Fotografias de turistas e IA ajudam a mapear colónias de pinguins na Antárctida

Utilizar as fotografias dos turistas e a Inteligência Artificial para acompanhar e mapear as colónias de pinguins da Antárctida ao longo dos anos? Estes investigadores vieram provar que é possível.

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Os pinguins-de-adélia são das poucas espécies de pinguins da Antárctida que nidificam no contiente DR_Heather Lynch
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Colpaso do gelo pode estar a modificar as colónias de pinguins na Antárctida DR_Heather Lynch
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Estimativas da NASA indicam que o manto de gelo da Antárctida tem gelo suficiente para aumentar o nível médio global do mar até 58 metros DR_Heather Lynch
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O pinguim-gentoo é a ave mais rápida do planeta debaixo de água DR_Heather Lynch
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A ilha do Diabo, de apenas 2 quilómetros de comprimento, não tem gelo DR_Heather Lynch
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As alterações climáticas e a actividade humana têm afectado vários ecossistemas mundiais ao longo das últimas décadas. Um estudo publicado esta quarta-feira na revista científica Plos One procura relacionar as alterações nas populações de pinguins da Antárctida com o degelo causado pelo aquecimento global, recorrendo à ajuda do ecoturismo e da inteligência artificial para mapear as colónias.

“O meu grupo de investigação dedica-se a acompanhar a abundância e a distribuição dos pinguins da Antárctida e estamos interessados em saber como é que as alterações nas populações de pinguins estão relacionadas com ameaças como as alterações climáticas e a actividade humana, como o turismo e a pesca”, explica ao PÚBLICO a cientista Heather J. Lynch, que liderou esta investigação.

Para delinear esse registo geográfico das colónias de pinguins, este grupo de investigadores recorreu a estimativas de posicionamento de câmara e fotografias de turistas. Uma iniciativa que pode prever e adaptar-se às mudanças dinâmicas das colónias, para além de potencialmente melhorar a precisão do registo geográfico das espécies ao longo do tempo.

“A ideia de utilizar fotografias de turistas para reconstruir uma paisagem não é nova, mas os métodos baseiam-se nas arestas firmes e na estabilidade geográfica dos edifícios construídos pela humanidade”, desenvolve a investigadora. “Na Antárctida, isto é bastante difícil, porque não há pontos de referência fixos nem arestas firmes e, além disso, a paisagem parece diferente todos os dias porque a neve se acumula ou derrete. Todos estes factores tornam difícil alinhar uma fotografia com o terreno sem o benefício da informação adicional sobre a localização que se pode ter de um drone”, acrescenta Lynch.

Desafios das aeronaves e a monitorização ambiental

O registo geográfico das espécies e dos seus habitats naturais através de imagens aéreas e de satélite também tem sido uma opção muito útil para os investigadores e cientistas nos últimos anos, principalmente para chegar a áreas mais inacessíveis.

Já as imagens aéreas recolhidas pelos sistemas de aeronaves pilotadas à distância (RPAS, sigla em inglês) apresentam alguns desafios à monitorização ambiental. Este sistema requer um piloto especializado, que pode não estar acessível a todas as investigações, para além de necessitar de condições atmosféricas favoráveis à recolha de imagens. Acrescentando, ainda, a dificuldade de aceder a determinadas áreas remotas via espaço aéreo.

“As circunstâncias actuais são normalmente comparadas com as circunstâncias passadas e não podemos confiar nas imagens RPAS para estabelecer uma linha de base histórica em relação à qual as alterações mais recentes podem ser avaliadas. Nestes casos, as fotografias históricas podem ser a única prova disponível dos cenários anteriores”, como se pode ler no estudo.

Esta investigação, co-financiada pela NASA Biodiversity Program e a NSF Grant, pretende trazer outras alternativas ao registo geográfico das espécies, neste caso as colónias de pinguins da Antárctida.

SAM: o caminho para os registos geográficos?

