- Chuvas de Espanha perdem intensidade ao chegar a Portugal nesta quarta-feira
- Portugal disponibiliza ajuda a Espanha
- Fotogaleria com as imagens das inundações mortais em Valência
- Primeiro aviso nos telemóveis sobre tempestade em Valência só foi emitido na terça-feira à noite
Pelo menos 95 pessoas morreram em Espanha entre esta terça e quarta-feira, 29 e 30 de Outubro, depois de chuvas torrenciais inundarem cidades no Sul e Leste do país, levando as autoridades das zonas mais afectadas a aconselhar os cidadãos a ficarem em casa e evitarem viagens não essenciais. Há dezenas de pessoas desaparecidas ou à espera de resgate, mas o presidente da Comunidade Valenciana assegurou que já nenhuma é visível do céu - durante o dia, multiplicaram-se as imagens televisivas de pessoas nos telhados das suas residências.
De acordo com os meteorologistas espanhóis, citados pela Reuters, choveu o equivalente a um ano num período de apenas oito horas em várias localidades da Comunidade Valenciana.
A grande maioria das vítimas (92) foi registada precisamente nessa comunidade. Morreram ainda duas pessoas na região central de Castela-La Mancha e uma outra vítima mortal foi registada na Andaluzia. Entre os 95 mortos confirmados até às 20h30 locais (19h30 em Portugal continental), quatro eram crianças.
As imagens que estão a ser divulgadas pelas televisões e nas redes sociais mostram aldeias, estradas, ruas e campos inundados, carros arrastados pelas águas e presos em auto-estradas. Dezenas de pessoas passaram a madrugada desta quarta-feira em cima de camiões ou carros, nos telhados de lojas ou postos de gasolina, no topo de árvores para evitar serem levadas pela corrente, ou presas dentro dos seus veículos em estradas congestionadas, à espera de resgate.
A representante do Governo espanhol em Valência, Pilar Bernabé, confirmou que o primeiro-ministro Pedro Sanchéz visitará a cidade esta quinta-feira, 31 de Outubro. Às 10h30 locais (9h30 em Lisboa) estará presente numa reunião com o Centro Integrado de Coordenação Operacional.
Segundo o serviço de resposta a emergências da Comunidade Valenciana, cerca de 200 pessoas foram resgatadas durante a madrugada de diversos locais, mas as equipas militares e de protecção civil e de militares no terreno continuavam sem acesso a várias zonas. Aos jornalistas, o coordenador das equipas de emergência, José Miguel Basset, disse que com o nascer do dia e o reforço de meios começou a ser possível iniciar resgates com aeronaves, existindo centenas de pessoas presas, numa situação que considerou "muito complicada".
Além de muitas infra-estruturas e vias danificadas, há também várias zonas sem electricidade. Ao final da tarde desta quarta-feira, os apagões provocados pelas chuvas mantinham 115 mil pessoas sem energia e 120 mil sem acesso à rede de telecomunicações em Espanha.
Carlos Mazón, presidente da Comunidade Valenciana, reiterou o apelo aos cidadãos para que evitem qualquer tipo viagem por estrada e continuem a acompanhar as informações das autoridades.
O primeiro aviso móvel de risco emitido pela Protecção Civil da Comunidade Valenciana sobre as chuvas torrenciais surgiu só pelas 20h30 locais de terça-feira (19h30 em Portugal continental), numa altura em que, segundo a televisão espanhola TVE, "já havia estradas cortadas e localidades inundadas".
Na manhã desta quarta, o Governo de Espanha reuniu um gabinete de crise para seguir os efeitos das chuvas e Pedro Sánchez já garantiu que serão usados todos os meios necessários para ajudar as vítimas das cheias. “Gostaria de pedir aos cidadãos que não baixem a guarda. A DANA [nome do fenómeno meteorológico que está a afectar Espanha] continua a causar estragos. Ainda não conseguimos concluir este episódio devastador", referiu, pedindo ainda a quem mora nas zonas que permanecem em alerta para "tomar precauções extremas”.
