Especialistas elogiam passos recentes da AIMA, alguns com reservas, após ano difícil

Agência para a Integração, Migrações e Asilo foi criada há um ano, a 29 de Outubro, quando o SEF foi extinto. Novo Governo anunciou Plano de Acção para as Migrações em Junho deste ano.

Foto
Filas à porta da Agência para a Integração, Migrações e Asilo ao longo do último ano Nuno Ferreira Santos
Ouça este artigo
00:00
04:47

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

As mais recentes alterações na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) corrigiram alguns dos problemas de nascença da estrutura, que comemora um ano na terça-feira, consideram especialistas da área.

Em declarações à Lusa, Gonçalo Matias, da Universidade Católica, diz-se defensor, há muitos anos, da criação de uma estrutura como a AIMA, porque "Portugal precisa desesperadamente de imigrantes e os saldos demográficos portugueses só se conseguem aguentar positivos graças à imigração".

"Uma política de migração activa para captar imigrantes só se faz através de uma agência para as migrações" e não através da "acção policial", diz quando se assinala o primeiro aniversário da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na terça-feira, 29 de Outubro.

A AIMA "arrancou de uma forma muito deficiente, porque por um lado não tinha as competências e os meios para fazer essa promoção de Portugal enquanto destino de migrações e falhou nesse objectivo", mas, "por outro lado, herdou 400 mil processos pendentes, o que é uma herança pesadíssima e muito injusta para uma estrutura que começa a sua actividade", acrescenta Gonçalo Matias.

Aplicação do plano das migrações

Só com o Plano de Acção das Migrações, em Junho, que definiu a passagem desses processos pendentes para uma estrutura de missão, liderada pelo até então presidente da AIMA, e o fim das manifestações interesse – um recurso jurídico que permitia a regularização de quem estivesse em Portugal com visto de turista –, é que "começaram a ser resolvidos os problemas", considerou.

Para Gonçalo Matias, "as manifestações de interesse foram um mecanismo de emergência lançado para responder às necessidades das empresas que precisavam muitíssimo de imigrantes".

Foto
Primeiro centro da estrutura de missão da AIMA no Templo Hindu, em Telheiras para o processamento dos pedidos de autorização de residência Rui Gaudêncio

No entanto, essas soluções "tornaram-se, de alguma forma, permanentes e não garantiam que o país tinha controlo sobre as pessoas que estavam a entrar e isso permitiu também que surgissem e prosperassem redes de tráfico humano à volta desse negócio”, o que, no seu entender, criou “uma situação insustentável”.

"Foi muito importante controlar, reganhar controlo sobre as fronteiras através do fim das manifestações de interesse", afirmou Gonçalo Matias.

Algumas medidas "precipitadas"

Já o investigador e geógrafo humano Jorge Malheiros considera que foi "precipitado o fim das manifestações de interesse" bem como a opção de criar uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras dentro da PSP, confirmando que "cada vez mais há uma ideia de securitização e há uma visão dos imigrantes como criminosos".

Apesar disso, também elogia os passos mais recentes da AIMA, diz que "o espírito [da estrutura] está completamente deturpado naquilo que foi a sua origem" e destaca a "maior ligação ao tecido associativo", como é exemplo o centro de atendimento na comunidade hindu de Lisboa ou o regresso dos programas de apoio.

Desde o Verão, "há os primeiros sinais positivos", que incluem também uma "estratégia de resposta aos pedidos que estão em atraso", com a criação da estrutura de missão e tudo indica que "está montado um esquema de procedimento que permite, em princípio, acelerar o processo de respostas aos atrasados", afirmou o docente do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.

Por outro lado, "há um discurso também positivo de garantir" que o Estado integra a análise dos dados sobre imigrantes, ao incorporar o Observatório das Migrações e a produção de balanços sobre entradas e processos de integração.

Pessoas que estavam a trabalhar "num limbo"

Contudo, Jorge Malheiros lamenta que o discurso sobre imigrantes esteja focado "na atracção de talento e pouco na questão das relações interculturais" que são "mais importantes do que nunca para mitigar ou prevenir situações de confronto na sociedade e o crescimento de uma onda mais xenófoba, com vários actos de violência para com os imigrantes”.

O Plano de Acção para as Migrações "dá alguns sinais de como algumas coisas vão ser”, diz. “Desde logo, aquilo que é mais óbvio que todos conhecemos, que é a suspensão das manifestações de interesse e a impossibilidade de regularização dentro do país, deixando num limbo de pessoas que já estavam a trabalhar no país e que contavam com este mecanismo para eventualmente se regularizar", afirmou ainda Jorge Malheiros.

A directora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, por sua vez, admite que a AIMA recebeu uma "herança pesada" de 400 mil processos pendentes e espera que o próximo ano seja mais positivo.

"Espero que esta ideia de ser a AIMA a ir ao encontro das pessoas de facto resulte", afirmou à Lusa Eugénia Quaresma, referindo-se à estratégia recente da organização de fazer agendamentos com os imigrantes para resolver os processos. A AIMA recebeu 400 mil processos pendentes do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e deparou-se com várias dificuldades operacionais, criticadas por imigrantes, associações e especialistas.

"A fase de transição não é fácil e tiveram muito pouco tempo para responder à pressão administrativa de regularização de muitos migrantes de norte a sul do país", reconheceu Eugénia Quaresma, recordando que, de início a "grande dificuldade era a comunicação", sem resposta adequada aos "canais normais" por parte dos requerentes.

Agora, "eu espero que no próximo ano as coisas estejam a funcionar normalmente, sem termos de esperar tanto para que eles, de facto, consigam cumprir prazos".