Montenegro admite “endurecer” resposta aos distúrbios. Marcelo quer evitar “escalada”

O PS e o Livre pediram audições à ministra da Administração Interna sobre a morte de Odair Moniz e o BE e o Livre enviaram questões, inclusive sobre o alegado arrombamento da casa da família.

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Odair Moniz, cidadão de 43 anos residente no bairro do Zambujal, morreu alvejado pela PSP Nuno Ferreira Santos
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Da Presidência da República aos partidos, foram vários os actores políticos que reagiram nesta quarta-feira aos protestos em Lisboa, após a morte de Odair Moniz, alvejado mortalmente por um agente da PSP, na Cova da Moura. Garantindo que o Governo está a mobilizar "todos os recursos" para conter os incidentes, o primeiro-ministro admitiu "endurecer" a contenção policial. E o Presidente da República, que assegura estar a "acompanhar atentamente" os distúrbios, pediu que se evite uma "escalada" de violência. Também os partidos apelaram à tranquilidade, pedindo que se reponha a normalidade e se esclareçam as circunstâncias em torno da morte da vítima e dos acontecimentos posteriores.

Logo de manhã, numa nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "tem vindo a acompanhar, atentamente" e "em contacto com o Governo e os presidentes das câmaras municipais da Amadora e de Oeiras, os acontecimentos das últimas 48 horas". E "lembra três pontos que considera essenciais". Primeiro, que "a segurança e a ordem pública são valores democráticos cuja preservação importa garantir, em particular, através do papel das forças de segurança".

Em segundo lugar, aponta que "essa garantia tem de respeitar os princípios do Estado de direito democrático, designadamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como fazer cumprir os respectivos deveres". E, por fim, defende: "A nossa sociedade, apesar dos problemas sociais, económicos, culturais e as desigualdades que ainda a atravessam, é uma sociedade genericamente pacífica e assim quer continuar a ser, sem instabilidade e, muito menos, violência."

Já em declarações à RTP, o chefe de Estado apelou a que "os problemas que há a resolver sejam resolvidos, não por via da instabilidade" e que não se entre numa "escalada" de violência "porque não é boa para ninguém, sobretudo, para a generalidade dos portugueses".

"Espero e desejo, como evolução normal dos desenvolvimentos, que seja possível pela conjugação do Estado, dos autarcas, do poder local, das associações de moradores, das pessoas que vivem nesses bairros, que aí fazem a sua actividade do dia-a-dia, que todos façam o que estiver ao seu alcance para evitar o aumento da instabilidade social, nomeadamente, a violência", concluiu.

Não colidir manifestação com tranquilidade

Horas mais tarde, o primeiro-ministro garantiu que o Governo está a mobilizar "todos os recursos" para responder aos distúrbios e defendeu que "não podemos tolerar de forma nenhuma a violência", admitindo "endurecer a contenção" policial, se necessário. Com elogios à competência das forças de segurança, Luís Montenegro frisou que as pessoas devem "colocar as suas preocupações e revoltas ao poder político", mas "dentro do quadro legal", e pediu que impere o "bom senso e o respeito pelos cidadãos e a ordem pública".

Falando aos jornalistas em Faro, o líder do executivo revelou que o Governo reuniu o Sistema de Segurança Interna e que tem "coordenado o diálogo entre as forças e serviços de segurança" para "acompanhar a situação e garantir que não há colisão entre o direito das pessoas de se manifestarem e a tranquilidade pública e a mobilidade das pessoas em segurança".

Montenegro divulgou também que haverá uma reunião com os autarcas da Área Metropolitana de Lisboa, nesta quinta-feira, para "aprofundar a melhor maneira de suster os episódios de violência", assim como estabelecer um "diálogo entre o Governo, as forças de segurança e as comunidades", em particular, de "alguns bairros onde os problemas sociais são conhecidos e merecem a nossa intervenção”. O PÚBLICO apurou que vão estar presentes nessa reunião a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, e o ministro da Presidência, António Leitão Amaro.

Quanto à morte do Odair Moniz, o primeiro-ministro referiu que "parte do princípio" de que as forças de segurança "actuam dentro de um critério de razoabilidade e legalidade", mas considerou que é preciso "aguardar com serenidade" pelo inquérito para apurar o que aconteceu. "Garantiremos o cumprimento da lei, qualquer que seja o desfecho", assegurou, acrescentando que o executivo "não deixará de escrutinar actos de violência seja de quem for", nomeadamente, de um "servidor do Estado". Montenegro diz, contudo, que aquilo que tem visto é "o contrário": "As pessoas a irem para a rua desrespeitarem as regras e promoverem a violência."

