Planeta pode aquecer até 3,1 graus em 2100 no ritmo actual de emissões. Um aumento “catastrófico”

Relatório das Nações Unidas diz que para manter viva a meta dos 1,5 graus Celsius os países terão de cumprir o compromisso de reduzir 42% das emissões anuais até 2030 e 57% até 2035.

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O relatório Emissions Gap Report é publicado pela agência das Nações Unidas há 15 anos Paulo Pimenta
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A trajectória actual em termos de emissões de gases com efeito de estufa “levará a um aumento catastrófico da temperatura de 3,1 graus Celsius” até 2100 – ou seja, muito acima dos 1,5 graus Celsius ambicionados pelo Acordo de Paris. Para manter viva essa meta, os países terão de comprometer-se a reduzir, num esforço conjunto e “imediato”, 42% das emissões anuais de gases com efeito de estufa até 2030 e 57% até 2035. Esta é uma das principais mensagens deixadas no relatório Emissions Gap Report 2024, divulgado nesta quinta-feira pela agência das Nações Unidas para o ambiente (UNEP, na sigla em inglês).

“Este relatório mostra que continua a ser possível – pelo menos tecnicamente – seguir o caminho dos 1,5 graus Celsius. Uma maior implantação das tecnologias solares fotovoltaicas e da energia eólica poderá proporcionar 27% do potencial total de redução das emissões em 2030 e 38% em 2035. As acções no domínio das florestas poderão permitir atingir cerca de 20% do potencial em ambos os anos. Outras opções incluem medidas de eficiência energética no sector industrial, dos transportes e dos edifícios”, afirma Inger Andersen, directora da UNEP, no prefácio do documento.

O facto de Inger Andersen afirmar que a exequibilidade da meta do Acordo de Paris é possível não quer dizer que é provável. Todo o tom do relatório é de urgência. É necessário, por exemplo, aumentar “seis vezes o investimento em mitigação” climática”, com uma “forte acção do sector privado”. Precisaremos ainda de uma “mobilização global liderada pelo G-20” e de uma ambição “sem precedentes” nos compromissos climáticos de cada país – que, no relatório, são designados por “contribuições nacionalmente determinadas” (NDC, na sigla inglesa).

As NDC consistem em promessas que cada nação faz voluntariamente com o objectivo de reduzir gases com efeito de estufa. No caso específico da União Europeia, os 27 países apresentam uma meta conjunta de corte de emissões. Haverá agora uma nova ronda em que cada nação vai actualizar os seus compromissos climáticos, cujos novos valores deverão ser apresentados já no início de 2025, antes da COP30, que decorrerá no Brasil.

Há 15 anos, o Emissions Gap Report analisa e calcula como a definição e os atrasos das políticas climáticas anunciadas podem influenciar o aquecimento global do planeta. Na edição deste ano, intitulada Chega de ar quente… por favor!, os autores frisam que se houver falta de ambição nos novos NDC ou se os países tardarem a cumprir aquilo que prometeram, a meta do Acordo de Paris “desaparecerá dentro de alguns anos”, refere uma nota de imprensa. E o planeta estará exposto a um aumento da temperatura média global de 2,6 a 3,1 graus Celsius.

O relatório indica que, se começarmos a reduzir as emissões hoje, seria necessária uma diminuição anual de 4 a 7% para cumprir os objectivos do Acordo de Paris. Se procrastinarmos até 2030, a taxa de redução terá de ser entre 8 a 15 % ao ano. Os dados actuais mostram, contudo, que as emissões estão a aumentar, sugerindo que muitas nações preferem adiar as reduções de carbono mesmo que isso signifique cortes maiores no futuro.

“Estas percentagens de redução ilustram o custo da perda de tempo. Com cada ano de atraso nas reduções de emissões, as reduções subsequentes têm de ser mais acentuadas para se manterem dentro do mesmo limite de temperatura. O Acordo de Paris é claro quanto ao que espera que os países façam. Cada compromisso sucessivo deve representar a “maior ambição possível” de um país. Para determinar onde reside essa ambição, os políticos devem equilibrar o que é tecnicamente possível com o que consideram viável, mas é evidente que isto significa que não deve ficar pedra sobre pedra para aumentar a ambição da próxima ronda de NDC”, afirma ao PÚBLICO Joeri Rogelj, professor de ciência climática do Imperial College London, no Reino Unido.

Pico histórico de emissões

As emissões de gases com efeito de estufa alcançaram no ano passado um pico histórico de 57,1 mil milhões de toneladas, o que significa um aumento de 1,2% face ao ano anterior. Trata-se de um retrocesso: voltámos ao ritmo de crescimento pré-pandemia.

“Com um fosso de emissões de cerca de 50% até 2030, qualquer atraso adicional aumenta o esforço futuro exigido, agravando também os impactos climáticos, que serão cada vez mais inevitáveis”, alerta Joana Portugal Pereira, uma das autoras-líderes do quarto capítulo do relatório, num comentário enviado ao PÚBLICO.

A investigadora considera que “a ausência de progresso” na ambição e na acção climática “é extremamente preocupante”, porque indica que os líderes políticos não estão a envidar esforços suficientes para reduzir o envio de carbono para a atmosfera.

“Os próximos meses serão decisivos, à medida que se aproxima o prazo para os países assumirem novos compromissos climáticos (NDC) que estabelecem os objectivos de emissões para 2035. O relatório mostra, de forma encorajadora, que os avanços tecnológicos, em particular os das energias eólica e solar, permitem limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius a custos viáveis. Mas sem mudanças significativas e sistémicas, e sem um maior apoio financeiro aos países em desenvolvimento, a possibilidade de garantir um futuro habitável continuará a diminuir”, afirma Taryn Fransen, directora de ciência, investigação e dados do World Resources Institute, numa nota enviada ao PÚBLICO.