Com Trump, haverá uma nova era climática em que a palavra de ordem é não cooperar
Más notícias para o clima e o ambiente: proteccionismo, investimento no crescimento económico através de combustíveis fósseis e recusa do multilateralismo marcarão regresso de Trump à Casa Branca.
Os incentivos à transição energética criados pela Administração de Joe Biden não devem ser revogados com o regresso de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, porque muitos estados governados por políticos do Partido Republicano e empresários que apoiam Trump têm lucrado com os benefícios fiscais em investimento em tecnologias limpas criados pelo pacote legislativo conhecido como Inflation Reduction Act (IRA, na sigla em inglês). Mas há outras maneiras de boicotar a acção climática e criar mesmo uma nova ordem, um mundo fraccionado, sem vontade de colaborar.
Atrasar as negociações internacionais para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (que provocam as alterações climáticas) saindo do Acordo de Paris e da própria Convenção do Clima das Nações Unidas é algo que alguns analistas vaticinam como sendo quase certo. Outras possibilidades são a decisão de que não haverá mais apoios à energia eólica nos Estados Unidos, por exemplo. E investir a fundo no crescimento económico com base no proteccionismo e nos combustíveis fósseis.
“A reeleição de Trump teria consequências extremas para a agenda ambiental a nível global”, sublinhou Tim G. Benton, analista do think tank britânico Chatham House e do Centro de Ambiente e Sociedade do Royal Institute of International Affairs, numa declaração enviada ao PÚBLICO.
O busílis da questão não está tanto em que ele ponha fim à regulamentação ambiental nos Estados Unidos ou invista no renascimento de uma economia com base em combustíveis fósseis — embora isso seja bastante provável, e num momento em que as Nações Unidas nos dizem que as emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial nos põem numa trajectória para um aquecimento global de 3,1 graus até ao fim do século, bem longe da meta de 1,5 graus ou, no máximo, dois graus, do Acordo de Paris.
“Está mais no facto de que poderá trazer uma nova ordem mundial: de regionalização, fragmentação e volatilidade. Uma ordem mundial em que os benefícios da globalização são minados em nome da segurança e do proteccionismo”, afirmou o cientista, que foi autor do relatório especial do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) sobre Alimentação, Terra e Clima de 2019 e das avaliações do Risco das Alterações Climáticas do Reino Unido em 2017 e 2022.
A forte probabilidade de a cartilha de Trump ser replicada em diversos locais do mundo põe em risco a cooperação multilateral de forma mais geral, incluindo a governação ambiental, salienta. “Num mundo tão fragmentado, em que as preocupações de segurança dominam tanto a atenção dos políticos e a bolsa dos cidadãos, a capacidade de lidar com os problemas ambientais mundiais vai reduzir-se”, afirmou Benton.
Criação da "America First"
“A criação de emprego e os benefícios económicos têm sido tremendos nos estados vermelhos [republicanos por causa do IRA]. É difícil conceber que uma nova administração chegue e diga ‘não gostamos disto’”, comentou à Reuters Carl Fleming, parceiro na empresa de advogados McDermott Will & Emery, que aconselhou a Casa Branca de Biden na elaboração da política de apoio às energias renováveis. É isto que a grande maioria dos analistas tem dito sobre o futuro que antecipam para o incentivo à transição energética sob uma presidência Trump.
Na campanha, Trump classificou o IRA como demasiado caro e prometeu rescindir todos os fundos alocados mas ainda não pagos — por isso a Administração Biden tem acelerado o pagamento de verbas atribuídas nos últimos meses.
Mas, mesmo que não cumpra essa ameaça, Trump pode atrasar a entrega de subsídios e outros apoios, porque o seu projecto governativo passa pela desconstrução da administração federal, as agências que desempenham as funções de controlo e regulação, sublinha Tim G. Benton.
“Isto significa deixar de dar prioridade às considerações ambientais em todos os departamentos e agências através de mudanças estruturais, de pessoal ou de mandato, para tornar estes organismos mais receptivos ao controlo presidencial”, explicou Tim G. Benton. “Nas palavras de Trump, isto é ‘cortar na regulação’ para remover barreiras à actividade económica”, sublinhou.
