“A ignorância do povo vale ouro em eleições”, diz a economista Sandra Utsumi

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, aproveitou-se do baixo nível educacional da população e da incapacidade de muitos de questionar o que foi difundido nas redes. Brasil será atingido.

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Eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump se beneficiou do baixo nível educacional da população Carlos Barria / REUTERS
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A vitória do republicano Donald Trump nas eleições norte-americanas explicitou o que a economista Sandra Utsumi classifica como um dos maiores problemas da atualidade: a educação deficiente da população. “A ignorância do povo vale ouro nas eleições”, diz ela. Sem capacidade de questionar os fatos e presas fáceis para as mentiras difundidas por meio das redes sociais, os eleitores, em grande parte, foram arrebatados por Trump, que sequer apresentou um plano viável de governo. “Ele apenas jogou ideias para ver se colava, e colou. Infelizmente, o povo desinformado vem servindo de laboratório para políticos extremistas”, acrescenta.

Na avaliação da economista, que é diretora executiva do Haitong Bank em Portugal, o presidente eleito dos Estados Unidos soube usar, como poucos, os algoritmos das redes sociais ao atingir eleitores que não votavam nele, como os negros e os latinos. Esses grupos foram bombardeados de informações falsas envolvendo a candidata democrata Kamala Harris e, sem conhecimento e capacidade de discernimento, acabaram se rendendo e endossando o republicano. Está faltando literacia na América, acredita ela.

Para Sandra, “essa aberração” está se repetindo em quase todo o mundo. “É cada vez menor o número de países em que o nível educacional tem ajudado a barrar esse movimento liderado por políticos extremistas. Alguns desses países, por sinal, estão na Europa. Onde há uma parcela maior da população educada, cria-se uma barreira contra o uso político da ignorância”, ressalta. Ela destaca, ainda, que a capacidade da população em geral de se interessar por assuntos complexos, que vão afetar a vida de todos, é cada vez menor. “A maioria prefere ver filmes de gatinhos fofos nas redes sociais do que discutir temas como inflação”, compara.

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A economista Sandra Utsumi, diretora em Portugal do Haitong Bank, acredita que políticas protecionistas adotadas por Donald Trump podem afetar o Brasil Vicente Nunes

Nesse contexto, o risco de políticos da estirpe de Trump ganharem o mundo é enorme. “Basta olhar o que já ocorreu no Leste Europeu e mesmo na América Latina”, diz. A perspectiva é de que a extrema-direita representada pelo norte-americano ganhe ainda mais terreno vendendo facilidades que, na verdade, custarão caro. “Trump, por exemplo, prometeu reduzir impostos de empresas e de pessoas físicas. Ao abrir mão dessas receitas, terá de cortas gastos com saúde, educação e outras políticas sociais. Isso quer dizer o seguinte: houve um benefício fiscal, mas, agora, vire-se como puder sem o Estado”, explica.

Impactos no Brasil

Segundo a economista, a repercussão dos mercados após a confirmação da vitória de Trump escancarou seu impacto sobre a economia mundial. As moedas de todos os países emergentes, entre eles, o Brasil, perderam valor ante o dólar. “O Brasil, particularmente, tenderá a sofrer com o protecionismo adotado por Trump. Produtos brasileiros que hoje entram nos Estados Unidos poderão enfrentar novas barreiras tarifárias”, alerta. O dólar em alta em relação à moeda brasileira, o real, significa mais inflação, o que obrigará o Banco Central a subir os juros — nesta quarta-feira (06/11), o real conseguiu se segurar diante da expectativa de anúncio de um pacote fiscal. O custo do dinheiro também continuará elevado nos EUA, uma vez que a política de Trump é expansionista, gera mais inflação.

“Teremos um mundo muito mais complexo, em que a economia será muito afetada”, afirma Sandra. Ela lembra que as urnas nos Estados Unidos não garantiram apenas a vitória de Trump. O partido dele, o Republicano, elegeu maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Ou seja, o presidente eleito aprovará o que quiser no Congresso norte-americano. Não só: ele tem maioria na Suprema Corte e ainda vai nomear, ao longo do mandato, mais alguns juízes. “Será um grande teste para as instituições norte-americanas. Veremos até que ponto elas estão comprometidas com a democracia”, assinala.

A economista vê com preocupação o esfacelamento do partido Democrata, que sofreu uma derrota devastadora. No entender dela, o fato de o atual presidente, Joe Biden, ter ficado agarrado à possibilidade de eleição até o último instante dificultou a construção de uma candidatura mais sólida de Kamala para enfrentar a estrutura da desinformação montada eficientemente por Trump. “Os próximos anos serão cruciais para compreendermos em que os Estados Unidos se transformaram”, diz. “Pelo que se viu das urnas, pode-se dizer que a América está muito parecida com tudo o que se viu na campanha do republicano”, complementa.

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