Professor despedido por assédio sexual voltou ao Politécnico do Porto
Tribunal Central e Administrativo do Norte considerou inválido o despedimento, argumentando que docente entendia estar a estabelecer uma “relação empática” com as alunas.
Um antigo pró-reitor do Instituto Politécnico do Porto que foi despedido no final de 2023, depois de ter sido provado, em sede processo disciplinar, que assediara sexualmente três alunas, viu esta decisão invalidada pelo Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) e voltou à instituição. O TCAN aceitou uma providência cautelar interposta pelo docente, revertendo o despedimento, por considerar que não houve crime, mas antes actos “graves, grosseiros e de muito mau gosto”, praticados por alguém que, “durante os seus 36 anos de carreira docente, sempre achou (ou deve ter achado ou disso ficado ele próprio convencido) que essa é a forma correcta e adequada de estabelecer relação empática, na base da relação professor/aluna”. O IPP já recorreu.
Há ainda uma outra acção a correr sobre este caso, mas ao aceitar a providência cautelar (numa decisão inversa à do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), que a considerara “improcedente”), o TCAN permitiu que o docente visse o despedimento revertido, tendo voltado ao IPP a 28 de Outubro, segundo avançou nesta segunda-feira a CNN, que teve acesso ao acórdão do tribunal.
O caso remonta a 2023, quando três alunas se queixaram de assédio sexual por parte do docente que dava aulas de Desporto no IPP desde 1987. Em causa estavam toques e frases inapropriados, que ocorreriam durante os exercícios. Seria habitual segurar nas nádegas das alunas quando as colocava nas barras paralelas (algo que nunca fazia aos elementos do sexo masculino) e duas delas afirmaram que o professor lhes bateu nas nádegas, quando efectuavam o pino, tendo dito a uma delas, no momento em que fazia a espargata, “esta aluna vai ter mais um ponto por me abrir as pernas”.
Noutra situação, terá dito a uma outra aluna, segurando uma camisola curta, “seria um prazer” que esta “participasse nas aulas com o peito à mostra”.
Perante as denúncias, o professor e dois outros docentes também alvo de queixas de assédio foram suspensos preventivamente por três meses, em Abril de 2023. Instaurado o respectivo processo disciplinar, apenas o autor do caso que chegou a tribunal seria despedido, por os redactores do processo concluírem que “agiu com culpa grave, de modo livre e consciente, estando ciente da natureza e conotação sexual do seu acto e bem sabendo que a sua conduta não era lícita e era apta a importunar as aulas e a ofender a sua liberdade e dignidade sexual”. Os outros dois docentes foram suspensos por 200 e 90 dias, por se considerar que não estavam em causa factos tão graves. Já no caso deste professor, o IPP decidiu enviar o caso para o Ministério Público, para avaliar um eventual procedimento criminal.
Segundo avançou nesta segunda-feira a CNN, o docente tentou travar o despedimento oficializado a 28 de Dezembro de 2023, interpondo uma providência cautelar no TAFP, que não a aceitou, considerando-a “improcedente”. Os seus advogados recorreram então para o TCAN, que decidiu a favor do docente, apesar de não pôr em causa que os factos relatados aconteceram mesmo e são verdadeiros.
Aliás, o próprio docente nunca os terá negado, apesar de justificar as sapatadas e outros toques nas nádegas como “correcção de postura” e não “carícias”. Além disso, argumentou que as frases proferidas não tinham qualquer conotação ambígua ou cariz sexual.
A CNN explica que os relatores do processo disciplinar consideraram que os actos praticados pelo professor podiam configurar um crime de “importunação sexual”, agravado pelo facto de existir “uma dependência hierárquica” por parte das alunas em relação a ele. Se não fosse esta possibilidade de os actos constituírem um ilícito criminal, referem, o processo disciplinar nem poderia ter avançado, já que as infracções disciplinares prescrevem ao fim de um ano de serem praticadas e os actos denunciados pelas alunas teriam ocorrido entre 2019 e 2022. Com a possibilidade da existência do crime de importunação sexual, esse prazo é estendido para cinco anos, o mesmo previsto para aquele acto.
Só que o TCAN considera que não houve crime, argumentando, segundo o acórdão divulgado pela estação televisiva, que “a factualidade que foi dada como provada no procedimento disciplinar (e assim também na sentença recorrida) não é apta a integrar, ainda que de forma indiciária, que a conduta do arguido e durante todos os anos em referência tenha subjacente a prática de acto sexual de relevo ou de importunação sexual”.
O colectivo de juízes argumenta que o docente terá sido “suplantado pela evolução dos tempos sociais, em que já não são toleradas certas atitudes e comportamentos do tipo e natureza de que tratam os autos e que, enquanto docente do ensino superior, não devia desconhecer os princípios mínimos de distanciamento físico e verbal que deve usar nas suas relações com as suas alunas”.
Ao considerar que não houve crime, o TCAN considera que os prazos previstos para uma infracção disciplinar já estavam prescritos, pelo que o processo nem deveria ter ocorrido, sendo a decisão daí saída invalidada.
Por isso, por enquanto, o docente regressou ao IPP a 28 de Outubro, e a instituição já apresentou recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, aguardando-se ainda a decisão. O professor não estará em contacto com alunas, segundo foi confirmado pelo IPP à CNN.
As queixas contra os docentes do IPP foram apresentadas ao Núcleo contra o Assédio da Escola Superior de Educação, criado por estudantes. Transmitidas ao provedor do Estudante, este fê-las chegar à direcção da instituição, que abriu os processos disciplinares.