Nestas eleições moçambicanas de 9 de Outubro de 2024 jogou-se a Presidência da República, a Assembleia da República e as Assembleias Provinciais (bem como os seus governadores). É comum, em contextos com menos capacidade e recursos, fazerem-se várias eleições em simultâneo, já que isso permite uma espécie de economia de escala, diminuindo os custos por eleitor.
A tranquilidade com que decorrem as eleições em Portugal faz-nos esquecer que votar ainda não é seguro em todo o lado. Cinco anos após o assassinato de Anastácio Matavel, em vésperas de eleições gerais anteriores, Moçambique foi novamente a eleições num contexto de desconfiança e de receio diante da violência de eleições recentes passadas.
Para já, os resultados preliminares parecem apontar para a (esperada) vitória da Frelimo (o partido que está no poder há 49 anos, desde a descolonização portuguesa), ainda que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tenha 15 dias para anunciar os resultados oficiais, que depois têm de ser validades pelo Conselho Constitucional (CC). Curiosamente, a campanha eleitoral decorreu de forma geralmente pacífica, como atesta o relatório preliminar da Missão de Observação Eleitoral da UE (MOE UE) e a informação recolhida pelo PÚBLICO.
Só que essa tranquilidade foi afectada por um evento de violência que envolveu os apoiantes do candidato Venâncio Mondlane e a polícia, quando aquele estava em visita a Nampula (considera a "capital" do Norte de Moçambique), e que resultou em quatro detidos e um ferido grave.
No rescaldo desses eventos, o candidato apoiado pelo Podemos e que havia sido rejeitado pela Renamo (a segunda força política até estas eleições, com uma estratégia armada até 2019, ano em que entregou as armas), convocou uma greve nacional geral para dia 21 de Outubro, com vista ao repúdio da manipulação eleitoral. Após esse anúncio, feito na quarta-feira, dia 16 de Outubro, e num contexto de crescente desconfiança de fraude eleitoral, o advogado de Venâncio Mondlane, Elvino Dias, e o mandatário do Podemos, Paulo Guambe, foram mortos a tiro numa emboscada este sábado, dia 19 de Outubro.
Este acto hediondo vem manchar um processo eleitoral que estava a correr de forma excepcionalmente pacífica, tendo em conta o historial moçambicano, e vem também diminuir as expectativas de avanços democráticos e de respeito pelos direitos humanos naquele país, dando a indicação à oposição de que não é possível uma transferência pacífica de poder.
No que pareceu ser uma tentativa de credibilizar o processo, em Agosto deste ano foi alterada a lei eleitoral. O novo pacote eleitoral surgiu demasiado próximo destas eleições de Outubro, o que afectou a segurança jurídica e a estabilidade do processo eleitoral. Todavia, incluía várias alterações positivas, tais como o local de apuramento passar a ser em cada assembleia de voto ou a permissão de observadores e meios de comunicação assistirem ao apuramento de resultados geral e distrital, como relata o Instituto para Democracia Multipartidária (IMD) .
Em todo o caso, o processo eleitoral foi marcado por inúmeros exemplos de fraude, incluindo nos domínios que foram alvo de alterações: houve mesas a contar os votos às escuras e observadores impedidos de assistir a contagens. Houve outros exemplos, como o facto de a maioria dos membros das mesas de voto ser funcionária pública ou membro da Frelimo ou um aumento de 30% nos cidadãos recenseados, quando a população adulta cresceu apenas 17% .
Um resultado da prevalência de fraude, além da descredibilização do processo eleitoral é a menor participação: 43% é o valor mais baixo de sempre em eleições gerais. Há, todavia, uma vitória a declarar. Ainda que seja considerada como “reprimida”, desde 2020, segundo a classificação da CIVICUS (uma organização que procura monitorizar e fortalecer a sociedade civil, definida de forma ampla), a sociedade civil conseguiu organizar-se para trazer mais transparência às eleições, denunciando inúmeros exemplos de fraude, manipulação, intimidação e abuso eleitoral.
O trabalho destes actores faz com que seja possível acreditar que a democracia, os direitos humanos e as eleições íntegras não estão órfãos, mas ainda têm espaço para florescer em Moçambique.