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A imigração na cova dos leões
A imigração precisa entrar na agenda política não só como um problema a ser resolvido, mas como uma oportunidade de crescimento econômico. A mudança que o país precisa não cairá do céu.
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As trombetas de Jericó soaram no Palácio de São Bento para anunciar a aprovação, em primeira análise, de novas medidas relativas à política de imigração em Portugal. Muitos celebraram esse resultado como um sinal dos céus. Porém, quando a esmola é demais, o santo desconfia, já diz o velho ditado.
A lista de promessas aos imigrantes é grande e estende-se até o cafundó de judas: regularização da situação daqueles que o país permitiu cruzassem as fronteiras sem a documentação adequada, mas que estão empregados e contribuindo financeiramente para o Estado, a emissão de cartões em conformidade com as normas do Espaço Schengen para titulares de autorização de residência da CPLP e outras medidas que pretendem corrigir o erro crasso de um Governo que extinguiu o mecanismo das Manifestações de Interesse de um dia para o outro, sem criar o adequado regime de transição. Quero crer que os humilhados serão, finalmente, exaltados, embora todos saibamos que santo de casa não costuma fazer milagre.
Mas essa mesma Assembleia da República, que aprovou as importantes providências acima mencionadas, rejeitou o referendo proposto por um determinado partido para perguntar à população se deveriam ser limitadas, por lei, o número de autorizações de residência emitidas a cidadãos estrangeiros anualmente, bem como se o país deveria implementar um sistema de quotas de imigração orientado de acordo com os interesses econômicos e necessidades do mercado de trabalho nacionais.
É bem verdade que talvez aquele partido não seja considerado o porta-voz mais popular para o tema, porém não se pode querer fugir destas perguntas como o tinhoso foge da cruz. Esqueçamos o mensageiro e foquemos na mensagem: separar a regularização dos imigrantes que já vivem no país do debate sobre a imigração é como querer apartar Cosme e Damião. Não há hipótese de correr bem.
Portugal precisa assumir o que pretende com a sua política imigratória. Neste caso, me arrisco a dizer que o maior pecado é justamente não dizer nada. Sem querer fazer o advogado do diabo — Deus nos livre —, mas será mesmo que a falta de clareza no que se refere aos propósitos do Governo com a imigração no país é obra e graça do acaso? Entre o leitor e eu, devo confessar: boto fé que não. E que isso fique entre nós.
A imigração precisa entrar na agenda política não só como um problema a ser resolvido, mas como uma oportunidade de crescimento econômico. A mudança que o país precisa não cairá do céu, por maior que seja a boa vontade Dele connosco. Deve-se ter vontade política. Essa mensagem é tão evidente que não é necessário ter fé para captá-la: a Faculdade de Economia do Porto, da qual sou orgulhosamente egresso, já cuidou de reconhecer, categoricamente, a dependência de Portugal em relação à imigração, por meio de um relevante estudo que divulgou recentemente. E se a fé fala, a ciência grita.
A votação final das medidas de correção da desastrosa extinção das Manifestações de Interesse terá lugar em dezembro. Mas devagar com o andor, pois o santo é de barro. Enquanto distrai a opinião pública com providências assessórias e que vão remediar um caos criado por ele mesmo, o Governo esquiva-se do verdadeiro debate sobre a estratégia imigratória que pretende para o país. Não há prelúdio de nova ladainha na cova dos leões e os poderosos, da missa, não sabem a metade. Aparentemente, há aqui causas que somente Judas Tadeu poderá resolver. Será ver para crer.