Em 15 anos nasceram 170 linces-ibéricos em Silves. Nova app avisa quando se aproximam de estradas
Centro em Silves já foi o berço de 170 linces e a maioria foi reintroduzida na natureza. Reprodução tem de se manter até 2034. Nova app avisa da aproximação de animais em estradas onde há linces.
Desde 2009, ano em que abriu o Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico (CNRLI), em Silves, já ali nasceram 170 animais, dos quais 110 foram reintroduzidos na natureza, segundo o seu director, Rodrigo Serra. "Nestes 15 anos, nasceram no centro 170 animais. Destes, 132 sobreviveram mais de seis meses e 110 foram reintroduzidos [no campo], 17 dos quais em Portugal, o que representa quase um terço dos animais aqui libertados", referiu à Lusa o também coordenador do programa de reprodução do lince-ibérico em cativeiro.
Há 15 anos, a 26 de Outubro de 2009, Azahar chegava a Silves (distrito de Faro) para dar início ao programa de reprodução em cativeiro no país, marcando o regresso do lince-ibérico a Portugal, ao fim de 20 anos de desaparição. Desde então, devido ao trabalho deste e de outros centros em Espanha, a população de linces-ibéricos em Portugal, que era praticamente inexistente desde o final do século XX, alcançou os quase 300 exemplares, contou o coordenador do programa de reintrodução do lince ibérico em Portugal.
É no Vale do Guadiana, num território que abrange os concelhos de Serpa e Mértola, no distrito de Beja, e de Alcoutim, no distrito de Faro, que estes animais têm o seu habitat em Portugal, não havendo, para já, qualquer outro local em solo nacional com linces. No Vale do Guadiana está registada uma população de 291 linces, 10 anos depois de, em Dezembro de 2014, ter sido libertado naquela zona o primeiro casal de linces criados em cativeiro em Portugal: Jacarandá e Katmandu.
Segundo dados do censo ibérico realizado em 2023, a população de linces na Península Ibérica superou os 2000 exemplares, o dobro relativamente a 2020, havendo populações presentes em quatro comunidades autónomas espanholas: Estremadura, Castilla-La Mancha, Andaluzia e, mais recentemente, em Murcia.
Segundo João Alves, a partir de 2019, os animais atravessaram a ribeira do Vascão, por sua iniciativa, até Alcoutim, onde havia abundância de coelho-bravo e perdiz, "e fixaram-se, começaram a reproduzir-se e a constituir um pequeno núcleo, mas que faz parte do conjunto do Vale do Guadiana". De acordo com Rodrigo Serra, o caminho iniciado em 2009 teve muitos altos e baixos: "É uma estrada muito comprida."
"São números já muito expressivos, muito grandes, mas nós aqui temos a consciência de que somos necessários. A estratégia ibérica que está para aprovação implica criar oito novas populações de lince-ibérico à base de linces nascidos em cativeiro, principalmente, o que implica continuar a reproduzir ao mesmo nível até pelo menos 2034 para levar a espécie ao estatuto de 'não-preocupação'", observou.
Em Junho deste ano, a espécie passou do estatuto de "em perigo" para "vulnerável" na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa), um orgulho para quem, como Rodrigo Serra, trabalha de perto com estes animais.
Porém, há um trabalho que não pode ser descurado para assegurar a continuidade do sucesso do programa de reprodução em cativeiro: a necessidade de assegurar a diversidade genética dos linces, uma vez que o lince-ibérico é das espécies com menor diversidade genética do mundo. "Nós em cativeiro podemos controlá-la, desenhando os cruzamentos entre machos e fêmeas através de análise genética do seu grau de parentesco", explicou o especialista, referindo que, em média, "todos os linces são meios-irmãos uns dos outros".
Em meio natural, a solução foi começar a fazer translocações de linces, capturando alguns exemplares que já estão excessivamente representados em determinados núcleos populacionais e levando-os para outras populações para novamente misturar os genes.