O Segment Anything Model (SAM) é uma inteligência artificial que, através de sugestões (descrições textuais, por exemplo), identifica e selecciona objectos em imagens. Graças à sua base de dados de milhares de milhões de “máscaras” e 11 milhões de imagens, o SAM é capaz de segmentar objectos mesmo que nunca se tenha deparado com aquela imagem. Esta capacidade de identificação torna esta inteligência artificial particularmente apta para trabalhar com imagens não estruturadas como as fotografias de turistas.

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Segmentação de uma colónia de pinguins na Ilha do Diabo, na Antárctida DR_Heather Lynch

“Um dos principais desafios do sistema SAM é o tamanho, que pode levar a tempos de carregamento mais lentos de um modelo - normalmente cerca de 10-20 segundos. No entanto, [este processo] só é necessário uma vez; após o carregamento, pode segmentar eficazmente várias imagens em sucessão. Em termos de eficácia, o SAM provou ser altamente preciso, superando frequentemente as anotações humanas na segmentação precisa dos limites dos objectos”, explicou ao PÚBLICO Haoyu Wu, co-orientadora da investigação e responsável pela análise metodológica.

No estudo, os investigadores asseguram que o sistema SAM é user-friendly (amigo do utilizador, em tradução livre), o que pode facilitar o trabalho de segmentação das espécies e poderá ser um ferramenta fiável para o registo geográfico de fotografias terrestres.

O papel do ecoturismo na investigação científica

O ecoturismo é uma indústria em crescimento nos últimos anos e com ele veio inevitavelmente o “foto turismo”, uma tendência onde os turistas fotografam e identificam aquilo que vêem e, posteriormente, publicam nas redes sociais. A proliferação dos equipamentos tecnológicos, neste caso os dispositivos móveis como os telemóveis e os tablets, facilitou a documentação fotográfica dos espaços que permite aos turistas reviverem as memórias daquela viagem ou passeio mais tarde.

E da mesma maneira que pode ser uma viagem pelas recordações, pode também ser uma grande ajuda para a investigação científica. Para detectar e delimitar as colónias de pinguins, os investigadores recolheram várias fotografias online de expedições à Antárctida, não só de fotógrafos profissionais, mas de “turistas, exploradores, cientistas, entre outros”, como se pode ler no estudo.

Sobre a possibilidade de existir uma plataforma onde, proactivamente, os turistas podem inserir as suas fotografias (e, de certa forma, facilitar a recolha de imagens dos investigadores), Lynch clarifica que este é um projecto ainda em desenvolvimento e que não conseguem fazer este processo num número muito alargado de imagens. No entanto, os turistas ainda podem ajudar de outras maneiras.

“No nosso site www.penguinmap.com temos informações sobre como as pessoas podem ajudar-nos a encontrar pinguins em imagens de satélite e contactos que podem ser usados caso as pessoas tenham outros dados ou fotos para contribuir também”, assegura a investigadora.

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Exemplos de fotografias com contextos insuficientes (em cima) e contextos suficientes (em baixo) para o registo geográfico DR_Heather Lynch

No entanto, nem todas as imagens fornecem o contexto suficiente para o registo geográfico das espécies. Imagens muito próximas ou com pouca informação visual do espaço envolvente, como as montanhas e o oceano, por exemplo, não são relevantes para o estudo.

As colónias de pinguins na Antárctida

Para testar este modelo, os investigadores recorreram a imagens satélites para determinar um mapa de profundidade em 2D. “Isto transforma essencialmente os dados de elevação e as imagens de satélite numa colorida nuvem de pontos. Em seguida, ligámos os píxeis adjacentes com base nos seus valores de profundidade para construir uma malha triangular 3D utilizando o Trimesh, que é utilizado em passos posteriores para tratar as imagens de diferentes posicionamentos de câmara”, como se pode ler no estudo.

