“Assalto da mineração” a áreas naturais classificadas faz disparar alerta de ambientalistas

Parque Natural de Montesinho e duas zonas classificadas da Rede Natura 2000, em Vinhais e em Montemor-o-Novo, estão na mira de pedidos de prospecção mineira. Zero apela a mudança na legislação.

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Parque Natural de Montesinho, em Trás-os-Montes Rui Oliveira
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São três os pedidos de prospecção mineira que a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) pôs em consulta pública desde o final do Verão e que chamaram a atenção dos ambientalistas para o facto de algo não estar bem.

Em causa estão dois pedidos de atribuição de direitos de prospecção e pesquisa em Vinhais e Bragança - um que abrange a área protegida do Parque Natural de Montesinho e outro que inclui duas zonas classificadas da Rede Natura 2000 - e outro pedido no distrito de Évora, que abrange os concelhos de Montemor-o-Novo, Évora, Vendas Novas e Viana do Alentejo.

“O assalto da mineração às áreas com estatuto de protecção já começou”, lamenta a associação Zero, num comunicado publicado esta quarta-feira. Também a Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade (FAPAS) manifestou em comunicado a sua “oposição total a esta pretensão, esperando que o bom senso prevaleça sobre os negócios de ocasião”.

Caso obtenham parecer favorável por parte da DGEG, os promotores têm direito a pedir direitos para exploração que - pelo menos a avaliar por “outros processos similares” nos últimos anos -, “por norma, resultam na obtenção de uma decisão favorável condicionada” nos processos de Avaliação de Impacte Ambiental, nota a Zero.

Dois pesos e duas medidas?

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deu pareceres desfavoráveis rotundos aos pedidos de prospecção em Vinhais (“Revelhe” e “Valongo 2”), assinados pelo director do departamento regional do Norte, indicando “incompatibilidade total entre a(s) actividade(s) proposta e os objectivos de conservação e gestão definidos para as áreas classificadas existentes no território”. Os projectos foram apresentados pela empresa GMR Consultores, liderada pelos engenheiros Adriano Barros e o filho João Barros, que foi gerente da Savannah Lithium Portugal até 2023.

Contudo, o ICNF não foi tão firme no caso de Évora. O parecer sobre o projecto “Montemor-o-Novo”, assinado pelo presidente do conselho directivo, Nuno Banza, considera que “dependendo das localizações concretas, poderão ser expectáveis impactes negativos significativos nos valores naturais em presença, sendo necessário efectuar uma análise cuidada, detalhada e ajustada das actividades pretendidas dentro das áreas classificadas”.

Assim, o parecer do instituto sobre o projecto proposto pela empresa E79 (subsidiária da Ropa Investments Gibraltar) indica que “devem ser incluídas as localizações georreferenciadas em formato editável, memória descritiva de cada acção, e ter em conta a condicionante temporal de trabalhos no terreno”, de forma a não perturbar a fauna e flora protegida. Em causa estão a Zona Especial de Conservação (ZEC) de Monfurado e Zona Especial de Conservação (ZEC) de Cabrela.

Questionado sobre o porquê de o parecer do projecto “Montemor-o-Novo” ter sido assinado directamente por Nuno Banza, o ICNF esclarece que o ofício em causa “foi elaborado sobre uma informação interna, na qual consta o mesmo conteúdo”, tendo sido “assinado pelo presidente apenas porque a directora regional se encontrava de férias”.

Falha na legislação?

A legislação, esperava-se, excluiria as áreas que integrem a Rede Nacional de Áreas Protegidas, as áreas incluídas na Rede Natura 2000 e outras áreas classificadas ao abrigo de instrumentos de direito internacional deste tipo de prospecção mineira.

Só que, afinal, a lei parece apenas salvaguardar “este património em situação de atribuição de direitos privativos de prospecção e pesquisa por procedimento concursal da iniciativa do Governo”, lamenta a Zero.

“Trata-se, pois, de uma situação caricata que resulta de uma legislação que na realidade nada protege”, continua o comunicado. Esta fresta na legislação “deixa a porta escancarada ao avançar com projectos de mineração em áreas cujos valores naturais em presença resultaram na sua classificação em diferentes níveis ao abrigo da Directiva Habitats e Directiva Aves”.

“Corrida por recursos naturais”

A consulta pública sobre o pedido de prospecção na área chamada “Valongo 2” terminou na segunda-feira, com um total de 886 participações. Os outros pedidos tinham terminado o seu período de consulta pública a 25 de Outubro: o projecto “Revelhe” (Vinhais) com 157 participações e “Montemor-o-Novo” com 172 contributos.

A Zero defende que o Ministério do Ambiente deve “legislar de forma a salvaguardar os valores naturais em presença nas áreas classificadas desta corrida desenfreada por recursos minerais”, em particular numa altura em que “uma das bandeiras do Governo em matéria de conservação da natureza é o Plano Nacional de Restauro Ecológico”: “Será fundamental que essa ambição comece desde logo com a protecção dos valores que existem actualmente”, conclui a associação.