Este é um instrumento fundamental para pôr em prática a política industrial e comercial da política “America First”, que tem todo um cortejo de consequências ambientais, frisou Benton.
Biden tentou aumentar os leilões de autorizações para instalação de eólicas offshore em águas sob administração federal ou de energia solar e eólicas em terras públicas. É provável que Trump altere esta política, porque tem arremetido contra as eólicas offshore dizendo que são caras e “matam baleias e aves marinhas”.
Será provável vermos uma moratória sobre novos projectos offshore, diz a Reuters. A maior parte dos projectos de energia eólica e solar onshore é em terrenos privados.
“Acho que vai ser alargada a preferência à extracção de combustíveis fósseis em águas e terrenos e águas públicos”, disse à Reuters Tony Dutzik, director adjunto do Frontier Group, um think tank de sustentabilidade.
Mas a verdade é que, durante a Administração Biden, os Estados Unidos já se tornaram o maior produtor de petróleo e gás natural. As exportações de gás natural liquefeito norte-americanas asseguram metade das necessidades da União Europeia — depois do embargo decretado na sequência da invasão russa da Ucrânia.
Donald Trump quer “construir a maior economia da história” e quer fazê-lo com base na energia barata da extracção dos combustíveis fósseis — o grito “drill, baby drill”. Essa sobreprodução de energias fósseis serviria não só para exportar como para dar nova potência à indústria norte-americana, alimentada por um proteccionismo radical — posto em prática à custa de tarifas — e uma desregulamentação ambiental que permita produzir nos EUA todo o tipo de bens que hoje são importados. Esta política de “America First” faria aumentar as emissões de gases de estufa nos EUA e, consequentemente, no mundo, salienta Tim Benton.
O mundo está diferente
“A política exterior de Trump vai inevitavelmente alterar a forma como se pode coordenar multilateralmente a acção ambiental e também a capacidade dos países em investir na transição verde”, afirma Tim Benton. Negociações bilaterais transaccionais — eu dou-te isto se tu me deres aquilo — será a base da sua política. Esforços multilaterais para reduzir as emissões de gases de estufa, como o Acordo de Paris (de onde Trump retirou os EUA em 2017) ou mesmo a Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, não se coadunam com esta abordagem.
“Criando um mundo mais tenso, mais proteccionista, mais populista e mais polarizado, pode tornar-se impossível de carregar o fardo de manter o impulso suficiente para discutir os temas ambientais – quer o debate seja conduzido por países ou blocos específicos, governos subnacionais, actores de mercado ou económicos, ou a sociedade civil”, avisa Tim Benton.
Mas, apesar de a eleição de Trump ser um golpe, um repelão que quer puxar os Estados Unidos e o mundo para trás, a história não está escrita de antemão. “O mundo é um sítio diferente do que era quando Donald Trump esteve no poder da última vez”, declarou a cientista Friederike Otto, do Centro de Política Ambiental do Imperial College London, e da rede dedicada a analisar o peso das alterações climáticas nos fenómenos meteorológicos extremos (World Weather Attribution).
“A movimentação global para a energia renovável está agora a acontecer a um ritmo sem precedentes. Nada que o Governo dos EUA faça vai mudar o simples facto de que a energia renovável é mais barata e mais fiável do que o petróleo, o gás natural e o carvão. Os combustíveis fósseis são uma coisa do passado”, salientou Otto.
Todos os estados norte-americanos, excepto o Alasca, estão neste momento em situação de seca, segundo os Serviços de Monitorização da Seca dos EUA, depois de um Verão extremamente quente, e a passagem de vários furacões destruidores. É uma recordação de que, mesmo que os políticos norte-americanos queiram esquecer-se do clima, as alterações climáticas não se vão esquecer dos EUA. “Trump pode negar as alterações climáticas à vontade, mas as leis da física não querem saber da política”, avisou Friederike Otto.