“A arte pode incentivar mudanças positivas na sociedade”, diz a atriz Úrsula Corona

Dividindo-se entre Portugal, Brasil e Inglaterra, a atriz brasileira Úrsula Corona junta representação às causas sociais. A atriz que esteve em Ouro Verde, que venceu um Emmy, vai gravar nova novela.

Foto
Úrsula Corona em um festival de cinema realizado em Lisboa Arquivo pessoal
Ouça este artigo
00:00
07:56

Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.

Acesso gratuito: descarregue a aplicação PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.

Para a atriz e ativista social Úrsula Corona, 42, a televisão pode ser uma ferramenta para promover reflexões e mudanças sociais. Mas sua intervenção na sociedade não se limita à carreira de atriz. Ela fundou o Instituto Fome de Tudo, que tem o apoio da ONU, que desenvolve projetos inovadores para combater a fome e a desigualdade.

Com uma carreira marcada pela versatilidade e pela internacionalização, Úrsula, conquistou os públicos brasileiro e português com seus personagens marcantes. Entre seus sucessos, integrou o elenco de duas novelas que ganharam o Emmy Internacional, Ouro Verde, de 2017, produção portuguesa exibida em mais de 60 países, e O Astro, de 2012.

Seus primeiros passos na televisão foram dados ainda na infância, em programas infantis de grande sucesso. Ao longo dos anos, a atriz explorou diversos papéis, desde personagens mais leves até vilãs complexas, consolidando sua posição no cenário artístico. Em breve, a atriz voltará ao Rio de Janeiro, para gravar uma novela da Rede Globo com o título A Garota do Momento.

Em Lisboa, Úrsula falou com o PÚBLICO Brasil.

Qual a importância das telenovelas na sua formação?
A arte foi uma ferramenta de transformação na minha vida. Comecei na televisão aos 8 anos de idade e tive a sorte de aprender com mestres como Paulo José, Roberto Talma e muitos outros. Trabalhei com Paulo José Vannucci, Augusto César Vannucci e fiz parte de especiais infantis como A Nave Mágica. Isso moldou minha trajetória. Quando analisamos o amadurecimento das telenovelas, seja no Brasil ou em qualquer outro país, percebemos que cada país cria uma assinatura de acordo com sua cultura. Hoje, temos mais possibilidades de consumir e partilhar conteúdos de diversas formas, seja pela televisão, streaming, ou dispositivos móveis. A telenovela tem o papel de levar o público a um lado lúdico, e hoje podemos assistir ao que quisermos, quando quisermos. Isso é uma grande mudança em relação ao passado.

Você faz parte da uma nova onda de atores brasileiros que vieram para Portugal. Como você vê a contribuição dos brasileiros para a criação da identidade das telenovelas portuguesas?
Acho que o Brasil sempre recebeu bem os portugueses, seja pela música, como Roberto Leal, ou pelos atores. Muitos portugueses fazem sucesso no Brasil. Quando decidi vir para cá, estava com uma carreira estável no Brasil, mas queria segurança e novas experiências. Morei em vários países e acabei me estabelecendo parcialmente em Portugal. Quando cheguei, não havia muitos brasileiros aqui. Não fico o tempo todo em Portugal, mas tenho uma casa e adotei uma cadela aqui. Acredito que nossa contribuição é mais uma troca de conhecimento do que ensinar algo. Por exemplo, o Brasil está adotando métodos de produção que são utilizados aqui por questão de recursos. Gravamos cenas de diversos capítulos em um único dia, o que exige um estudo profundo do personagem e do roteiro. Isso é um desafio, mas também muito enriquecedor para o ator.

Você é a única atriz brasileira a participar de duas novelas ganhadoras do Emmy Internacional.
Foi um trabalho duro, mas gratificante. Em Ouro Verde, novela líder de audiência em Portugal, eu encarnei a fisioterapeuta brasileira Valéria de Scarpa. Ela era uma vilã muito ambiciosa, que queria arrumar um marido rico, ao mesmo tempo em que acreditava que amor é só coisa de novela. Já no remake de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro para obra de Janet Clair O Astro, eu vivi a charmosa policial Elisabeth. A heroína foi responsável pela investigação que desvendou os segredos do assassinato do empresário Salomão Hayalla, levando à prisão dos envolvidos.

