Gestão das doenças respiratórias: a urgência de agir, em nome da saúde de todos
Estudo realizado pelo CPSA sobre as consequências ambientais do uso de inaladores pressurizados mostra que é necessário modificar comportamentos e maior literacia para profissionais de saúde e doentes
As alterações climáticas representam um círculo vicioso. “A crise ecológica não só impacta a saúde das pessoas, mas os nossos cuidados de saúde também têm impacto ecológico”, reconheceu Laura-Jane Smith durante a 2ª Conferência “Healthy Planet, Healthy People: A pegada carbónica do sector da saúde”, organizada pela Embaixada Britânica em Lisboa e pelo Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), com o apoio da GSK Portugal e em parceria com o PÚBLICO.
A médica britânica trabalha com doentes oncológicos e respiratórios e o impacto que a saúde tem para o ambiente está entre as suas preocupações enquanto consultora da área respiratória do Hospital King’s College, em Londres. “Existe uma grande urgência para agir de modo mais rápido do que temos feito”, exortou, acrescentando o exemplo dos inaladores pressurizados (pMDI) que estão entre os mais usados em Portugal. Estes contribuem, devido aos propolentes na sua composição, para a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera: “São um factor muito significativo, devemos reduzir, influenciando prescrições – o que requer uma mudança cultural e de comportamento. As pessoas estão muito habituadas a prescrever o que prescrevem. Requer muito mais do que educação (que é essencial, afirmando o que dizem os dados), mas não é suficiente”, disse Laura-Jane Smith.
A ouvir este alerta urgente para passar à acção estava uma plateia com representantes de sociedades médicas, associações de doentes e de organismos decisores do sector, como a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Infarmed ou a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que se reuniram na Residência Oficial da Embaixadora Britânica, em Lisboa, para conhecer e debater um Documento de Consenso com recomendações para combater o impacto ambiental dos inaladores. Este foi preparado graças à colaboração entre o Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), a Sociedade Portuguesa de Pneumologia e a Associação Respira, em colaboração com outras sociedades médicas. Sendo assumido pelo CSPA a intenção de “alargar estas recomendações a outros sectores”, referiu o seu presidente, Luís Campos. “Uma das coisas que tem de acontecer é a elaboração, publicação e implementação de boas práticas de sustentabilidade ambiental na área da saúde.”
De acordo com a investigação elaborada – e que deu origem ao Documento de Consenso e a um artigo na Ata Médica – o desconhecimento entre profissionais de saúde ainda é grande: entre os 348 médicos prescritores inquiridos, 70% disse não ter em conta aspectos ambientais quando prescreve inaladores aos seus pacientes, 52,3% afirmou saber que os inaladores pressurizados deixam uma maior pegada ambiental, mas 15% identificaram erradamente os inaladores de pó seco (MDI) como os mais poluentes. De acordo com este estudo, seria necessário plantar anualmente mais de 1,3 milhões de árvores (um Parque de Monsanto) para capturar o mesmo que a pegada deixada pelos inaladores pressurizados (30 mil toneladas de CO2 equivalente ou 150 viagens transatlânticas entre Londres e Nova Iorque).
Eric King, director-geral da GSK Portugal, que apoiou este estudo, sublinhou que o “Documento de Consenso é um grande passo para activar o sistema de saúde português para fazer a sua parte na redução da utilização de inaladores pressurizados. Cabe a todos transformar palavras em acções.” Esta biofarmacêutica tem estado a investir em novas tecnologias e assumiu o compromisso de ter um impacto zero no ambiente até 2030. Mas este é um esforço que tem de ser “conjunto” e em que é necessário que se compreenda “a saúde pública não como um custo, mas como um investimento”. Um exemplo: “A pegada carbónica de um doente hospitalizado é quatro vezes superior à de uma pessoa saudável. Inverter isto e aliviar a enorme pressão a que sistemas de saúde estão sujeitos é fundamental para aumentar o investimento em prevenção, na vacinação das pessoas mais velhas.”
O projecto desenvolvido pelo NHS, o serviço nacional de saúde do Reino Unido, não foi, por isso, trazido por acaso a esta sessão, que decorreu a 9 de Outubro. “O Governo britânico reconhece a importância do tema da sustentabilidade na área da saúde como parte fundamental da resposta às alterações climáticas. Em 2020, o NHS foi pioneiro ao assumir o compromisso com a neutralidade carbónica, tendo hoje vários programas para profissionais”, referiu a embaixadora Lisa Bandari.
“Fomos os primeiros a comprometermo-nos e agora muitos outros sistemas de saúde assumiram esse compromisso tão ambicioso quanto necessário”, confirmou Manraj Phull, Senior Lead for Net Zero Clinical Transformation do NHS, que explicou de que modo é que “o maior empregador da Europa”, com cerca de 1,4 milhões de profissionais e milhares de unidades, está “a transformar ambições nacionais em acções globais”. No caso inglês, são duas as metas: acabar com as emissões que o NHS controla directamente até 2040 e em todo o sector da saúde que o sistema pode influenciar cinco anos depois.
Segundo dados oficiais, a saúde no seu todo contribui com 5% das emissões de gases no Reino Unido (um valor alinhado com a realidade portuguesa, que está nos 4,8% – quatro décimas acima da média global). Os transportes em saúde representam 14% da pegada carbónica, exemplificou também Manraj Phull.
“No NHS reconhecemos o perigo que as alterações climáticas têm. Se nada for feito, isso interrompe a nossa capacidade para entregar cuidado e também a vida dos nossos doentes”, disse Manraj Phull.
Como responder à maior ameaça à saúde?
No caso português, e como demonstrou a investigação agora divulgada pelo CPSA, ainda há muito a fazer. “O que nos surpreendeu muito foi que este desconhecimento é mais grave nos médicos mais jovens”, revelou o presidente do CPSA, que liderou o estudo e que entre as recomendações destaca a possibilidade de uso de inaladores de pó seco sempre que tal alternativa terapêutica seja possível ou a introdução de mecanismos de alerta sobre o impacto ambiental no momento da prescrição.
“É chocante saber que este ainda é o maior desafio que temos em saúde e que não faz parte da formação pré e pós-graduada em saúde”, referiu, sublinhando este alerta: “As alterações climáticas são a maior ameaça à saúde que a humanidade enfrenta. Estão a aumentar as doenças respiratórias, cancro, zoonoses, doenças ligadas à qualidade da água e alimentos, doenças mentais. A poluição atmosférica causa 9 milhões de mortes por ano.” Dado o contexto e as consequências, “conhecimento e informação” dos agentes da saúde, mas também nas escolas e universidades e junto dos doentes, são essenciais, sumarizou Carlos Robalo Cordeiro, director da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e membro da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Os profissionais, representantes dos médicos prescritores, alinharam todos, por um lado, na confirmação de que existe “desconhecimento muito grande no sector da saúde”, como referiu Maria Inês Marques, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. E, por outro, estiveram em consonância na necessidade de mais educação e formação. “Temos de começar hoje já a modificar comportamentos e a perceber os riscos dos inaladores”, referiu Júlio Bilhota Xavier, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, referindo que “os pediatras têm muito cuidado com as prescrições”.
Pedro Carreira Martins, da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, explicou que na sua área de especialidade “tem-se a preocupação há muito tempo de optar por dispositivos de pó seco sempre que o doente permite. Não por questão ambiental, mas por melhor adesão ao tratamento, ao controlo da doença.” Contudo, muitos pacientes acabam por não levantar a medicação de controlo que é passada e, numa emergência, acabam por pedir na farmácia um inalador pressurizado a que já estão habituados sempre que têm uma crise. Por isso, “é muito importante trabalhar” na formação, explicou.
Esta foi uma ideia secundada por Pedro Leuschener, da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que desejou um trabalho em rede para a “capacitação dos serviços, e não só de médicos, para actuar na avaliação, treino da técnica inalatória e sensibilização” relativamente aos riscos ambientais. Do lado dos doentes, também José Albino, confirmou o desconhecimento face às consequências ambientais: “Daí a importância da literacia. A Respira tem como missão aumentar a literacia e a capacitação do doente para que tenha voz activa”, explicou o presidente da direcção desta associação.
O que se passa no país?
As autoridades nacionais representadas nesta Conferência traçaram o quadro do que tem sido feito. Nuno Caldeira, que coordena a Unidade de Instalações e Equipamentos da ACSS, explicou que o programa de utilização eficiente de recursos teve início em 2011 e que existe actualmente a consciência de que 80% da pegada ecológica do sistema nacional de saúde vem da cadeia de aprovisionamentos (dos equipamentos médicos pesados, aos produtos químicos e farmacêuticos).
Marta Marcelino, directora da Direcção de Avaliação de Medicamentos do Infarmed explicou que, devido à legislação europeia, “a partir de Janeiro 2025, os inaladores que contenham pegada passarão a ter que conter informação na rotulagem e no folheto informativo.” Assumindo este como um “desafio não de futuro”, mas de “passado e presente”, Miguel Arriaga, chefe da Divisão de Literacia, Saúde e Bem-estar da DGS, referiu a relevância de um trabalho integrado, articulado e abrangente. “Tentar reverter aquilo que é ainda revertível exige a colaboração de todos”, apelou Luís Campos, para finalizar o encontro, referindo que o “NHS tem provado que é possível”.
(Re)veja aqui a Conferência “Healthy Planet, Healthy People: A pegada carbónica do sector da saúde”
NP-PT-NA-COCO-240006 | 09/2024