A monitorização dos linces no campo tem sido feita no âmbito de projectos comunitários financiados pelo programa LIFE Lynxconnect, o que tem permitido também estabelecer conexões entre as populações, de modo a que os animais migrem espontaneamente de umas populações para as outras. O certo é que é o lince já não é um animal "fantasma" e pode até representar uma oportunidade para o desenvolvimento económico das regiões do interior, considera Rodrigo Serra, sublinhando que já há programas de turismo de natureza que permitem a sua observação.
Aplicação avisa da aproximação de animais em estradas com linces
Uma parceria entre as autoridades portuguesas e uma empresa que gere uma aplicação de trânsito está a desenvolver em algumas estradas do Algarve e do Alentejo um sistema de alerta de aproximação de linces-ibéricos para reduzir a mortalidade destes animais.
Em declarações à Lusa, João Alves explicou que a iniciativa reúne o LIFE Lynxconnect, a Infra-estruturas de Portugal (IP) e a plataforma Waze, que em conjunto querem minimizar os atropelamentos de linces nas estradas, um dos principais factores de mortalidade desta espécie por causas humanas.
Para já, o sistema está em funcionamento nas Estradas Nacionais (EN) 122 e 123 e no Itinerário Complementar (IC) 27, sendo os alertas accionados quase em tempo real, quando os animais entram nas áreas virtuais de território com 200 metros de largura, adjacentes às vias, para ambos os lados da faixa de rodagem.
"O sistema Waze emite um sinal ao condutor quando circula nessas estradas nos territórios onde existem linces. Se um lince se aproximar a menos de 200 metros de cada lado da estrada, recebe um sinal. Não diz que é um lince, mas diz que há um animal nas proximidades", referiu o coordenador do programa de reintrodução do lince ibérico.
O processo de comunicação utiliza um dispositivo que assenta em tecnologia de rede LoRa (acrónimo para "long range", em português longo alcance), uma tecnologia de rádio frequência que permite comunicação a longas distâncias com um consumo mínimo de energia.
É a sua interligação aos sensores presentes nas coleiras de seguimento dos felinos que permite que estes sejam localizados, no entanto, da população de quase 300 linces que habitam a zona do Vale do Guadiana, para já, apenas 12 têm coleiras com emissores LoRa.
"Nós conseguimos no ano passado colocar 12 coleiras já com os emissores e este ano vamos tentar colocar mais 30, em mais 30 animais", adiantou João Alves. Este projecto, sublinhou, é uma iniciativa de Portugal, que cedeu a Espanha uma coleira equipada com um emissor LoRa para ser testada na zona da Andaluzia.
Porém, para o sistema funcionar é preciso que as estradas onde existem linces tenham antenas próprias do sistema LoRa, já que este não funciona "com as mesmas antenas, a mesma frequência — o termo técnico são "gateways" —, que são colocadas aproveitando a torre onde estão os receptores dos sinais de telemóvel", esclareceu.
"A Infra-estruturas de Portugal e a e a Fundação Altice, que também colabora connosco, na cedência dos cartões GSM [Sistema Global para Comunicações Móveis], têm permitido a colocação dessas "gateways". Já temos três torres de telemóvel com as "gateways" do sistema LoRa na zona de Mértola e nas proximidades de Alcoutim", adiantou João Alves.
O objectivo é tentar instalar este ano e no próximo mais três antenas dessa frequência, de modo a que o território onde vivem os linces, no Vale do Guadiana, esteja coberto pelas antenas do sistema, para depois emitir os avisos aos condutores através da aplicação Waze.
Por outro lado, a IP tem vindo a criar sinalização e painéis informativos para os condutores limitarem a velocidade, e tem vindo também a melhorar as passagens hidráulicas que existem por debaixo das estradas nos locais onde se sabe que existem linces ou em troços de estrada onde já morreram alguns animais.
Paralelamente, têm sido colocadas vedações nos troços mais críticos, os chamados "pontos negros", de modo a evitar que os linces atravessem a estrada em cima da plataforma e utilizem as passagens hidráulicas, que são pequenos aquedutos onde corre um curso de água, explicou o responsável.