Caro leitor, cara leitora, 

Começo por vos recordar as preocupações que alguns alunos partilharam comigo em Março, no âmbito de um trabalho que fiz sobre a educação sexual nas escolas

Sentei-me com o Francisco, a Mariana, a Rita e a Joana, alunos de uma escola de Sintra, que me contaram a ideia que apresentaram ao orçamento participativo da sua junta de freguesia: ter, precisamente, “aulas de educação sexual para prevenir doenças e gravidez não planeada”.

Escreveram-no exactamente assim. Não o fizeram por piada, porque o tema é “fixe” ou porque queriam falar sobre sexo. Fizeram-no quando uma colega da idade deles – 15 anos – engravidou. Assistiram à forma como os colegas lhe apontaram o dedo, ao sofrimento por que passou em casa, ao isolamento que sofreu, enquanto a escola parecia fechar os olhos ao assunto. Sentiam falta de esclarecimentos, de alguém que lhes tirasse dúvidas. 

Na prática, queriam falar sobre gravidez na adolescência, sobre bullying e cyberbullying, sobre aborto, sobre igualdade de género, sobre violência no namoro. 

São jovens, como tantos outros, que consomem informação em séries, nas redes sociais, por toda a Internet, onde não há qualquer tipo de mediação. Na altura, perguntei-lhes se nunca tinham abordado estas questões, consideradas por muitos mais “sensíveis”, nas aulas de Cidadania. Disseram-me que não. A sexualidade era abordada apenas numa perspectiva mais biológica nas aulas de Ciências. De resto, pouco mais. Em Cidadania, o foco era “os direitos humanos”.

Por isso, reconheciam que era importante conversar sobre aqueles tópicos, mas também sobre diversidade e identidade de género — de “que também não se fala muito na escola”, onde chamar gay ou homossexual ainda é usado como um insulto, sobretudo pelos rapazes. “É um modo de atacar”, disse-me Francisco. 

Há quatro anos, a Cidadania já tinha sido motivo de discussão quando dois alunos de uma escola de Famalicão faltaram à disciplina durante um ano por decisão dos pais. Alegavam objecção de consciência aos temas que ali são leccionados e envolveram-se numa disputa judicial com o Ministério da Educação. 

Este domingo, a disciplina voltou a ser alvo de atenção, quando o primeiro-ministro, Luís Montenegro, fez da sua revisão uma das medidas prioritárias para o país: é preciso “reforçar o cultivo dos valores constitucionais e libertar a disciplina das amarras a projectos ideológicos e de facção”, disse, suscitando ruidosos aplausos. 

Em reacção a este anúncio, o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, resumiu assim a questão: “A disciplina de Cidadania não é um problema das escolas, nem nas escolas. É um problema dos políticos. Os problemas das escolas são a escassez de professores, as obras que estão por fazer.” E assumiu não ver “nada de ideológico” nos conteúdos que podem ser abordados na disciplina: empreendedorismo, bem-estar animal, direitos humanos ou sexualidade.

Quem contesta a disciplina argumenta que há matérias em que a escola não deve intrometer-se. Num mundo ideal talvez pudesse ser assim. Mas sabemos que há crianças e jovens que não terão acesso a informação contextualizada se não for a escola a proporcioná-la.

Provavelmente, a disciplina necessitará de uma revisão, até para que ganhe maior atenção por parte das escolas e se reforce o propósito para a qual foi criada: formar “adultos e adultas com uma conduta cívica que privilegie a igualdade nas relações interpessoais, a integração da diferença, o respeito pelos direitos humanos e a valorização de conceitos e valores de cidadania democrática”. 

Quem está nas escolas reconhece as falhas que existem, que reflectem outros problemas que enfrentam: professores cansados, sem tempo nem energia para preparar estas aulas, poucos recursos para as tornar mais atractivas. “Qual é a formação, qual é o tempo, quais são as condições dadas a estes professores para leccionar estes conteúdos da Cidadania? Quase nenhuns. É um trabalho adicional, de sobrecarga”, observou o secretário-geral da Federação Nacional da Educação, Pedro Barreiros. 

Muitos professores, notou ainda o sindicalista, acabam por deixar as “matérias mais sensíveis” para segundo plano, até porque conhecem os contextos em que trabalham. E deixou um recado: “Quando dizemos que queremos uma escola que é de todos, esta não é só dos professores, das direcções, dos alunos ou dos pais. É importante que estas decisões do currículo possam ser tratadas internamente e que haja menos Estado.” 

O ministro da Educação, Fernando Alexandre, já disse que a revisão da disciplina se insere numa avaliação mais ampla que está a ser feita aos conteúdos curriculares. Mas que a sua continuidade não estará em risco, embora deva ser alterada porque há matérias que "não são consensuais" e têm gerado desconforto nalgumas famílias. 

Enquanto se foca a discussão pública na revisão do currículo de uma disciplina, há 450 escolas a precisar de obras e milhares de alunos ainda continuam sem aulas.

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