Primeiro-ministro do Japão quis reforçar a sua legitimidade e acabou sem maioria no Parlamento

Coligação liderada pelo partido que domina a política japonesa desde o pós-guerra e que está no poder desde 2012 foi ultrapassada pela oposição nas eleições legislativas deste domingo.

Foto
Shigeru Ishiba, primeiro-ministro japonês, assumiu resultado "muito duro" para o LDP TAKASHI AOYAMA / POOL / EPA
Ouça este artigo
00:00
04:29

O Partido Liberal Democrático (LDP, centro-direita) e o Novo Komeito, seu parceiro de coligação, perderam a maioria da Câmara dos Representantes do Parlamento do Japão nas eleições legislativas realizadas este domingo no país asiático. Trata-se de um duro golpe para o novo primeiro-ministro, Shigeru Ishiba, que tinha antecipado as eleições para tentar reforçar a sua legitimidade política.

Em sentido inverso, o Partido Constitucional Democrático (CDP, centro-esquerda), liderado pelo antigo primeiro-ministro Yoshihiko Noda, aumentou consideravelmente a sua representação parlamentar e, ainda que esse cenário seja improvável, dadas as diferenças ideológicas entre os vários partidos da oposição, até pode conseguir formar governo, em coligação com outras forças políticas.

Segundo a emissora NHK, numa altura em que faltavam declarar os resultados de apenas 22 dos 465 lugares na câmara baixa do Diet (Parlamento), os partidos da oposição já tinham atingido, em conjunto, os 235 deputados – dois deputados acima dos 233 necessários para a maioria.

Apesar de ter sido o partido mais votado, elegendo pelo menos 186 deputados, o LDP obtém o seu pior resultado desde 2009. Juntando os seus deputados aos 22 eleitos pelo Komeito – o braço político do movimento budista Soka Gakkai –, a coligação que apoiou os últimos governos conservadores fica-se pelos 208 parlamentares.

Trata-se, por isso, de uma grande derrota para o novo líder do LDP e novo primeiro-ministro japonês, que convocou as eleições há menos de um mês para tentar conter a insatisfação generalizada do eleitorado com um Governo agastado por escândalos financeiros, que envolveram antigos ministros e assessores do partido, e pelo aumento do custo de vida e da inflação na quarta maior economia do mundo.

Em declarações à NHK, o primeiro-ministro admitiu que os resultados “são muito duros” para o LDP. “Não fomos capazes de conquistar a compreensão da população”, assumiu Ishiba, um antigo ministro da Defesa, eleito líder do partido no final de Setembro, derrotando uma candidata da linha dura e nacionalista dos conservadores japoneses.

Mudança de ciclo?

O LDP está no poder desde 2012 e governou o Japão durante mais de 60 anos, desde a sua fundação, em 1955. Apesar desta estabilidade, os últimos anos foram atribulados, tendo apresentado quatro primeiros-ministros diferentes desde 2020 (Shinzo Abe, Yoshihide Suga, Fumio Kishida e Shigeru Ishiba).

“Não fomos capazes de resolver o problema dos dinheiros políticos de há dois anos”, lamentou Shinjiro Koizumi, responsável pela campanha do LDP, citado pela Reuters, referindo-se ao caso da utilização indevida de fundos de campanha por membros das facções mais à direita do partido, que não declararam vários donativos que receberam de forma ilegal.

O escândalo atirou a popularidade do Governo para mínimos históricos já este ano e esteve na origem da decisão do ex-primeiro-ministro, Kishida, não se recandidatar à liderança do LDP e de deixar a chefia do executivo.

Tendo também elegido um líder novo em Setembro, o antigo primeiro-ministro Noda – que foi, curiosamente, o último chefe de um Governo de centro-esquerda (2011-2012) no país –, o CDP parece ter lucrado mais do que esperava com os problemas e com o cansaço do eleitorado com o LDP, tendo elegido pelo menos 143 deputados, mais 45 do que tinha antes da votação.

“A aposta do CDP em Yoshihiko Noda pode ter resultado. Mesmo sem ter tido um grande aumento de votos, a capacidade do partido para apelar aos eleitores descontentes do LDP parece ter sido crucial”, considera Tobias Harris, analista político e biógrafo de Abe, citado pelo jornal japonês Nikkei.

Falhando a maioria da Câmara dos Representantes, para se manter à frente do Governo do Japão o LDP tem de se voltar a coligar com o Komeito – que está muito fragilizado depois de o seu líder, Keiichi Ishii, ter falhado a eleição para deputado – e de fazer acordos com outros partidos mais pequenos.

Em termos aritméticos e ideológicos, as opções mais óbvias são o Partido da Inovação ou o Partido Democrático Popular (DPP), ambos de direita. Segundo os resultados provisórios, o primeiro elegeu 35 deputados e o segundo 26.

A tarefa de formar Governo é mais difícil para o CDP, uma vez que o Partido Comunista e Reiwa Shinsengumi, de esquerda, elegeram apenas oito deputados cada. Não obstante, Yoshihiko Noda diz que quer conversar com outros partidos da oposição para forçar uma mudança no executivo. “Isto não é o fim, mas o início”, disse o antigo primeiro-ministro aos jornalistas, depois de conhecidos os resultados.

Sugerir correcção
Comentar