Luto nacional, condolências de Guterres e Von der Leyen
"Para aqueles que neste momento ainda estão à procura dos seus entes queridos, toda a Espanha chora com vocês", disse Sánchez numa declaração transmitida pelas televisões, prometendo "reconstruir ruas, praças e pontes". O primeiro-ministro espanhol adiantou entretanto estar em diálogo com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, além de "outros líderes internacionais" preocupados com a situação em Espanha. Guterres já endereçou as suas "condolências às famílias daqueles que perderam a vida em consequência das chuvas e inundações devastadoras em Espanha" e manifestou a disponibilidade da ONU para "prestar todo o apoio possível", através de uma publicação na rede social X, antigo Twitter.
O Governo de Sánchez decidiu decretar três dias de luto nacional. O ministro da Política Territorial, Ángel Víctor Torres, explicou numa conferência de imprensa em Madrid após a reunião do gabinete de crise que o mau tempo provocou uma "tremenda tragédia" na última noite e madrugada, com "danos pessoais altíssimos", mas "danos materiais também altíssimos". O ministro indicou que há várias zonas afectadas que continuam inacessíveis às esquipas de resgate que estão no terreno e que incluem mais de mil militares de uma unidade de emergência para situações de catástrofe.
O Ministério da Defesa, noticia o El País, ofereceu necrotérios portáteis às zonas mais afectadas e o Instituto de Medicina Legal de Valência activou nove equipas forenses para a remoção e identificação de cadáveres. Há receio de que, à medida que a lama que inunda muitas cidades valencianas seja removida, mais corpos sejam encontrados. Também foram mobilizadas aeronaves, psicólogos militares e cães treinados para localizar cadáveres.
Em Valência, imagens mostram bombeiros a resgatar condutores presos debaixo de chuva intensa na cidade de Alzira e carros presos em vias inundadas. Nesta região, no município de L'Alcúdia, existem outras pessoas desaparecidas na sequência das cheias, desde o início da tarde desta terça-feira. Dezenas de pessoas ficaram presas pela água em diferentes pontos da província da região, incluindo em centros comerciais, veículos, telhados ou árvores, disseram moradores de diferentes localidades. "Quem estiver perto de leitos de rios ou barrancos deve procurar o local mais alto e mais próximo. A noite vai ser longa", alertava Carlos Mazón.
Em conferência de imprensa na manhã desta quarta-feira, Mazón negou as informações que circulam nas redes sociais sobre uma suposta falha nas linhas telefónicas de emergência. “Nenhuma linha colapsou”, disse o presidente da Comunidade Valenciana, acrescentando que um dos números de emergência recebeu mais de 30 mil chamadas apesar da “falta de capacidade energética” das infra-estruturas telefónicas. Várias cidades da região continuam sem cobertura de rede nesta quarta-feira.
Estradas interditas, voos desviados
Segundo especialistas, os fenómenos meteorológicos extremos como estas chuvas, trazidas por uma frente fria que atravessa o Sudeste de Espanha, estão a tornar-se mais frequentes devido às alterações climáticas. Os meteorologistas acreditam que a subida da temperatura do Mediterrâneo, que acelera a evaporação da água, desempenha um papel fundamental no aumento da intensidade das chuvas torrenciais.
Escolas, tribunais e outros serviços essenciais foram preventivamente encerrados em Carlet e noutras cidades vizinhas na região de Valência. A tempestade atingiu primeiro a Andaluzia. Em El Ejido, cidade mediterrânica conhecida pelas suas vastas estufas, a queda de granizo danificou centenas de carros, assim como as estruturas das estufas, na sua maioria feitas de plástico. Em Alora, também na Andaluzia, o rio Guadalorce transbordou e 14 pessoas tiveram de ser resgatadas pelos bombeiros, segundo as autoridades locais. Nesta terça-feira, Alora registou 160 milímetros (ou 160 litros por metro quadrado) de precipitação.
