“O retalho é uma referência na descarbonização”

Em entrevista, a directora de Sustentabilidade da APED, Cristina Câmara, apresenta o compromisso do sector, espelhado num roteiro colaborativo.

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A descarbonização é um desígnio colectivo, transversal a todas as esferas da sociedade e da economia nacional. Há um compromisso de sustentabilidade subjacente, mas há igualmente um quadro regulatório europeu a cumprir, com metas objectivas e um horizonte temporal definido. Esta é a visão que permeia o caminho que está a ser percorrido pelas empresas do retalho e da distribuição, conscientes da sua responsabilidade na adopção de boas práticas e do seu papel junto dos consumidores. A APED – Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição tem assumido a liderança deste processo, que tem no Roteiro para a Descarbonização a sua face mais visível.

Qual a responsabilidade do sector do retalho e da distribuição na promoção da descarbonização?
O sector da distribuição é indirectamente responsável por uma quantidade significativa de emissões, na medida em que aproximadamente 95% das emissões destas empresas estão relacionadas com a sua cadeia de valor, a montante e a jusante. Neste âmbito, as empresas do sector têm feito uma aposta na descarbonização e estão na linha da frente na adopção das melhores práticas de sustentabilidade, servindo de referencial para outros sectores, em especial para aqueles que integram a sua cadeia de valor. Diariamente os associados da APED procuram tornar ainda mais eficientes as suas operações e as dos seus fornecedores e parceiros, com práticas que visam a poupança energética e a redução da pegada de carbono, bem como desenvolvendo soluções que contribuam para escolhas informadas, conscientes e que promovam um consumo responsável.

Qual o compromisso assumido pelo sector, através da APED, com vista a alcançar as metas nacionais em matéria de emissões de CO₂?
O Roteiro para a Descarbonização da Distribuição é a face mais visível e ambiciosa do contributo do sector para esse desígnio. Esta iniciativa voluntária partiu da Direcção da APED como um novo passo que consolidasse a sustentabilidade enquanto eixo estratégico. Sob o mote “Colaborar+ Adaptar+ Transitar+”, o roteiro pretende constituir-se enquanto referência para os associados da APED, independentemente da sua dimensão, no que diz respeito às recomendações e às prioridades de actuação para a descarbonização, assegurando uma transição justa e em sinergia com empresas, consumidores, colaboradores, fornecedores, governo e outros parceiros. O propósito é que o roteiro se afirme como um plano de acção, construído a partir das melhores práticas internacionais, assente num diagnóstico do sector e dos nossos associados para se chegar a um modelo de implementação, assente em eixos de actuação, compromissos e métricas de avaliação.

A sustentabilidade não se esgota na descarbonização. Focando-nos no retalho alimentar, qual tem sido a abordagem?
Merece relevância o contributo no combate ao desperdício alimentar. Em 2023, as empresas nossas associadas doaram mais de 24 mil toneladas de alimentos a mais de 1000 instituições sociais e estima-se que, através de um circuito para facilitar o seu consumo em condições de segurança alimentar, se evitou o desperdício de mais de 26 mil toneladas de produtos alimentares que estavam prestes a atingir a data de validade. A isto junta-se um esforço de ajudar os consumidores a interpretar as datas de validade, já que a incorrecta interpretação destas datas é um dos factores que contribui para o desperdício alimentar nas famílias. Queremos fazer ainda mais neste domínio, mas é necessário eliminar obstáculos na área fiscal e optimizar os processos de recolha e os procedimentos para doação de alimentos, num trabalho colaborativo que envolva toda a cadeia de valor.

E quanto ao não alimentar – do têxtil à electrónica de consumo, que boas práticas estão a ser promovidas?
Destaco a iniciativa de incentivo aos consumidores para a entrega de resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos (REEE) nos locais próprios e adequados para a sua reciclagem, e que conta com o apoio da ERP-European Recycling Platform e do Electrão. É uma iniciativa importante, que pretende mobilizar os cidadãos para a acção e ajudar o país a cumprir as metas de reciclagem destes equipamentos, já que os dados demonstram que ainda estão longe dos objectivos. Há muitos outros desafios na área do retalho especializado, desde logo os que se prendem com os novos requisitos de sustentabilidade e de circularidade dos produtos e os que decorrem do novo passaporte digital, que exigirá também a informação e sensibilização do consumidor para esta nova abordagem. O têxtil é igualmente uma área muito importante para o nosso sector e avizinham-se novas directrizes da União Europeia para fomentar a circularidade destes materiais.

Como olha para o esforço que o sector está a fazer a nível europeu, nomeadamente no âmbito das organizações a que a APED pertence, como o EuroCommerce?
O EuroCommerce tem um papel fundamental junto dos decisores comunitários na afirmação da importância e do peso económico e social do sector e também na necessidade de alertar para os temas-chave, em particular para o verdadeiro “tsunami regulatório” que a distribuição tem enfrentado nos últimos anos. Queremos fazer parte da solução, mas é essencial que Bruxelas tenha uma abordagem mais inclusiva na definição de políticas, envolvendo todas as partes interessadas, ouvindo quem está no terreno e dando condições e tempo para uma preparação e aplicação atempadas da nova legislação.

Nesse sentido, em que medida a descarbonização pode constituir um factor de competitividade para Portugal?
A descarbonização não pode ser apenas um conjunto de boas intenções, tem de ser praticada no terreno. A abordagem à descarbonização através do Roteiro da APED tem enormes vantagens, não só em termos de resiliência e antecipação dos riscos regulatórios, mas também pelo facto de constituir uma oportunidade para reforçar a colaboração e melhorar a competitividade das empresas no mercado.

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