Da solidariedade às críticas à polícia

Quem também reagiu aos incidentes decorrentes da morte de Odair Moniz, cidadão de 43 anos residente no bairro do Zambujal, foi o líder parlamentar do PSD. Hugo Soares, que garantiu que o PSD não faz generalizações, considerou que "os desacatos devem ser chamados à lei e à justiça" e, embora tenha admitido que as "excepcionalidades devem ser investigadas", defendeu que as forças de segurança "actuam sempre no quadro da legalidade", tendo optado por "prestar solidariedade, gratidão e reconhecimento" às mesmas. O social-democrata condenou também "aqueles que se querem aproveitar do que está a acontecer", referindo-se aos "extremos" da esquerda à direita, mas sem nomear forças políticas.

Pelo PS, Alexandra Leitão pediu "pacificação" para "resolver os problemas de forma correcta e sem tensões exageradas". A líder parlamentar lamentou a morte da vítima e defendeu que "é preciso apurar todas as circunstâncias" sobre a mesma, mas também "investigar e responsabilizar os que tiveram intervenção" nos desacatos. Quer ainda saber "o que se está a fazer para trabalhar com aqueles bairros e pessoas", pedindo que não se confundam estes incidentes com os moradores dos bairros.

Alexandra Leitão criticou o Governo por não ter nomeado a liderança do Sistema de Segurança Interna, nem ter dado continuidade às políticas do anterior executivo sobre estas comunidades, algo que diz ter de ser feito a par e passo com o trabalho das forças de segurança. O PS vai, por isso, chamar a ministra da Administração Interna ao Parlamento.

Por outro lado, o presidente do Chega defendeu a actuação da polícia, considerando que o agente da PSP que baleou mortalmente a vítima "fez o que tem de ser feito". Com críticas à atitude do Governo, André Ventura argumentou que é preciso dar um "sinal político" de "tolerância zero" para com os incidentes e às forças de segurança, que diz terem "medo de actuar" por receio de "processos disciplinares".

O líder da Iniciativa Liberal, por sua vez, defendeu que, “independentemente dos factos que vierem a ser apurados”, as “emboscadas às forças policiais” e os “motins e actos de vandalismo” são “um ataque directo ao Estado de direito totalmente inaceitável”. Numa publicação nas redes sociais, Rui Rocha pediu que as autoridades reponham a “ordem pública”, garantam a “segurança de pessoas e bens” e ponham fim à “anomalia” das “zonas sem lei e bairros interditos”. E, tal como Hugo Soares, criticou as “forças radicais” de esquerda e de direita, sem as nomear, por se comportarem como “pirómanos políticos”.

Já o líder parlamentar do Bloco de Esquerda defendeu que é preciso esclarecer os acontecimentos em torno da morte de Odair Moniz e da alegada "invasão" da casa da sua família por parte da PSP, que classificou como "uma atitude incendiária" e sobre a qual enviou perguntas ao Ministério da Administração Interna.

Fabian Figueiredo argumentou que é preciso "uma polícia sintonizada com o Estado de direito" e saudou a nota do Presidente da República, concordando com a necessidade de garantir a "paz", algo que diz passar por "tratamento igual" dos cidadãos racializados — que lembrou terem mais probabilidade de ser mortalmente atingidos pela polícia — e por "não ter atitudes incendiárias".

Também o PCP quer o "apuramento" das circunstâncias e das "responsabilidades" no caso em apreço e repudia "quaisquer actos de violência". O deputado António Filipe pede "calma e serenidade" às populações, mas também uma "actuação policial adequada e proporcional". E defende que, tal como "não se pode condenar à partida a intervenção policial, também não podemos presumir que correu tudo bem".

Pelo Livre, o deputado Paulo Muacho criticou Margarida Blasco por "acicatar os ânimos" e "utilizar uma linguagem de força bruta e de reposição à força da ordem pública". Citado pela Lusa, o parlamentar sustentou ainda que "deve haver a capacidade de a situação serenar e é preciso também perceber o que está a falhar". Também o Livre vai chamar ao Parlamento a ministra da Administração Interna e já enviou uma questão ao seu gabinete sobre a alegada entrada da polícia na casa da família da vítima.

Já a porta-voz do PAN apelou "à paz social, à reposição daquilo que é a calma e a ordem num Estado de direito democrático", considerando que "não é através destes episódios e deste tumulto social que vamos combater" as "desigualdades estruturais". Citada pela Lusa, Inês Sousa Real defendeu que "seja investigado o processo, se apurem as responsabilidades", mas sem cedências "ao populismo", como acusa "algumas forças políticas" de o terem feito.

Notícia actualizada com declarações do primeiro-ministro e novo título

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