Ursos polares estão mais expostos a vírus e bactérias à medida que o Árctico aquece

A exposição dos ursos polares a agentes patogénicos no mar de Chukchi, no Árctico, está a aumentar à medida que o gelo marinho derrete e o ecossistema se transforma, sugere estudo da Plos One.

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Urso polar (Ursus maritimus) deitado para se secar depois de um mergulho no mar de Chukchi, no Árctico Brian Battaile/Serviço Geológico dos Estados Unidos
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Em apenas três décadas, a crise climática deixou os ursos polares mais expostos a diferentes agentes que causam doenças, sugere um estudo publicado esta quarta-feira na revista científica Plos One. O degelo e outras mudanças ambientais em curso no Árctico – que está a aquecer a um ritmo quatro vezes mais rápido do que a taxa global – estão a criar novas oportunidades para vírus, bactérias e parasitas infectarem a vida selvagem na região.

“Documentámos alguns dos níveis mais elevados de exposição a agentes patogénicos no caso dos ursos polares e algumas das taxas mais elevadas de alteração da exposição. Esta é a terceira população em que as alterações na exposição a agentes patogénicos foram examinadas e, à semelhança dos dois estudos anteriores, no mar de Beaufort do Sul e na baía de Hudson Ocidental, a exposição a agentes patogénicos aumentou. Isto sugere que muitas populações de ursos polares podem estar a sofrer uma maior exposição a agentes patogénicos”, explica ao PÚBLICO a cientista Karyn Rode, que liderou o estudo ao lado da co-autora Caroline van Hemert.

Os investigadores examinaram amostras de sangue de ursos polares do mar de Chukchi colhidas em duas fases distintas (no período de 1987 a 1994 e de 2008 a 2017). “Ter dois conjuntos de amostras recolhidas ao longo de três décadas foi, de facto, uma grande oportunidade. As amostras do período inicial foram recolhidas para investigação e devidamente arquivadas em congeladores de baixa temperatura, o que manteve a sua integridade para estas análises”, refere Karyn Rode.

O maior desafio foi, segundo esta bióloga da vida selvagem, a obtenção das amostras mais recentes, a partir de 2008. Esta operação exigiu o uso de “aeronaves sobre o gelo marinho para localizar e recolher amostras de ursos polares por vezes até a 100 milhas da costa [perto de 19okm]”.

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Bióloga Karyn Rode recolhe amostras de sangue de um urso polar no Árctico em 2008 Serviço Geológico dos Estados Unidos

O objectivo era procurar anticorpos que indicassem a presença de seis agentes patogénicos. Cinco dos seis agentes patogénicos testados revelaram-se frequentes nas amostras da fase mais recente: os parasitas que causam a toxoplasmose (Toxoplasma gondii) e a neosporose canina (Neospora caninum), as bactérias que causam a febre do coelho (Francisella tularensis) e a brucelose (Brucella abortus) e o vírus da cinomose canina.

“Embora os ursos polares estejam cada vez mais expostos a agentes patogénicos, estes não estão a causar doenças agudas que sejam prejudiciais à saúde da espécie. No entanto, a exposição a agentes patogénicos pode servir como um factor de stress adicional que poderá afectar os ursos polares no futuro”, contextualiza Karyn Rode, numa resposta por escrito.

A proporção de ursos que apresentou anticorpos mais do que duplicou para três destes agentes patogénicos, sendo superior aos níveis registados em populações de ursos polares noutras geografias. O aumento na prevalência destes agentes patogénicos na espécie constitui uma das mais dramáticas mudanças alguma vez registadas nesse domínio, refere uma nota de imprensa da Plos One.

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Cientistas já examinaram exposição a agentes patogénicos em outras duas populações, incluindo a do mar de Beaufort do Sul Serviço Geológico dos Estados Unidos/DR

Apesar deste novo cenário em termos de saúde populacional, a condição corporal, a reprodução e a sobrevivência das crias de urso polar no mar de Chukchi mantêm-se estáveis. A maior exposição aos agentes patogénicos constitui, assim, um factor de stress ambiental preocupante, mas, para já, ainda não teve impacto na dinâmica da população.

Doenças transmissíveis aos humanos

“Os nossos resultados sugerem a necessidade de melhorar a vigilância de doenças nos ursos polares e noutras espécies do Árctico, bem como de investigar o potencial de transmissão aos seres humanos através da caça de subsistência nas comunidades do Norte”, afirma Karyn Rode, que é bióloga da vida selvagem do Centro de Ciência do Alasca do Serviço Geológico dos Estados Unidos.

Os habitantes do Árctico recorrem por vezes aos ursos polares como fonte de proteína animal. Como muitos dos agentes patogénicos referidos no estudo da Plos One podem ser transmitidos para os seres humanos, os investigadores acreditam que está aqui em causa não apenas a saúde dos predadores de topo no Árctico, mas sim “uma só saúde”, ou seja, do cruzamento da saúde animal, humana e ambiental.

O estudo mostra como factores ambientais, tais como a temperatura, a chuva e a hidrologia, podem afectar os ciclos de vida dos parasitas e dos agentes patogénicos. Num cenário de crise climática, os ursos polares (Ursus maritimus) enfrentam a diminuição do gelo marinho e, como consequência, têm de explorar habitats terrestres. Isto significa que este predador de topo vai passar a privar com espécies com as quais não tinham contacto antes.

Os cientistas estudaram ainda os factores que aumentavam o risco de exposição dos ursos, percebendo que este variava em função da dieta e era mais elevado nas fêmeas do que nos machos. O facto de as fêmeas grávidas se refugiarem em terra para cuidar das crias pode ser uma hipótese para explicar este resultado.

“Do mesmo modo, as deslocações para norte da área de distribuição de algumas aves migratórias e mamíferos têm o potencial de alterar a dinâmica das comunidades e, por conseguinte, a ecologia das doenças. A fauna selvagem serve frequentemente de reservatório e contribui para a circulação de agentes patogénicos a grandes distâncias através da migração”, lê-se no estudo.