Vieira Lopes desafia Governo a usar “almofada” da Segurança Social para baixar TSU

Líder da Confederação de Comércio e Serviços defende que a descida da Taxa Social Única não deve ser tabu e pede revisão do sistema de baixas automáticas.

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O presidente da Confederação de Comércio e Serviços, João Vieira Lopes, defende que o actual momento, em que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social acumulou reservas equivalentes a dois anos de despesas com pagamento de pensões, deve ser aproveitado para se discutir de novo a baixa da Taxa Social Única (TSU) para as empresas. Em 2014, o então Governo do PSD-CDS, liderado por Pedro Passos Coelho, chegou a aprovar um decreto-lei para baixar em 0,75 pontos percentuais a TSU para as empresas, mas, perante a contestação à medida, acabou por recuar e não levou a votos a proposta na Assembleia da República.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, uma parceria do PÚBLICO e Renascença, João Vieira Lopes manifesta-se preocupado com o uso fraudulento das baixas automáticas e pede que se façam correcções à lei. E defende também mudanças nas restrições ao outsourcing e nas formas de organização do tempo de trabalho. Quanto à semana de quatro dias, João Vieira Lopes defende que é "completamente irrealista" pensar que esta medida se pode generalizar no curto/médio prazo e que é de "difícil" aplicação na área do comércio.

Já sobre o Orçamento do Estado para 2025, agora em discussão no Parlamento, o presidente da Confederação de Comércio e Serviços considera que é um "orçamento de continuidade" em relação aos documentos do anterior Governo, do socialista António Costa, e acrescenta que, no que diz respeito às empresas, é "bastante limitado" e está "muito longe das expectativas de um choque fiscal radical".

Esta semana arrancou o debate do Orçamento do Estado no Parlamento. A proposta inclui uma redução do IRC de 1%. As empresas conseguiram aqui o melhor de dois mundos?
Sob o ponto de vista das empresas, o Orçamento do Estado é bastante limitado. De um modo geral, este é um orçamento de continuidade. A carga fiscal mais as prestações sociais no seu conjunto apenas baixam 0,1%. Foi positiva a baixa de IRC, nas tributações autónomas, também houve algumas melhorias. Preferíamos que a taxa de IRC para as pequenas e médias empresas tivesse baixado mais. Em termos de poder de compra, tem uma vertente positiva. Estruturalmente, não difere muito dos modelos anteriores. Está muito longe das nossas aspirações e das expectativas de que haveria um choque fiscal mais radical.

Diria que é um Orçamento do Estado socialista, como dizia esta quinta-feira, no Parlamento, a Iniciativa Liberal?
Não chegaria a isso. É um orçamento de continuidade.

Podia ter sido feito por António Costa?
Isso é um bocado especulativo. Não é o nosso terreno. Há, de facto, situações preocupantes [neste orçamento]. O investimento público está muito longe do necessário. O modelo exportador tem que ser incentivado com valor acrescentado. O OE não tem medidas significativas, por exemplo, para o sector dos transportes e logística. A descida do IRC não é suficiente para dar grandes saltos qualitativos e permitir a Portugal convergir com a Europa.

O que espera que melhore no Orçamento do Estado com a discussão na especialidade?
Vai haver muitos fait divers políticos, mas não esperamos grandes alterações.

Em relação ao IRS e ao reembolso que os portugueses têm tido nos últimos dois meses, a CCP tem sentido que as pessoas estão a consumir mais?
Neste momento ainda não se nota de uma forma clara, mas temos a expectativa de que este período de fim de ano seja um período positivo para para este sector, também por causa disso.

Assinou recentemente o acordo de concertação social com o Governo. É um acordo que vale até 2028. Ainda há prioridades a definir?
É um acordo limitado, não é muito ambicioso. Estão abertos muitos capítulos. Há duas áreas a que pretendemos dar prioridade, na discussão a seguir: uma é a sustentabilidade da Segurança Social, outra é a questão laboral.

