Os 10 fenómenos extremos mais letais dos últimos 20 anos foram agravados pelas alterações climáticas

O colectivo de cientistas World Weather Attribution olhou para as últimas duas décadas e indica os fenómenos meteorológicos extremos que foram mais intensos devido às alterações climáticas.

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As inundações que afectaram a região de Uttarakhand, na Índia, em 2013, causaram a morte de 6054 pessoas Danish Siddiqui/Reuters
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As alterações climáticas causadas pela acção humana intensificaram todos os dez fenómenos meteorológicos extremos mais mortíferos dos últimos 20 anos, conclui um estudo do World Weather Attribution (WWA), divulgado nesta quinta-feira. O estudo assinala o décimo aniversário deste colectivo de cientistas que se formou em 2014 para produzir estudos de atribuição, que permitem compreender em que medida os fenómenos extremos são causados pelas alterações climáticas.

Para celebrar o seu 10.º aniversário, o World Weather Attribution olhou não apenas para a última década, mas agregou os fenómenos extremos analisados desde 2004, quando o primeiro estudo de atribuição mostrou que as alterações climáticas tinham, de facto, agravado uma vaga de calor na Europa que matou 70 mil pessoas. Nos dez fenómenos mais letais dos últimos 20 anos, foram oficialmente registadas 359.504 mortes – um número que pode ascender a mais de 570 mil, explicam os investigadores.

Os mais de 500 estudos de atribuição feitos até hoje olham para os dados meteorológicos (precipitação, seca, velocidade do vento, temperatura da atmosfera e da superfície do mar) e modelos climáticos, comparando um clima com aquecimento provocado pela acção humana com o clima pré-industrial mais frio, e procuram quantificar em que medida as alterações climáticas alteraram a ocorrência desses fenómenos.

Eis os dez fenómenos meteorológicos extremos mais mortíferos das últimas décadas – todos exacerbados pelas alterações climáticas.

Ciclone Sidr, Bangladesh, 2007

O ciclone Sidr, que atingiu o Bangladesh em 2007, deixou um rasto de destruição e causou a morte a 4234 pessoas.

Os estudos de atribuição feitos na altura, citados pelos cientistas do World Weather Attribution, mostram que as alterações climáticas tornaram a precipitação mais provável e intensa, aumentando em 16% a probabilidade de ventos fortes e tornando-os mais intensos (2,4 metros por segundo).

As mudanças do clima foram também responsáveis por um aumento em 0,69°C das temperaturas à superfície da água do mar, cujo aquecimento contribui para tempestades mais intensas.

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A destruição após a passagem do ciclone Sidr, em Southkhali, no Bangladesh, em 2007 Majority World/GETTY IMAGES

Ciclone Nargis, Birmânia, 2008

O ciclone Nargis, que atingiu o Sul da Birmânia em 2008, foi um dos fenómenos naturais mais letais de sempre: 138.366 pessoas morreram à sua passagem.

A incidência de precipitação foi mais provável e intensa devido às alterações climáticas, assim como os ventos fortes, 5,2 metros por segundo mais intensos do que num planeta sem aquecimento global. O aquecimento do mar à superfície tornou-se 47% mais provável, tornando-se 0,66°C mais quente do que o normal.

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A passagem do ciclone Nargis pela Birmânia deixou um rasto de destruição

Analisando os três ciclones mais letais deste século Sidr, Nargis e Haiyan (2013) –, os cientistas notam que “a quantificação do papel das alterações climáticas na precipitação associada é altamente incerta”. No entanto, as altas velocidades “destrutivas” do vento e as temperaturas da superfície do mar, que contribuem para a intensificação das tempestades, “foram mais elevadas em todos os casos devido às alterações climáticas”.

Onda de calor na Rússia, 2010

Em 2010, as regiões ocidentais da Rússia foram assoladas por uma onda de calor extrema que causou a morte de 55.736 pessoas.

As temperaturas registadas foram até 4,3°C mais quentes devido à influência das alterações climáticas.

Os cientistas acrescentam que “o papel das alterações climáticas na mortífera vaga de calor russa de 2010 foi provavelmente subestimado, uma vez que nenhum estudo incluiu dados observados”.

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A onda de calor de 2010 causou a morte a mais de 55 mil pessoas na Rússia Sergey Alimov

Seca na Somália, 2010

A seca de 2010-2011 na África Oriental, que afectou a Somália em particular, causou mais de 250 mil mortes, metade das quais de crianças com menos de cinco anos, com 955 mil pessoas a refugiarem-se em países vizinhos.

A base de dados de catástrofes EM-DAT, contudo, regista apenas 20 mil vítimas mortais, uma “subcontagem significativa” que está “provavelmente relacionada com os primeiros relatórios governamentais sobre mortes relacionadas com a seca”, explica o WWA. Um estudo encomendado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pela Rede de Sistemas de Alerta Rápido contra a Fome (FEWS NET) estimou o número em 258 mil mortes

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Em 2011, a Somália foi afectada por uma seca que levou a quase um milhão de refugiados Stuart Price / African Union-United Nations Information Support Team

Este desfasamento nos cálculos faz notar que a base de dados, apesar de ser a mais completa disponível, continua a ser muito incompleta, em particular quando se trata de ondas de calor fora da Europa. Ou seja, não temos hoje uma ideia de quantas pessoas morrem em ondas de calor na maioria das regiões mais quentes, mais populosas e mais pobres do mundo, em particular países africanos.

