Autárquicas: Mortágua avisa PS de que será fiel a movimentos pela habitação em eventuais coligações
Defendendo estar disponível para dialogar sobre eventuais coligações nas autárquicas, Mariana Mortágua deixou a garantia: “A nossa fidelidade é para com quem sai à rua pelo direito à habitação.”
A coordenadora do BE defendeu, este domingo, que será fiel aos ideais dos movimentos pelo direito à habitação em eventuais coligações autárquicas, nomeadamente em Lisboa com o PS, embora admitindo que não sabe se haverá condições para tal.
"Não sabemos se nas autárquicas haverá ou não condições para coligações alargadas para um programa que transforme as nossas cidades. Não sei e está por saber, logo veremos. Trabalharemos para que se juntem forças diferentes e com a mesma clareza de objectivos", garantiu Mariana Mortágua.
A bloquista falava no encerramento da 5.ª Conferência Nacional do partido, que decorreu no Porto, e na qual se debateu o tema de uma eventual coligação pré-eleitoral com o PS para a autarquia de Lisboa, que ambicione derrotar Carlos Moedas (PSD).
Na conferência, os bloquistas aprovaram, por larga maioria, o documento apresentado pela direcção do BE, que estabelece que o partido procurará alternativas a PS e PSD nas autárquicas mas mantém a abertura para uma coligação com os socialistas em Lisboa. Este documento foi aprovado com 206 votos favoráveis e terá ainda que ser ratificado pela Mesa Nacional, órgão máximo do partido entre convenções.
Apesar de não saber se haverá condições para materializar uma coligação em Lisboa com os socialistas, Mariana Mortágua deixou uma garantia.
"Há uma coisa da qual eu tenho certeza absoluta: a nossa fidelidade, a nossa lealdade é para com os milhares de pessoas que saem à rua pelo direito à habitação. É a elas que devemos fidelidade, é por elas que fazemos este processo", avisou.
A coordenadora bloquista considerou que "só um programa capaz de acabar com a turistificação e resgatar casas ao alojamento local" e que "rompa com as heranças de Moedas mas também de Fernando Medina [PS] na habitação" servirá ao BE.
Mortágua garantiu que o BE vai apresentar esse programa, bem como "equipas de candidatos e candidatas capazes de o defender", mantendo a abertura para o diálogo.
"Dialogamos com quem estiver disponível para dialogar, mas tenham a certeza absoluta de uma coisa: a nossa fidelidade é para com quem sai à rua pelo direito à habitação, pelo direito à cidade, pelo direito a poder viver na cidade que escolheu", insistiu.
País "virou as costas" a Ventura
Numa intervenção de cerca de 30 minutos, Mariana Mortágua fez questão de saudar a manifestação organizada no sábado pelo movimento Vida Justa, na sequência da morte do cidadão Odair Moniz, baleado por um agente da PSP. No mesmo dia, o Chega marcou posteriormente uma concentração "em defesa da polícia".
"Será que o dr. Ventura já percebeu que o país ontem [sábado] lhe virou as costas? Portugal mostrou-lhe ontem o que somos e como somos: de um lado, uma extrema-direita isolada que vive na ignomínia, do outro, um povo que exige uma democracia de bem, que é a justiça e a liberdade e que recusa o racismo e a banalização do mal", advogou.
Para Mortágua, Ventura "passeou-se com o seu séquito pequenino". "Não sei se percebeu que foi abandonado. Os eleitores não vieram e os militantes não apareceram. Se não percebeu eu faço-lhe um desenho: o que ontem Portugal lhe disse foi que o crime não compensa", atirou.
Na dimensão mais ideológica do seu discurso, Mariana Mortágua afirmou que "a tempestade da desumanização" que o país vive "é um ataque", que "trata as pessoas como se fossem descartáveis".
Esta "cultura política", argumentou, assenta numa "banalização do mal" defendida pela extrema-direita e liberais.
Repetindo o lema que a levou à coordenação do partido – a defesa de uma "vida boa" –, Mortágua salientou que "o socialismo não é uma seita" e saiu em defesa da utilização da inteligência artificial para "o bem comum", da semana laboral de quatro dias e a taxação dos "super-ricos" e das "grandes fortunas que não são feitas por mérito".