O Governo de Espanha criou um comité de crise para monitorizar os efeitos da tempestade na costa mediterrânica e em Albacete, enquanto o rei Felipe VI disse acompanhar “com grande preocupação as consequências devastadoras” das inundações.
O serviço ferroviário de alta velocidade de Valência para Madrid e Barcelona foi interrompido, assim como várias linhas suburbanas. Foi também suspensa a circulação em várias auto-estradas e a autoridade aeroportuária indicou que pelo menos 12 voos foram desviados e dez cancelados no aeroporto de Valência, onde as pistas ficaram inundadas.
Tempestade perde força
Segundo as previsões meteorológicas, o pior do fenómeno a que os espanhóis chamaram DANA — sigla para Depresión Aislada en Niveles Altos, em português: "depressão isolada de altos níveis" — já terá passado, mas continuará a chover até domingo (com mais intensidade até esta quinta-feira).
DANA não é, por isso, o nome da tempestade que afectou com especial gravidade a comunidade de Valência: é a tradução literal que se tem feito em Espanha de um fenómeno para o qual, por cá, os meteorologistas usam a expressão em inglês — cut-off. Um cut-off é uma depressão (região de baixa pressão atmosférica) que se forma nos níveis mais altos da atmosfera e que se isola da restante circulação atmosférica, movimentando-se a baixa velocidade. O ar tende a ser mais frio e mais húmido nessa região da atmosfera, mas o seu contacto com massas de ar mais quente cria uma instabilidade na região que se traduz em chuva forte. As depressões cut-off são comuns na Península Ibérica, sobretudo em Espanha, na Primavera e no Outono.
Passadas as horas mais críticas, os avisos vermelhos emitidos pela Agência Estatal de Meteorologia de Espanha (AEMET) para a Andaluzia e Valência, as regiões mais afectadas pelas chuvas torrenciais, desceram para laranja ou amarelo, os menos graves numa escala de três. Às 00h40 (hora local), mantêm-se sob aviso laranja algumas zonas de Tarragona e Castellón, no Leste, para onde a previsão de precipitação acumulada ao longo de 12 horas é de 100 litros por metro quadrado. A AMET emitiu um alerta laranja para Maiorca e Menorca, nas Ilhas Baleares, que se estende desde sexta-feira, 1 de Novembro, até às 19h59 em Maiorca e até às 7h59 de sábado em Menorca.
Os números a ser divulgados no que toca à quantidade de precipitação que caiu nas últimas horas são, no mínimo, impressionantes. Segundo dados da AEMET, em algumas localidades de Valência, como Turís, foram registados 201 litros por metro quadrado. No entanto, algumas redes não oficiais, como a Associação Valenciana de Meteorologia (Avamet), falam em números muito mais elevados e estimam que tenham caído mais de 400 litros por metro quadrado em Chiva, Cheste, Buñol ou Turís. A precipitação na região valenciana foi a mais elevada em 24 horas desde 11 de Setembro de 1966, ano em que foram registados mais de 500 litros por metro quadrado.
Esta será mesmo uma das tempestades mais adversas deste século naquela comunidade, segundo o primeiro balanço feito pela delegação valenciana da AEMET no X (antigo Twitter). "Foi uma tempestade histórica”, com impactos e recordes superiores a outras registadas em 2019 e na década de 80. “Pelas suas características diferenciadas e climáticas, e pelas adversidades e impactos do episódio, foi semelhante às duas grandes tempestades da década de oitenta, a de Outubro de 1982 e a de Novembro de 1987”, refere a agência, que também afirma que os "padrões de precipitação se estão a alterar" no território espanhol.
“Vários episódios apontam para chuvas mais torrenciais e de curta duração. Pode chover a mesma quantidade em volume anual, até um pouco mais, mas de forma diferente, em menos dias”, aponta a AEMET, que sublinha que neste episódio houve “zonas onde quase não choveu e onde ocorreram inundações”. Há cerca de três anos, altura em que 185 pessoas morreram nas cheias na Alemanha, que as chuvas torrenciais não causavam tantos mortos na Europa.