O que hoje se conhece sobre a seca na Somália é que esta foi provavelmente agravada pela subida das temperaturas que evapora a água dos solos e das plantas. Também a tendência de baixa precipitação durante os meses de Março a Maio foi mais provável e intensa devido às alterações climáticas.

Tufão Haiyan, Filipinas, 2013

O terrível tufão Haiyan, que atingiu as Filipinas em 2013, deixou um rastro de 7354 mortes e uma parte do país por reconstruir.

A precipitação foi mais provável e intensa devido às alterações climáticas, assim como ao aumento da velocidade dos ventos. Também a superfície do mar registava temperaturas mais altas devido a desvios de temperatura causados pelo impacto do aquecimento global.

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O tufão Haiyan foi considerado um dos mais intensos a chegar a terra, causando a morte a milhares de pessoas e deixando centenas de milhares sem casa Dan Kitwood/Getty Images

Os cientistas do WWA notam que as alterações climáticas “afectam os ciclones tropicais e os seus impactos de diferentes formas”, algo que, no entanto, já é possível “analisar recorrendo a múltiplas abordagens para estudar várias facetas dos efeitos dos ciclones tropicais, incluindo a precipitação, a velocidade do vento, a temperatura da superfície do mar e a intensidade potencial”.

Inundações em Uttarakhand​, Índia, 2013

As inundações que afectaram a região de Uttarakhand, na Índia, em 2013, causaram a morte de 6054 pessoas.

A precipitação foi duas vezes mais provável e 11% mais intensa devido às alterações climáticas, explicam os investigadores do World Weather Attribution.

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As inundações em Uttarakhand, na Índia, causaram a morte de 6054 pessoas em 2013 REUTERS/Stringer

Onda de calor em França, 2015

Em 2015, uma onda de calor atingiu a França, causando a morte de 3275 pessoas.

De acordo com os estudos de atribuição, o aumento das temperaturas foi duas vezes mais provável devido às alterações climáticas.

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Pessoas refrescam-se na água no Trocadero, perto da Torre Eiffel, em Paris, França, durante a onda de calor de 2015 Chesnot/Gettyimages

Ondas de calor na Europa, 2022

Portugal faz parte do grupo de países europeus que, em 2022, foram assolados por uma onda de calor que causou um total de 53.542 mortes.

Na Alemanha, Espanha, França, Grécia, Itália, Portugal, Roménia e Reino Unido, o aumento anormal das temperaturas ao analisar os valores diários foi 17 vezes mais provável devido às alterações climáticas, com até 3,6°C dessa diferença de temperatura atribuível às alterações climáticas.

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As ondas de calor de 2022 geraram vários incêndios florestais, incluindo em Portugal. Na imagem, um homem carrega uma ovelha às costas para longe das chamas durante um incêndio em Boa Vista, Leiria, em Julho de 2022 EPA/PAULO CUNHA

Ondas de calor na Europa, 2023

No Verão de 2023, os países europeus voltaram a enfrentar ondas de calor, que, no total, fizeram 37.129 mortos na Alemanha, Espanha, França, Grécia, Itália e Roménia.

As conclusões dos estudos de atribuição foram claras: as altas temperaturas na região ocidental do Mediterrâneo seriam simplesmente impossíveis sem a acção das alterações climáticas, sendo que 3,5°C dessa diferença se deveu ao aquecimento global.

No Sul da Europa, em geral, o diagnóstico é semelhante: as altas temperaturas foram pelo menos mil vezes mais prováveis devido às alterações climáticas, com até 3,2°C desse aumento atribuível às mudanças no clima.

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Os incêndios devastadores na Grécia em 2023 EPA/KOSTAS TSIRONIS

Tempestade Daniel, Líbia, 2023

No ano passado, a tempestade Daniel atingiu a Líbia com particular força, deixando 12.352 mortos à sua passagem.

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A tempestade Daniel causou o desmoronamento de duas barragens na Líbia

Os estudos de atribuição mostraram que a precipitação foi mais provável e mais intensa devido às alterações climáticas. Contudo, aqui surge outra nota: apesar de as avaliações baseadas na observação mostrarem um forte aumento da precipitação, alguns modelos climáticos prevêem apenas as situações de seca (que se esperam na região mediterrânica), subavaliando os riscos de tempestades e cheias repentinas.

Este caso mostra ainda a importância da adaptação às alterações climáticas. A maioria das vítimas mortais na Líbia, notam os investigadores do WWA, ocorreu quando duas barragens se desmoronaram durante a madrugada. “As infra-estruturas das barragens estão a envelhecer em todo o mundo e o risco de rotura é um risco global emergente”, alertam.