"Porque é que o Elon Musk [empresário] tem mais mérito que a mulher que se levanta às cinco da manhã num bairro da periferia, que apanha um autocarro, trabalha 12 horas por dia para criar os seus filhos? Porquê? Quem é que tem mais mérito?", questionou, num dos momentos mais aplaudidos da sua intervenção.
Numa espécie de balanço dos dois dias de trabalho, nos quais estiveram em debate alguns textos críticos da actual direcção, apresentados por uma corrente minoritária, Mortágua agradeceu "em particular" às intervenções mais críticas e saudou a diversidade interna do partido.
A coordenadora bloquista mostrou-se convicta de que a conferência "mostrou um partido confortável com a sua intervenção na oposição ao Governo da direita, num contexto de instabilidade e de governo minoritário", comprometeu-se com a actualização do programa político do BE, "multiplicar espaços partidários convidativos, amplos e formativos" e saudou a participação jovem na conferência.
Governo "amarrou com sucesso" o PS
Antes do discurso de Mariana Mortágua, a deputada Marisa Matias considerou que o Governo amarrou "com sucesso" o PS à proposta de Orçamento do Estado para 2025, que poderia ser viabilizado pela extrema-direita, com avisos para uma "rampa deslizante".
"Com este Orçamento, o Governo procurou com sucesso amarrar o PS. E este é um Orçamento que a extrema-direita poderia votar, mas é o PS quem vai viabilizar [através da abstenção]", criticou Marisa Matias.
A dirigente bloquista acusou o executivo minoritário PSD/CDS-PP de absorver e normalizar a agenda e discurso da extrema-direita e aprofundar "a agenda conservadora".
"A rampa deslizante só agora está a começar. O não é não, que seria a suposta barreira sanitária do Governo à extrema-direita, não é, nem nunca foi, por uma demarcação política ou ideológica, mas por mero tacticismo. Uma disputa de poder não é necessariamente uma disputa política e este Governo demonstra-o", advogou.
Na óptica de Marisa Matias, o Governo PSD/CDS-PP quer ocupar o espaço da extrema-direita pela forma como aborda temas como as migrações, direitos humanos, racismo, educação sexual, saúde reprodutiva, direito à morte assistida.
"Não existe nenhum campo em que o Governo não esteja a tentar entrar para fazer deles um campo de recuo", avisou.
Neste contexto, Marisa Matias reclamou para o BE o papel da força política "que faz frente à extrema-direita e às suas ideias, que combate o Governo da direita e das contra-reformas e que é, como sempre foi, a alternativa ao rotativismo ao centro".
Momentos depois, o antigo deputado José Manuel Pureza fez uma intervenção com fortes críticas ao Chega e à extrema-direita, utilizando uma frase de um general franquista, em 1936: "Viva a morte, abaixo a inteligência."
Fazendo a ponte com os acontecimentos que levaram à morte de Odair Moniz, Pureza lembrou as declarações de dirigentes do Chega, nomeadamente do líder parlamentar, Pedro Pinto, que afirmou que, se os polícias "disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem".
"Como os republicanos espanhóis em 1936 contra Franco, aqui está hoje o Bloco a dizer que a inteligência é mais forte do que todas as prepotências. Somos essa força da inteligência contra a barbárie. E fazemos desse combate o nosso combate", defendeu.
Pureza deixou ainda avisos ao Governo liderado por Luís Montenegro.
"De cada vez que o Governo e a direita tradicional assumem as bandeiras da extrema-direita, a extrema-direita não fica com menos espaço. Pelo contrário, ganha espaço e ganha poder social. A esse bloco político das direitas, que tem como política o cocktail de duas doses de liberalização, com duas doses de securitização, responde a esquerda com uma política de paz feita de justiça", salientou.
Durante a manhã de intervenções, a ex-deputada Maria Manuel Rola considerou que "a política está numa espécie de 'overdose' de chavões" e que "expira o passado, expira o ódio, o ressentimento másculo e tonitruante contra o qual o Bloco nasceu", deixando um aviso.
"Fala-se assim nos cafés, nas redes, na televisão, no Parlamento e lamento até por vezes no Bloco. O regresso ao passado e à exclusão, à lei do mais forte e do que fala mais alto não nos faz sair deste ciclo nem voltar a ganhar a política que faz a diferença, que nos reabilita e que constrói futuro", advogou.