 24 horas. Actualmente, contabilizam-se mais de 200 mortos e centenas de desaparecidos.

Segundo o estudo da BCG, existem três cenários possíveis. Seguir a via verde, o meio da estrada e optar pelo que definem como auto-estrada.

"Seguir a via verde"

Numa trajectória muito positiva, os países começam a implementar medidas que se traduzem numa redução significativa das emissões de gases de efeito de estufa. Aposta-se na transição energética e na inovação tecnológica em prol do meio ambiente. Os países, em especial os mais poluentes, teriam de respeitar os limites ambientais e gerir os recursos naturais. Ainda assim, os investigadores estimam que a mobilidade climática interna aumenta cerca de 1% e a mobilidade externa cerca de 2,5%.

Mesmo com uma diminuição considerável das deslocações climáticas, seria necessário os países mais desenvolvidos apoiarem os países vulneráveis. Os embaixadores do Pacto Climático Europeu defendem que a União Europeia deve criar mecanismos de cooperação com os países mais afectados pelas alterações climáticas, como, por exemplo, a aposta na mobilização de empresas capazes de prevenir e ajudar em caso de desastres naturais como inundações.

Segundo o Pacto Climático Europeu, a transição para a economia verde (por exemplo, investimento em estruturas de protecção costeira que pode evitar o desaparecimento de centenas de nações insulares) iria evitar "vagas de imigração acima da capacidade europeia".

"Meio da estrada"

Ao contrário do primeiro cenário, extremamente positivo, este segundo cenário reflecte esforços mais moderados na redução da emissão de gases com efeito de estufa até 2040. O estudo prevê um esforço moderado na inovação tecnológica e na implementação de políticas verdes. Apesar de ligeiras melhorias, o ambiente continuaria a degradar-se e os rendimentos globais seriam desiguais. "Nesta conjuntura, é expectável um aumento da mobilidade climática interna de aproximadamente 14% e de quase 3% a nível externo", lê-se em nota de imprensa.

Embora ligeiramente mais animador, continua a representar um cenário pouco "provável". Portugal recebeu, no ano passado, cerca de 2600 novos pedidos de asilo de deslocados climáticos forçados. A ONU contabilizou 120 milhões de deslocados em Maio deste ano este número equivale, aproximadamente, ao 12.º maior país do mundo, ou seja, um país como o Japão.

A ONU explica que o número de deslocamentos forçados foi impulsionado pelo conflito no Sudão no final do ano passado, levando mais de 10 milhões de sudaneses a abandonar o país. O maior número de deslocados continua a ser da Síria, com quase 14 milhões de pessoas deslocadas, tanto internamente como externamente.

"Seguir a auto-estrada"

Os poucos ou inexistentes esforços pela mitigação dos efeitos das emissões vão acentuar a dependência dos combustíveis fósseis e o pouco avanço em matéria de tecnologias sustentáveis. A BCG estima um aumento de 33% da mobilidade climática interna e 3% do aumento da deslocação além-fronteiras.

"As alterações climáticas, nomeadamente o aumento e a maior variação das temperaturas a nível global, têm afectado principalmente a quantidade, disponibilidade e qualidade da água, gerando impactos económicos, políticos e sociais", afirma Manuel Luiz, director-geral e sócio da BCG, na nota de imprensa sobre este trabalho. "A mobilidade forçada das populações a nível mundial tem como principal causa os desastres naturais relacionados com a água, o que reforça a necessidade de acelerar a transição energética e reduzir as emissões de carbono", conclui.

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Em Valência, centenas de pessoas tiveram de abandonar as suas casas após as inundações causadas pelas chuvas torrenciais Nacho Doce / REUTERS

O maior risco de aumento de inundações localiza-se em África, na Austrália, no Médio Oriente e na Europa central. As nações insulares apresentam uma preocupação acrescida, sendo as que estão na linha da frente da subida do nível da água do mar. As ilhas em isolamento geográfico e com poucos recursos (SIDS, na sigla em inglês), como as Bahamas, Cuba, Jamaica, as ilhas Fiji e Timor-Leste, são ainda mais susceptíveis aos efeitos adversos das alterações climáticas.

Em matéria de secas, a Europa central, a América Latina e o Sudeste Asiático são as regiões mais vulneráveis, com um risco agravado naquelas onde menos esforços são feitos para mitigar as alterações climáticas. A Europa, por exemplo, aqueceu mais depressa do que o resto do mundo, sofrendo os efeitos de uma seca prolongada décadas antes do previsto. Desde a agricultura à produção de energia, poucos são os sectores que fogem às consequências da seca.

O que fazer para mitigar as crises hídricas?

Existem mecanismos que podem ajudar a combater as alterações climáticas e as suas consequências no bem-estar das populações mundiais, segundo o estudo da BCG. O primeiro passo consiste na restauração de infra-estruturas para melhorar a sua adaptação aos eventos climáticos. Por exemplo, a "aposta em tecnologias de captação, armazenamento e distribuição, e de recuperação de águas residuais de baixo custo" pode impedir a mobilidade climática.

Os investigadores apelam ainda às instituições públicas e aos decisores políticos para que desenhem estratégias consistentes com os problemas e desafios da actualidade, além de apostarem na entreajuda com outras nações, de modo a "reunir ideias, pessoas e recursos" que tragam benefícios às pessoas deslocadas.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas