Um trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) concluiu que os poluentes têm impacto no aumento das hospitalizações de doentes com doenças neurodegenerativas, sintetizou uma das investigadoras, apelando à acção imediata das entidades públicas.
"A idade, o sexo, a hipertensão, a diabetes, lesões, tumores, hábitos tabágicos e consumo de álcool são os factores de risco mais comuns das doenças neurodegenerativas. A influência dos factores ambientais é pouco conhecida, mas existe", apontou Mariana Ramos Oliveira, investigadora no projecto.
Coordenado por Hernâni Gonçalves, professor da FMUP, este trabalho traçou um mapa que cruza as concentrações de poluentes com a incidência e a geografia das doenças neurodegenerativas, como a demência (incluindo Alzheimer), a doença de Parkinson e a esclerose múltipla, caracterizadas por um declínio progressivo da função cerebral.
À Lusa, a investigadora explicou que, depois de ter analisado dados de mais de 500 mil hospitalizações em hospitais públicos de Portugal continental entre 2000 e 2016, dados de satélite e de estações meteorológicas, a equipa concluiu que a exposição a poluentes tem impacto nas doenças neurodegenerativas.
"Há correlações significativas entre as hospitalizações de pessoas com doenças neurodegenerativas e praticamente todas as variáveis ambientais", referiu a investigadora.
Apostar em políticas de saúde pública
As variáveis com mais impacto são o dióxido de azoto (NO2) e as partículas com diâmetro menor de 10 µm (micrómetros), as PM10. A principal fonte destes poluentes é a queima de combustíveis fósseis, como a gasolina e o gasóleo.
Esta relação pode explicar-se pelos efeitos dos poluentes no sistema nervoso central, provocando inflamação, toxicidade, stress oxidativo e lesões. As taxas mais elevadas de hospitalizações registaram-se nos distritos de Bragança e de Braga, e taxas mais baixas em Beja e Viana do Castelo.
Quanto aos poluentes, foi feita uma análise de "clusters" (uma técnica estatística de identificação de grupos de dados), e não por distrito ou concelho, e detectou-se que poluentes como o benzeno (C6H6) e o dióxido de azoto (NO2) têm valores mais elevados na zona Norte (Porto, Bragança e Viana do Castelo) e na zona de Lisboa.
A investigadora salvaguarda que isto não significa necessariamente que são as zonas com maior taxa de poluentes, apenas que têm taxas mais elevadas do que as localidades que as rodeiam.
Com este estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), os investigadores desejam consciencializar a população para o impacto do ambiente na saúde e ajudar as autoridades e os profissionais de saúde a preverem onde estão os doentes com maior risco de virem a desenvolver estas doenças.
"É preciso prestar atenção a sítios que tenham picos de poluição ou níveis mais elevados para seguir mais de perto as pessoas com estas doenças", resumiu Mariana Ramos Oliveira.
Já num resumo enviado à Lusa, a FMUP refere que as conclusões desta investigação sugerem que "correlacionar a geografia das hospitalizações e os níveis de poluentes poderá ajudar, no futuro, a planear intervenções e políticas de saúde pública", até porque "cada vez mais estudos consideram que os níveis excessivos de poluentes ambientais afectam mais de 90% da população mundial".
Paralelamente a equipa fez duas revisões de literatura, ou seja, consultou estudos internacionais que mostram que o impacto dos factores ambientais se está a sentir em todo o mundo. "Chega a ser assustador, mas muito interessante. Encontrámos 35 estudos até 2022. Entre 2022 e 2024 houve 34. Portanto, houve um "boom" enorme de investigadores que perceberam que este alerta tem de ser feito. Há factores ambientais que estão a resultar em mais doenças", concluiu a investigadora.
Além de Mariana Ramos Oliveira e Hernâni Gonçalves, a equipa juntou Alberto Freitas, também da FMUP, e Ana Cláudia Teodoro, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Os perigos da poluição atmosférica
A poluição atmosférica, em grande parte causada pela queima dos combustíveis fósseis, mata 5,1 milhões de pessoas todos os anos, segundo um estudo do British Medial Journal, publicado no ano passado. Mais de metade das mortes (52%) devido à poluição atmosférica deve-se a doenças cardiometabólicas, como a isquemia cardíaca, que podem levar a ataques cardíacos (30%), acidentes cardiovasculares (16%) e à diabetes (6%).
No entanto, a poluição atmosférica e os seus perigos associados à saúde pública continuam ausentes dos planos climáticos de centenas de países. Apenas um terço dos países - 51 de 170 - que apresentaram planos de acção climática à Organização das Nações Unidas, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, sigla em inglês), é que incluíram preocupações com a qualidade do ar e os impactos da poluição atmosférica.
Em 2021, a Comissão Europeia avançou com uma acção contra Portugal devido à má qualidade do ar causada pelos elevados níveis de dióxido de azoto em Lisboa Norte, Porto Litoral e Braga. As associações ambientalistas continuam a alertar para os "níveis alarmantes" da poluição do ar nas grandes cidades, em especial na capital portuguesa.