Nunca houve tantos gases com efeito de estufa na atmosfera — e o El Niño ajudou

Há 420 partes por milhão de moléculas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, a contribuir para um aquecimento global que nunca nenhum humano viveu, diz Organização Meteorológica Mundial.

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Um bando de aves voa contra as nuvens de fumo de um incêndio florestal no Canadá MARK BLINCH/REUTERS
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A concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera atingiu um novo recorde em 2023. Há agora 420 partes por milhão (ppm) de moléculas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, ajudando a espessá-la e a potenciar o aquecimento global. E o padrão climático El Niño contribuiu para esse aumento.

A concentração de dióxido de carbono aumentou 2,3 ppm de 2022 para 2023. “O CO2 está a acumular-se na atmosfera mais rapidamente do que em qualquer outro momento da existência humana. O nível actual está já 151% acima do que era antes da Revolução Industrial (antes de 1750)”, quando era de 278,3 ppm, lê-se no Boletim de Gases de Efeito de Estufa da OMM, divulgado nesta segunda-feira.

Metade dos gases de estufa fica na atmosfera, um quarto é absorvido pelos oceanos e 30% pelos ecossistemas terrestres. “A última vez que isto aconteceu foi num período entre há cinco e três milhões de anos, quando as temperaturas eram dois a três graus Celsius acima do que temos agora, e os mares dez a 20 metros mais altos”, explicou numa conferência de imprensa online Ko Barrett, vice-secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Muitos anos antes de existirem seres humanos na Terra.

“Cada parte por milhão conta, representa subida do nível do mar, aquecimento e acidificação do mar, mais pessoas expostas a extremos de temperatura, mais extinções de espécies”, salientou Ko Barrett. "Há variabilidade natural, mas o que tem sido sempre consistente ao longo do tempo é o aumento da importância da actividade humana [para a concentração de gases de estufa na atmosfera]", afirmou.

E, como o CO2 tem uma vida extremamente longa na atmosfera – que pode ir de centenas a milhares de anos, dependendo das condições – o facto de já termos emitido tanto e alterado tanto a composição da atmosfera significa que estamos condenados a sofrer os seus efeitos durante longuíssimos anos. Não há uma solução rápida para aspirar o CO2 como quem aspira o pó do sofá.

Mas, embora represente 66% do aumento do aquecimento da atmosfera desde 1750, o CO2 não é o único gás com efeito de estufa.

As emissões de metano, que representam 16% do aquecimento, são outro factor importante, porque uma quantidade muito menor deste gás tem um efeito de aquecimento muito maior que o CO2. Tanto assim é que a sua concentração na atmosfera é medida em partes por milhão de milhão (ppmm), uma ordem de grandeza diferente da do CO2. Assim, em 2023, havia 1934 ppmm de metano na atmosfera, o que é 265% mais do que antes da Revolução Industrial.

Cerca de 40% das emissões deste gás têm original natural e a actividade microbiana em zonas húmidas parece ser o principal motivo para o aumento das concentrações de metano na atmosfera, disse Oksana Tarasova, coordenadora do relatório. A agricultura, pecuária e exploração de combustíveis fósseis, que são considerados factores antropogénicos, são responsáveis pelos outros 60%.

O terceiro dos mais importantes gases de estufa é o óxido nitroso, medido como o metano; a sua concentração atingiu 336,9 ppmm em 2023, segundo as medições da rede de Observação Global da Atmosfera da OMM. O óxido nitroso está já 125% acima dos valores pré-Revolução Industrial.

O peso dos incêndios do Canadá

O aumento do CO2 na atmosfera de 2022 para 2023 foi ligeiramente mais elevado do que o observado de 2021 para 2022, embora tenha ficado um pouco aquém da média de crescimento na última década. A subida das concentrações de CO2 a longo prazo tem a ver com a queima de combustíveis fósseis, mas na variação anual reflectem-se factores como o padrão climático El Niño ou La Niña.

E, em Maio de 2023, houve uma passagem de três anos do La Niña para El Niño, que tem impactos sobre a absorção do CO2 através da fotossíntese, e incêndios florestais. “As emissões de carbono globais em 2023 foram 16% acima da média, e as sétimas mais elevadas desde 2003”, diz o relatório. “Houve um grande impacto da queima de biomassa no Canadá”, salientou Oksana Tarasova.

Em 2023, o Canadá teve a pior época de incêndios florestais de sempre, emitindo 650 milhões de toneladas de carbono, o que a OMM diz ser comparável às emissões de um Estado, citando um estudo publicado na Nature em Agosto. Em 2022, só os EUA, a China e a Índia lançaram mais carbono para a atmosfera, de acordo com o Orçamento de Carbono Global desse ano.

Neste período houve igualmente o maior aumento das emissões de monóxido de carbono (CO) das últimas duas décadas, diz a OMM. “O monóxido de carbono resulta da combustão incompleta, pelo que o aumento dos níveis de CO em zonas distantes do trânsito e da indústria é um bom indicador das emissões relativas aos incêndios”, lê-se no relatório.

Os valores da concentração de gases na atmosfera em 2024 serão divulgados na Conferência da Convenção do Clima das Nações Unidas que decorre no Azerbaijão, de 11 a 22 de Novembro (COP29), anunciou Ko Barrett. É o local onde os políticos podem tomar decisões que afectam o impacto que estas concentrações de gases de estufa terão para a vida no planeta.

O relatório Emissions Gap 2024 do Programa de Ambiente das Nações Unidas disse-nos na semana passada que a trajectória actual vai levar-nos a “um aumento catastrófico da temperatura de 3,1 graus Celsius” até 2100 – ou seja, muito acima dos 1,5 graus Celsius ambicionados pelo Acordo de Paris, recordou Ko Barrett. “Mas tudo depende da rapidez com que agirmos e do que fizermos”, salientou a responsável da OMM.