André Ventura “venceu todos os processos” em tribunal, como afirmou? Não.

Em 2021, o líder do Chega foi condenado em tribunal por ofensas à honra e ao bom nome de uma família do Bairro da Jamaica e foi obrigado a pedir desculpas públicas.

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Esta sexta-feira, um grupo de cidadãos avançou com queixa-crime contra Ventura e Pedro Pinto por ofensa à memória de pessoa falecida Pedro Nunes / REUTERS
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A frase

“Eu nunca invoquei a imunidade parlamentar. Nunca na minha vida toda aqui no Parlamento pedi protecção ao Parlamento. Fui a tribunal sempre que me acusaram de difamação, racismo, discriminação. Venci em todos os processos. Em todos, o tribunal deu-me razão." – André Ventura, líder do Chega

O contexto

Na manhã desta quinta-feira, em declarações transmitidas pela RTP3, Ventura foi questionado sobre se iria invocar imunidade parlamentar depois de um grupo de cidadãos avançar com uma queixa-crime contra o presidente e o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, por ofensa à memória de pessoa falecida, instigação à prática de crime, apologia da prática de crime e incitamento à desobediência colectiva.

O texto provisório da queixa-crime, que conta com a assinatura dos antigos ministros Francisca Van Dunem e João Costa, cita várias declarações de André Ventura sobre a morte de Odair Moniz, baleado pela polícia, defendendo que estão em causa ilícitos criminais.

"Nós não devíamos constituir este homem arguido; nós devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez. Nós devíamos condecorá-lo e não constitui-lo arguido, ameaçar com processos ou ameaçar prendê-lo", afirmou Ventura, que disse também: "Obrigado. Obrigado. Era esta a palavra que devíamos estar a dar ao polícia que disparou sobre mais este bandido na Cova da Moura. Mas não. Agora, multiplicam-se as narrativas de que ele era boa pessoa, que ajudava muito, que era um tipo simpático e porreiro. A única coisa: tentou esfaquear polícias, estava a fugir deles e ia cometer crimes, com toda a probabilidade."

Os factos

Não há registo de que André Ventura tenha alguma vez invocado a imunidade parlamentar de que goza por ser deputado, sendo que a mesma já foi levantada em diversas ocasiões. Em Junho de 2022, por exemplo, o Parlamento aprovou o levantamento da imunidade de Ventura para responder em dois processos judiciais: um no caso de um jantar-comício da sua candidatura, realizado em Braga, durante o estado de emergência decretado por causa da pandemia de covid-19 e em que foi pronunciado pelo crime de desobediência (o processo acabou por ser arquivado); e o segundo por uma queixa por difamação apresentada pela actual líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua.

A imunidade parlamentar de Ventura também foi levantada por unanimidade em Dezembro de 2021 pela Comissão Permanente da Assembleia da República para o então deputado único do Chega poder responder num caso em que era acusado de difamação pelo historiador e fundador do Bloco de Esquerda (BE) Fernando Rosas. O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) decidiu, no entanto, não levar a julgamento o presidente do Chega.

No entanto, Ventura não "venceu todos os processos" em que esteve envolvido em tribunal, como afirma. Em Maio de 2021, foi condenado em tribunal por ter ofendido a honra e o bom nome de uma família do Bairro da Jamaica, no Seixal. O caso remonta a um debate televisivo durante a campanha para as presidenciais que André Ventura realizou com Marcelo Rebelo de Sousa, em Janeiro de 2021, durante o qual o candidato do Chega exibiu a foto de uma visita que o Presidente da República tinha feito àquele bairro cerca de dois anos antes.

O chefe de Estado aparecia na imagem com uma família que incluía um membro que já tinha tido problemas com a justiça, relacionados com desacatos, condução sob embriaguez e, segundo André Ventura, também com tráfico de droga. Na foto aparecia também uma criança do mesmo agregado familiar. Ventura acusou Marcelo de preferir ir ao bairro confraternizar com “bandidos” do que visitar os agentes policiais agredidos dias antes, durante confrontos com moradores. E acusou estas pessoas de terem vindo para Portugal “viver do Estado social”.

Ventura foi obrigado a pedir desculpas públicas à família Coxi e a publicar a condenação, a expensas suas, nos mesmos meios de comunicação social em que as declarações ofensivas foram originalmente divulgadas – na SIC, na SIC Notícias, na TVI e ainda na conta do Partido Chega no Twitter.

O líder do Chega ainda recorreu da decisão, mas o Supremo Tribunal de justiça recusou reapreciar a condenação. Assim, foi mantida a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que censurou o líder do Chega por ter discriminado a família Coxi, que não pediu qualquer indemnização, “em função da cor da pele e da sua situação socioeconómica”. O líder do partido de direita radical populista acabou por se retractar, mas sublinhou que só o fazia por obrigação, tendo mesmo afirmado que isso não equivalia a nenhum pedido de desculpa.

Veredicto

É falso que André Ventura "tenha vencido todos os processos em tribunal", como afirmou o líder do Chega na manhã desta sexta-feira. Em 2021, foi condenado em tribunal por ter ofendido a honra e o bom nome de uma família do Bairro da Jamaica.

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