Como você vê a representação dos brasileiros nas telenovelas portuguesas?
Tenho muita sorte, fui muito bem recebida aqui. Vim a convite do Pedro Lopes, um grande escritor. Ele foi generoso comigo, dando-me um personagem desafiador em Sol de Inverno. Sinto-me parte da sociedade portuguesa e do trabalho que estamos desenvolvendo aqui. Acredito que podemos trazer mais dessa nova sociedade cosmopolita para as telenovelas, refletindo a diversidade presente hoje em Portugal. Temos um público diversificado, incluindo refugiados, russos, ucranianos, americanos, italianos, franceses, brasileiros, e isso deve ser representado. A novela tem o papel de retratar a sociedade e abordar temas importantes, fazendo críticas construtivas.

Então, você acredita que o audiovisual tem uma oportunidade de retratar essa mudança cultural na sociedade portuguesa?
Sim, com certeza. A televisão tem o poder de questionar e refletir o público. Quando abordamos um questionamento ou um espelho do que estamos vivendo, conseguimos nos olhar de outra forma e avaliar nossos padrões. Temos a comunicação como uma grande ferramenta e devemos usá-la para promover reflexões e mudanças. A televisão, seja pela transmissão tradicional ou pelo streaming, continuará a ter essa força por muito tempo.

Falando sobre o papel das telenovelas, você mencionou a ascensão das novelas turcas. Como você analisa o papel das telenovelas brasileiras aqui em Portugal?
Eu acredito que as telenovelas brasileiras possuem uma maturidade técnica e artística inegável, seja nos roteiros, elenco ou produção. As novelas turcas têm sido bem-sucedidas por serem econômicas e fáceis de distribuir, mas isso não invalida a qualidade das produções brasileiras.

Além de atriz, você é apresentadora e empresária. Pode falar um pouco sobre suas outras atividades?
Além de atuar e apresentar, sou sócia da 7 Artes Produções, há 14 anos. Criamos a produtora para desenvolver projetos diferenciados, como O Silêncio que Canta, uma série investigativa sobre a ditadura militar no Nordeste brasileiro, que foi indicada ao Emmy Internacional em 2023. A série nasceu da minha curiosidade sobre o impacto da ditadura no Nordeste, algo pouco explorado. Conversas com artistas como Alceu Valença e Gilberto Gil revelaram histórias impactantes. Fomos indicados ao Emmy Internacional e exibimos a série no canal Box Brasil.

Além do audiovisual, você também é empreendedora social. O que é o Instituto Fome de Tudo e quais são os seus projetos nessa área?
O Instituto Fome de Tudo é o único no Brasil com parceria global com o Programa Mundial de Alimentos (WFP), a maior agência humanitária do mundo, de auxílio alimentar da ONU. Trabalhamos com tecnologias sociais, como sistemas anti-desperdício de alimentos, impactando mais de 20 mil pessoas diariamente.

Tem planos de trazer projetos desse instituto para Portugal?
Estamos em negociações para expandir nossos projetos para cá, e em breve anunciaremos os embaixadores.

Como é sua rotina entre Brasil, Inglaterra e Portugal, com tantos projetos diferentes?
Minha agenda é intensa, dividida entre trabalhos como atriz, apresentadora e empresária. Este ano, passei mais tempo no Brasil e na Inglaterra, com algumas viagens de trabalho para Portugal.

Quais são seus planos futuros em Portugal?
Além de finalizar estruturas do Instituto Fome de Tudo, pretendo voltar a trabalhar aqui como atriz e contribuir mais com a cultura local. Vou fazer uma peça com o maravilhoso ator Chico Diaz.

Você mencionou a importância de entender o lugar de onde viemos e para onde estamos indo. Como essa reflexão se relaciona com as questões culturais e sociais que você aborda em seu trabalho?
Observar e compreender são essenciais para qualquer transformação. Ao discutirmos política pública e integração cultural, estamos falando sobre humanidade e soluções estruturais que respeitem todos os envolvidos, tanto os locais quanto os recém-chegados. Quando comecei no teatro, aos 7 anos, aprendi que é crucial ouvir mais do que falar. Isso se aplica não apenas à atuação, mas à vida. Precisamos compreender nosso lugar e nosso papel na sociedade.

Como a arte, como as telenovelas, pode ser uma ferramenta para explorar e questionar as desigualdades sociais?
A arte, incluindo as telenovelas, tem o poder de fazer rir e refletir sobre as tragédias da vida. Ela pode ser um meio poderoso para abordar questões sociais e incentivar mudanças positivas na sociedade.

Sugerir correcção
Comentar