Quer mexer nas fontes de financiamento da Segurança Social?
Sempre defendemos que devia ser estudado um mix de financiamento através não só da mão-de-obra, mas também da componente do valor acrescentado líquido. Neste momento, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social atingiu reservas para dois anos, o que quer dizer que há alguma margem. Preferíamos que fosse definida uma política sobre o que é que se vai fazer a esse excesso, a deixar esse excesso para utilização conforme os ciclos eleitorais.

Uma almofada?
Sim, mas devia ser estudado se essa almofada não deveria ser usada para permitir baixar, por exemplo, a TSU para as empresas.

Que o PS sempre travou...
Nós tivemos sempre aí posições diferentes dos governos anteriores, que pensavam que o actual modelo de segurança social era estático e ia resolver os problemas ad aeternum​.

No actual quadro político, era possível PS e PSD entenderem-se na segurança social?
Eu acho que é difícil, mas, em contrapartida, estamos num momento em que está tudo muito em aberto. Há uma série de temas no Parlamento que poderão ser aprovados em maiorias variáveis. Esta discussão não é para ser feita neste orçamento. É para ser feita na sociedade.

Essa redução da TSU podia ir até onde?
Essas contas têm que ser bem feitas. Nós temos simulações. Achamos é que isto não é tabu. Deve ser discutido. Claro que há preconceitos ideológicos e opções diversas, mas compete-nos meter o tema em discussão na sociedade.

Qual é a outra prioridade da Confederação de Comércio e Serviços, para além da segurança social?
A legislação do trabalho. Há três ou quatro questões que, para nós, são importantes. Uma tem a ver com a inconstitucionalidade de restrições ao outsourcing. Outra com a organização do tempo de trabalho. O banco de horas e algumas áreas flexíveis são necessários. Achamos também que devem ser revistas as baixas automáticas. As estatísticas mostram que há períodos de fim de férias e a seguir a feriados em que as baixas aumentam.

Está a haver abusos?
Exactamente. É preciso limitar e fiscalizar, não é acabar com elas. As pessoas podem fazer isso duas vezes por ano. Poder-se-ia, por exemplo, reduzir isso a uma vez, numa primeira fase. Deve-se intensificar a fiscalização e tirar consequências disso. Nós temos muitas queixas.

E a semana de quatro dias, que começou por ser uma experiência-piloto, deve ser alargada?
Pensar que isso é uma medida que no curto/médio prazo pode ser generalizada, é completamente irrealista. Essas experiências podem ter mais viabilidade nas áreas da consultoria, novas tecnologias, comunicação, enfim... Na área de comércio, é difícil.

Esta semana soube-se que os despedimentos colectivos este ano já ultrapassam os registados durante todo o ano de 2023. No sector dos serviços, qual é o impacto que está a ter esta realidade dos despedimentos colectivos?
É maior em termos de unidades, mas não é muito maior em termos do número de pessoas. Há operadores independentes de pequena e média dimensão que têm dificuldades. Mas não penso que isso seja uma coisa que, neste momento, esteja a atingir níveis dramáticos. Pensamos, na CCP, que esse número não se vai intensificar significativamente, pelo menos, até ao fim deste ano.

Relativamente aos salários, houve demasiada ambição em fixar o crescimento do salário médio para 1890 euros em 2028? Isto será mesmo possível?
O salário mínimo aumenta por lei e empurra o salário médio. Agora, a experiência demonstrou-nos ao longo dos anos que, quando se empurra muito para cima o salário mínimo, para além dos indicadores económicos, há um achatamento. Essas medidas têm objectivos bem-intencionados. A grande dúvida é se as outras medidas que potenciam isso são suficientemente fortes em termos fiscais para as empresas conseguirem atingir esses objectivos. Aliás, já pedimos ao Governo, na concertação, uma análise da eficácia da medida semelhante feita no acordo anterior. Por outro lado, o aumento do salário mínimo muito para além dos indicadores económicos está-nos a causar problemas complicados na contratação colectiva, porque desaparecem muitas categorias. Ou seja, a certa altura, começa a ser difícil diferenciar as pessoas por qualificações e inclusivamente gerir carreiras.

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