A viver nas margens do rio Marañón, no Peru, a líder indígena Mari Luz Canaquiri viu a natureza morrer e as reservas de peixe diminuírem depois de os frequentes derrames de petróleo terem envenenado a terra intocada dos seus antepassados na floresta amazónica peruana.
Mas em vez de se focar na limpeza, Canaquiri e outras mulheres indígenas Kokamas (Cocamas) recorreram à lei, obtendo uma decisão histórica, em Março, que reconheceu o rio Marañón como uma entidade viva com direitos inerentes.
Na primeira decisão histórica no Peru, o tribunal decidiu que o Marañón – uma das mais importantes fontes de água doce do país, que liga os Andes à Amazónia – tem o direito de ser protegido e de fluir sem poluição.
"O rio é vida, dá-nos vida e, ao proteger o nosso rio, estamos a defender a vida e a nossa segurança alimentar para os nossos filhos e para as gerações futuras", comenta Canaquiri.
A líder falou à Fundação Thomson Reuters durante a cimeira da COP16 da Organização das Nações Unidas (ONU), que decorre durante duas semanas na cidade colombiana de Cali e onde cerca de 200 países debatem medidas para salvaguardar a natureza actualmente ameaçada.
A biodiversidade está a diminuir a um ritmo acelerado, principalmente na América Latina e nas Caraíbas, que viram as suas populações de animais selvagens registadas diminuírem 95% entre 1970 e 2020, de acordo com um relatório recente do Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
A perda de habitat é um dos principais motivos dessa diminuição, daí o impulso para os rios e os ecossistemas ao abrigo das leis dos Direitos da Natureza (em inglês, Rights of Nature) e para dar suporte às populações indígenas e às comunidades locais que estão na linha da frente da protecção das suas terras.
Os ambientalistas presentes na COP16 estão a incentivar os oito países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname) que abrigam a bacia amazónica – local da maior floresta tropical do mundo e uma das regiões com a maior biodiversidade do planeta – a encará-la como uma entidade única com direitos sobre a natureza.
"Precisamos de pensar em novas ferramentas legais para proteger o meio ambiente e parar a degradação", comenta Javier Ruiz, advogado ambiental da Earth Law Center, que apoiou os Cocamas a entrar com uma acção judicial contra o governo do Peru e a empresa estatal de petróleo Petroperu, devido aos derrames de petróleo, em 2021.
O advogado está agora a trabalhar num caso com um grupo indígena peruano para atribuir os direitos naturais a uma espécie de abelha nativa da qual dependem para produzir mel. "Essas ferramentas legais existem para a América Latina e para o mundo. O Peru e outros países já mostraram que é possível", conclui Ruiz.
As vitórias latino-americanas
A decisão do Peru deste ano segue-se ao que os advogados ambientais saudaram em 2021 como a primeira vitória do mundo em tribunal dos "direitos da natureza", depois de os juízes do Equador terem impedido um projecto de alagamento de estradas de despejar uma grande quantidade de rochas e material de escavação no rio Vilcabamba.
Na Colômbia, um dos países com maior biodiversidade do mundo, mais de 20 rios ganharam o direito legal de existir e crescer livremente, incluindo o rio Atrato, após uma decisão histórica do Tribunal Constitucional em 2016.
Dois anos mais tarde, o mesmo tribunal reconheceu a Amazónia colombiana como uma "entidade com direitos", o que significa que a floresta tropical passou a ter os mesmos direitos legais de um ser humano.
"Na prática, os direitos da natureza têm que ver com a representação da natureza no centro do sistema jurídico", explica Grant Wilson, director do Earth Law Center, um grupo de advogados ambientais focado em garantir os direitos legais da natureza.
"O estatuto da maioria dos sistemas jurídicos é que podemos tirar e tirar e explorar e explorar até ao ponto em que a natureza está à beira do colapso", comenta.
Embora o movimento pelos direitos da natureza esteja a crescer rapidamente, transformar as vitórias nos tribunais em acções é difícil, uma vez que exige às autoridades governamentais a interpretação e implementação das decisões dos tribunais.
No caso das decisões sobre o rio Atrato e a floresta amazónica da Colômbia, um estudo de 2023 afirma que as autoridades "fogem às responsabilidades" ao não cumprirem as decisões judiciais, uma que vez a extracção ilegal do ouro continua a contaminar o rio.
Luta pelos direitos da Amazónia
Os ambientalistas esperam que um processo judicial bem-sucedido na América Latina possa ajudar a conquistar os direitos para toda a floresta amazónica, onde a exploração ilegal de ouro é um dos principais factores de perda da floresta.
A protecção da floresta tropical é vital para travar as alterações climáticas, tendo em conta que as grandes quantidades de carbono armazenadas nas árvores e nos solos impedem a libertação de dióxido de carbono para a atmosfera e provocam o consequente aquecimento do planeta.
"A Amazónia é uma entidade viva com direitos inerentes que têm de ser reconhecidos. É um bioma", referiu Natalia Greene, directora-geral da Aliança Global para os Direitos da Natureza, numa audiência de académicos e políticos na COP16, nesta semana. "As pessoas estão prontas para a ir a tribunal por isto", expôs Greene, cuja campanha ajudou o Equador, o seu país natal, a tornar-se a primeira nação a proteger a natureza na sua Constituição.
Em 2010, a Bolívia seguiu o exemplo e consagrou uma visão mais abrangente dos direitos da natureza na sua Constituição. Embora o Brasil e a Colômbia tenham feito alguns progressos nesta matéria, reduzindo taxas de desflorestação da Amazónia, proteger os seus frágeis e vitais ecossistemas é mais urgente do que nunca.
Os cientistas afirmam que as alterações climáticas, a desflorestação, os incêndios e a acção humana estão a empurrar a floresta para um ponto sem retorno. "Se a Amazónia atinge um ponto de rotura, estamos condenados enquanto espécie. Não há maneira de arrefecer o planeta se não cuidarmos do bioma", conclui Greene.