Parlamento tem feito um esforço de aproximação aos cidadãos, mas hesita
A obra de quase 200 páginas faz uma viagem pelos desafios e esforços de aproximação do Parlamento aos cidadãos.
O mundo mudou e o Parlamento mudou com ele. Desde a criação do primeiro site do Parlamento, em 1996 – quando apenas cerca de 3% dos portugueses tinham acesso à internet –, ao lançamento de uma página de Instagram, os esforços de aproximação da Assembleia da República aos cidadãos têm sido vários, mas ainda muito pode ser feito. As conclusões surgem no livro Parlamento de portas abertas? A relação da Assembleia da República com os cidadãos da investigadora Sofia Serra-Silva, que procura combater a ausência de mais olhares atentos à “relação da opinião pública com o Parlamento”, que vá além das sondagens “à confiança e satisfação dos cidadãos”.
“Sabemos que, hoje em dia, as instituições políticas estão mergulhadas num conjunto de desafios, desde a alienação, a desconfiança, a desinformação e insatisfação”, diz. Ora, o Parlamento, “enquanto espaço ideologicamente plural e representativo, ocupa um lugar cativo na resolução deste problema”, vinca Serra-Silva, em conversa com o PÚBLICO. E esse esforço tem sido feito através de uma crescente aproximação aos cidadãos, reconhece a investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, actualmente no Cevipol, Universitée Libre de Bruxelles. É que, embora as instituições parlamentares sejam mais acessíveis ao público e ao seu escrutínio, paradoxalmente, o sentimento de distanciamento e alienação do processo democrático formal nunca foi tão agudo, assinala a autora. Aliás, o crescente cepticismo tem “gerado novas demandas e reivindicações por mais oportunidades de participação directa no processo político que contornem as elites”, lê-se.
Se para alguns “o Parlamento representa o expoente máximo da representatividade” o símbolo de “construção de um futuro mais justo”, para outros “é uma estrutura imponente e distante, cujas decisões parecem desconectadas das realidades e necessidades quotidianas”.
Há ainda os mais desacreditados, que olham para a Assembleia da República como “um teatro de sombras, onde promessas e interesses individuais se escondem nas entrelinhas da retórica política”, lê-se na obra. Um número que poderá aumentar no contexto actual muito “polarizado e fragmentado”, em que “comportamentos menos polidos” se tornam cada vez mais frequentes na arena parlamentar, acrescenta ao PÚBLICO. Serra-Silva antecipa que esta crescente tensão possa ter “um impacto negativo e destruir o esforço do trabalho das últimas décadas em melhorar a imagem da Assembleia da República e aproximar o Parlamento dos cidadãos”.
Os exemplos de PAR
No livro, a autora partilha teorias e modelos democráticos, como caminhos para reformar a democracia representativa; as formas de comunicação e interacção com os cidadãos; os desafios da Internet, para as instituições parlamentares, e as estratégias e instrumentos de envolvimento público e reforço democrático que têm sido adoptadas pela Assembleia da República.
A obra destaca ainda o trabalho de António Almeida Santos (responsável directo pelo lançamento do site do Parlamento em 1996) e de Eduardo Ferro Rodrigues (que em 2016 criou o Grupo de Trabalho para o Parlamento Digital), elegendo-os como figuras-chave no trabalho de aproximação do Parlamento aos cidadãos.
Questionada sobre o que falta fazer, a autora nota que “não existe uma avaliação da eficácia destes instrumentos” por parte do Parlamento. Por outro lado, há ainda “muita relutância, algumas resistências e pouco consenso entre os partidos”. No Parlamento austríaco, nomeadamente, chegam exemplos de inovações democráticas mais progressistas como o crowdsourcing legislativo, uma forma de participação directa dos cidadãos na construção de leis.
O livro de Sofia Serra-Silva, que recebeu em 2020 uma menção honrosa do Prémio António Barbosa de Melo ― que distingue trabalhos de investigação com conexão ao parlamentarismo ― já está à venda na livraria da Assembleia da República e pode ser adquirido online. E a autora já tem planos para o futuro. “Quero investigar como é que estas ferramentas impactam a imagem que as pessoas têm das instituições.”