Virgílio Araújo tem dedicado quase toda a sua vida aos barcos. Trabalhou na construção naval, nos extintos Estaleiros de São Jacinto, e depois andou na pesca costeira e na longínqua. Em 2008, passou para outras águas, mais calmas, assumindo as funções de mestre num barco moliceiro. Esta quinta-feira, aos seus 68 anos, foi um dos protagonistas de uma inovação que representa um momento de viragem nas viagens turísticas nos canais urbanos da ria de Aveiro. “É só dar ao punho, ele [motor] engata e já vai a navegar avante”, explicava, ao mesmo tempo que o Rossio começava a deixar o cais para trás. Aquele que é o primeiro barco moliceiro movido 100% a energia eléctrica fez-se à ria em silêncio. Tanto que até deu para se ouvir um fado – Caso Arrumado, de Ana Moura, foi o tema escolhido por Elsa, uma das tripulantes da empresa Aveiro Moments, para assinalar o momento de festa.
A aposta de ter todos os moliceiros dos circuitos turísticos a navegar com motores eléctricos há muito que é conhecida – os sistemas de carregamentos já tinham, inclusive, sido instalados nos cais -, mas só agora começa a ser uma realidade. “Para já, vamos fazer testes, analisar e depois avançar noutros barcos”, declarava Joaquim Varela, responsável pela empresa Aveiro Moments, a primeira a ter um moliceiro movido a electricidade. “Este motor tem uma potência equivalente 25 cavalos e cerca de 10 horas de autonomia. Mas é como num carro, gasta mais ou menos dependendo se está vento”, acrescentava.
Para Joaquim Varela e Eugénio Santos, outros dos responsáveis pela empresa Aveiro Moments, não deixa de ser notável o facto de toda esta “tecnologia avançada” poder ter sido instalada a bordo, sem desvirtuar a traça original do moliceiro – as baterias são praticamente imperceptíveis. E “há espaço disponível para colocar mais baterias e aumentar a autonomia”, notaram, ao longo da viagem inaugural no “novo” Rossio. “Este barco navegou anteriormente com o motor a gasolina. A adaptação para eléctrico custou 40 mil euros, mas era o que gastaríamos em combustível num ano”, testemunhou Joaquim Varela.
Esta mesma transição terá de ser feita por todas as outras empresas turísticas a operar nos cais urbanos da ria. “Estamos no momento em que vamos fazer a hasta pública das novas licenças e o que está previsto no caderno de encargos é que os novos titulares das licenças têm um ano para implementar o que estamos a viver neste barco moliceiro”, garantiu Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal de Aveiro.
De acordo com os números apresentados pelo edil, a passagem para os motores eléctricos permitirá retirar, por cada moliceiro e por ano, “30 toneladas de CO2 da atmosfera”. A esta conta, Ribau Esteves faz questão de acrescentar, também, as poupanças ambientais que estão a ser alcançadas com “o novo ferryboat e os autocarros dos transportes públicos”. “Tivemos muitos problemas, mas não é possível inovar sem debelar problemas. As empresas que contratámos para que tudo isto fosse montado foram encontrando problemas no caminho que tiveram de ser pensados e encontradas soluções”, recordou.