Para determinar o posicionamento da câmara em relação ao objecto (neste caso os pinguins), os cientistas utilizaram estas imagens desorganizadas e reconstruíram-nas num modelo 3D – o modelo digital de elevação (DEM, sigla em inglês). Este processo de estimar estruturas 3D (neste caso, o meio ambiente em que se encontram os pinguins) com base em imagens 2D chama-se estrutura do movimento (SfM, sigla em inglês).

Convergindo pontos de referência numa malha 3D, os investigadores foram capazes de manualmente alinhar as imagens e determinar o possível posicionamento da câmara no espaço, com uma margem de erro mínima. “A utilização de fotografias terrestres é mais uma fonte de dados que gostaríamos de poder aproveitar”, acrescenta Lynch ao PÚBLICO.

Para testar este modelo, Lynch e os restantes investigadores recolheram dados sobre duas colónias de pinguins da Antárctida: o pinguim-de-adélia (Pygoscelis adeliae) e o pinguim-gentoo (Pygoscelis papua). Em ambas as espécies, os investigadores conseguiram, com sucesso, segmentar e registar geograficamente as colónias, ultrapassando o maior desafio que era a própria Antárctida como um ambiente dinâmico onde a presença da neve se altera sucessivamente.

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Segmentação e registo da colónia de pinguins na Ilha do Diabo e na Ilha Brown, na Antárctida DR_Heather Lynch

Alterações Climáticas e os novos desafios ao registo geográfico

Questionada sobre as alterações climáticas e o potencial desafio ao registo geográfico, a investigadora admite que existe a possibilidade de os glaciares, em grande escala, puderem mudar o terreno devido ao degelo e à consequente subida da água do oceano.

“Neste caso, estávamos a utilizar principalmente a superfície geológica real para nos ajudar a fazer o registo geográfico das imagens e, por isso, embora o nosso processo seja bastante insensível ao derretimento do gelo, consigo imaginar cenários em que o degelo em grande escala dos glaciares ou de outras características desta região poderia alterar o terreno de uma forma que nos obrigaria a actualizar constantemente o modelo digital de elevação que estávamos a utilizar para um determinado local”, acrescenta Lynch.

Outros estudos sugerem que o degelo na Antárctida Ocidental pode ser “inevitável” ao longo deste século. Mesmo que as metas de redução dos gases de efeito estufa fossem cumpridas, e considerando todas as variáveis e cenários optimistas, os cientistas acreditam que o ritmo de degelo na região já poderá estar irremediavelmente comprometido.

Porém, esta ameaça não implica que os esforços em reverter os impactos das alterações climáticas tenham de ser abandonados ou esquecidos. Muito pelo contrário, ainda existem outros efeitos que podem ser mitigados ou controlados como as ondas de calor, as tempestades e outros fenómenos climáticos extremos.

Qual é o próximo passo?

Heather J. Lynch garante ao PÚBLICO que este é um projecto em curso e que actualmente o foco dos investigadores é “automatizar o processo da interpretação das imagens satélite Landsat para rastrear a abundância dos pinguins-de-adélia em toda a Antárctida”. Ainda existem alguns desafios significativos como o “alinhamento das imagens de satélite ao longo do tempo”, mas a investigadora está confiante nos novos meios que dispõe actualmente.

“Dispomos agora de um conjunto de dados de todas as imagens de satélite Landsat alguma vez recolhidas sobre as colónias de pinguins da Antárctida e alinhámos essas imagens de modo a podermos seguir cada píxel de uma imagem ao longo do tempo para ver como as populações de pinguins (na verdade, a área da colónia) mudaram desde 1979”, explica a investigadora.

Lynch não descarta as fotografias resultantes do ecoturismo como uma ferramenta essencial para melhorar e acelerar os processos de registo geográfico. “Tanto as fotografias terrestres como as imagens de satélite fornecem uma máquina do tempo que nos permite comparar o estado actual da Antárctida com épocas passadas, e estamos agora numa boa posição para utilizar tanto as fotografias como as imagens de satélite na nossa análise”, conclui.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas