Banzado
Na Região Autónoma dos Açores, Portugal classificou a maior rede de áreas marinhas da Europa, e do Atlântico Norte, com 287.000 quilómetros quadrados.
Estupefacto, será porventura o adjetivo que melhor descreve o meu estado após ler no PÚBLICO, no dia 30 de outubro, as declarações do presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) na COP16 da Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que terminou há dias em Cali, na Colômbia.
Nuno Banza resumiu em entrevista a intervenção que fez no plenário da conferência em nome do Estado português. Referiu a riqueza de Portugal em termos de biodiversidade e a importância de maiores sinergias entre as convenções da ONU saídas da Cimeira do Rio de Janeiro, em 1992. Não esqueceu a vertente marítima, com menções à classificação, no início do ano, do Parque Natural Marinho da Pedra do Valado, no Algarve, que abrange uma área de cerca de 156 quilómetros quadrados, e a uma expedição científica recente ao banco do Gorringe.
Uma cópia do texto da intervenção em plenário foi circulada, sem a nota ‘check against delivery’. Para a imprensa, o texto valeu como a posição oficial de Portugal na COP16. Concordando plenamente com o teor destas declarações, a minha perplexidade provém de as mesmas conterem uma inexplicável omissão. Dias antes, Portugal classificou a maior rede de áreas marinhas da Europa, e do Atlântico Norte, com 287.000 quilómetros quadrados. A notícia teve peças extensas em horário nobre nos telejornais nacionais, e uma cobertura sem precedentes na imprensa internacional. Não resultou de trabalho do ICNF. Foi uma iniciativa da Região Autónoma dos Açores, que chegou a bom porto após um processo muito participado, amplamente reconhecido como exemplar do ponto de vista metodológico, e que envolveu parcerias nacionais e internacionais.
Não se entende a opção do presidente da autoridade nacional para a Conservação da Natureza e das Florestas de ignorar uma medida de indiscutível relevância nacional e internacional para o cumprimento das metas da Convenção e do seu acordo de Kunming-Montreal, que visa proteger 30% da superfície do planeta, em terra e no mar, até 2030. Além de uma visão parcelar do território nacional, transmite desapreço e uma falta de entendimento da relevância do trabalho desenvolvido pelas regiões autónomas na conservação do oceano, e do seu impacto no prestígio internacional de Portugal.
Posteriormente, o gabinete de imprensa da ministra do Ambiente e Energia incluiu uma frase sobre o assunto num comunicado de imprensa com o balanço da COP16. As COP das conferências das Nações Unidas são momentos magnos da agenda internacional dos ministros do Ambiente. Se algum impedimento não permite a ministra chefiar a delegação nacional, esta pode fazer-se representar por um secretário de Estado. Se a representação nacional neste importante evento tivesse sido assegurada ao nível de um membro do Governo, teria havido seguramente maior escrutínio político das declarações feitas em nome do país.
Termino com uma nota de esperança. O presidente do ICNF mudou-se há alguns meses para um novo gabinete, com vista para o Tejo, ocupado outrora por Ana Paula Vitorino e Ricardo Serrão Santos, os últimos ministros do Mar de Portugal. Quero pensar que o feng shui deste bonito espaço lhe pode inspirar futuramente uma visão mais integrada do que é a conservação da natureza no Mar Português.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico