Trump prometeu rasgar leis do clima. Lobbies do petróleo têm planos prontos

A duas semanas das eleições presidenciais dos EUA, foram divulgados documentos com projectos para reverter as políticas climáticas da administração Biden. Os autores são empresas de petróleo e gás.

Foto
Donald Trump cortejou agressivamente o apoio e o dinheiro das petrolíferas Carlos Barria/REUTERS
Ouça este artigo
00:00
11:58

Um influente grupo da indústria do petróleo e do gás, cujos membros Donald Trump cortejou agressivamente para obter fundos para a sua campanha eleitoral, elaborou planos pormenorizados para desmantelar a regulamentação climática posta em prática pela administração Joe Biden se ganhar as eleições presidenciais de 5 de Novembro.

Os planos, obtidos pelo The Washington Post, foram elaborados pelo Conselho Americano de Exploração e Produção, ou AXPC, um grupo de 30 empresas produtoras de petróleo e gás natural, incluindo várias grandes companhias petrolíferas. Revelam um esforço abrangente da indústria de combustíveis fósseis para reverter as iniciativas climáticas avançadas durante os últimos quase quatro anos de liderança democrata. Ao mesmo tempo, os documentos contêm dados confidenciais que mostram que as iniciativas voluntárias da indústria para reduzir as emissões ficaram aquém do esperado.

O projecto de lobbying visa especialmente um novo imposto sobre as emissões de metano, um gás que a Agência Internacional de Energia (AIE) diz ser responsável por quase um terço do aquecimento global provocado pelo homem. Os documentos mostram que as quantidades relativas de gás natural, incluindo o metano, queimado por nove das 19 empresas associadas da AXPC que responderam a um inquérito interno estão a aumentar - em muitos casos, de forma acentuada. A AXPC afirmou que 11 outras empresas associadas tinham eliminado essas emissões.

Estes planos estão expostos em documentos distribuídos a um vasto grupo de executivos nas reuniões da direcção da AXPC, em Abril e Agosto. Exigem também a revogação de mais de meia dúzia de ordens executivas que estão no centro dos esforços da administração Biden para combater as alterações climáticas. No seu conjunto, os objectivos do grupo equivalem a um retrocesso monumental de alguns dos instrumentos federais mais agressivos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

Os documentos foram obtidos pela Fieldnotes, um grupo de investigação que se dedica às alterações climáticas, e fornecidos em exclusivo ao Washington Post, que verificou a sua autenticidade. Partes do roteiro foram anteriormente divulgadas pelo AXPC, incluindo os seus apelos q que seja liberalizada a produção e exportação de gás natural liquefeito.

Promessas públicas, vícios privados

Embora a AXPC afirme que irá prosseguir com as reversões independentemente de quem ganhar as eleições de Novembro, quase todas as políticas que visa eliminar e reescrever foram promulgadas pela administração Biden. Trump tem classificado as alterações climáticas como "uma farsa" e mostrou vontade de abraçar a agenda da indústria, prometendo políticas favoráveis, ao mesmo tempo que apelou às empresas de combustíveis fósseis para que fizessem grandes donativos à sua campanha.

Foto
Os documentos mostram que as quantidades de gás natural, incluindo o metano, queimado por nove das 19 empresas associadas da AXPC estão a aumentar NICK OXFORD/REUTERS

A agenda contrasta com as promessas públicas que vários membros da AXPC fizeram aos seus investidores e clientes para apoiar uma regulamentação agressiva do metano e alinhar-se com o acordo de Paris de 2016 sobre as alterações climáticas, que visa reduzir as emissões globais de forma a limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius acima dos valores da temperatura média do planeta antes da Revolução Industrial.

O plano de acção da AXPC prevê a eliminação de uma nova taxa sobre as emissões de metano que, segundo muitos rssponsáveis da administração federal e académicos da área do ambiente, é crucial para obrigar as empresas a reduzir a queima de metano, um processo através do qual o gás é queimado em vez de ser retido e utilizado como energia.

Mark Bednar, vice-presidente de comunicações do grupo da AXPC, disse que o lobby apoia a regulamentação do metano, mas opõe-se à taxa. "Os dados mostram que os EUA lideram o mundo na redução de emissões devido à produção responsável de petróleo e gás natural. Temos todo o gosto em envolver qualquer organização que queira ter uma conversa séria sobre factos, ciência e soluções reais", afirmou Bednar, citado num comunicado.

Pagador de promessas às petrolíferas

O aparecimento dos planos da AXPC segue-se a um jantar de primavera no clube de Trump em Mar-a-Lago, na Florida, durante o qual o antigo presidente prometeu inverter a transição energética e cancelar a regulamentação federal, de acordo com pessoas que estiveram presentes neste evento. Executivos da ExxonMobil, da ConocoPhillips e de três outras empresas da AXPC constavam da lista de participantes fornecidas por um conselheiro de Trump.

Na reunião, Trump disse aos executivos da indústria que se queriam reescrever as políticas climáticas que inibem a produção de combustíveis fósseis, a melhor hipótese que tinham seria angariarem mil milhões de dólares para ajudar a sua campanha de reeleição para a presidência dos EUA.

Trump telefonou repetidamente aos executivos do sector petrolífero nos meses que se seguiram, para ouvir os seus desejos e angariar fundos para a campanha, segundo um executivo familiarizado com os telefonemas. No jantar em Mar-a-Lago, os executivos manifestaram as suas preocupações a Trump - algumas das quais constam do documento AXPC. Mas não lhe apresentaram qualquer projecto executivo ou plano escrito, segundo um participante.

Numa mesa redonda de doadores em Houston, no Verão, segundo uma pessoa que estava presente, os executivos do petróleo disseram a Trump que ele tinha de pressionar a Agência Internacional de Energia a substituir o actual presidente (o turco Fatih Birol) por alguém que estivesse menos concentrado nas alterações climáticas e apoiasse mais o desenvolvimento dos combustíveis fósseis.

A AXPC afirma que o seu roteiro ainda está a ser desenvolvido e será entregue ao próximo Presidente dos Estados Unidos.

Trump "prometeu satisfazer os desejos da AXPC", disse David Doniger, conselheiro sénior do Natural Resources Defense Council, um grande grupo de defesa do ambiente. "E esta é a lista de desejos deles", disse sobre o roteiro de políticas da AXPC, que ele analisou a pedido do The Post.

Bednar respondeu que "os documentos da nossa direcção deixam claro que as nossas prioridades são as mesmas, independentemente de quem está na Casa Branca".

A campanha de Trump respondeu a um pedido de comentário com uma declaração que acusava a vice-presidente Kamala Harris, a candidata democrata à presidência, de ser "controlada por extremistas ambientais". A declaração não abordou a agenda da AXPC.

Metano "desalinhado"

Entre os membros da AXPC que assumiram o compromisso de alinhar-se com o Acordo de Paris estão a ExxonMobil, a ConocoPhillips e a Hess. Este grupo representa cerca de metade do petróleo e do gás produzidos nos Estados Unidos. Mas a AXPC não manifestou o seu apoio ao acordo de Paris.

Os responsáveis da ExxonMobil procuraram distanciar-se dos documentos da AXPC, afirmando que a empresa não concorda com todos os planos que estão a ser seguidos pelo grupo. "Estamos alinhados com eles em muitas questões, mas há algumas questões em que não estamos", disse Bart Cahir, um vice-presidente sénior da ExxonMobil.

Assegura, ainda, que a ExxonMobil apoia a taxa sobre o metano. "Pensamos que é necessário um mecanismo de responsabilização". Segundo Cahir, a ExxonMobil reduziu muito as suas emissões de metano e o seu envolvimento com a AXPC ajudou a levar outras empresas nessa direcção.

O inquérito confidencial da AXPC sobre as emissões de metano revelou que, enquanto metade dos membros que responderam reduziram a queima de metano entre 2021 e 2023, os restantes seguiram na direcção oposta.

Em causa está a queima controlada de gases indesejados ou excedentes libertados durante a produção de petróleo e gás (que contém metano) durante o fracturamento hidráulico (fracking), ou seja, o processo de injectar fluidos a alta pressão em formações rochosas subterrâneas para criar fracturas e liberar petróleo ou gás natural.

Algumas empresas mais do que duplicaram a quantidade de gás que queimaram, em relação aos volumes de produção. Os resultados do inquérito, que não identificaram empresas específicas, mostraram que o volume de gás queimado pelos membros da AXPC em geral aumentou 20% de 2022 a 2023.

A ConocoPhillips e a Hess não responderam aos pedidos de comentário.

Os registos empresariais da ConocoPhillips referem "alguns desalinhamentos" com a AXPC no que respeita ao Acordo de Paris, mas referem que a empresa está "alinhada" com o grupo no que respeita ao metano. A Hess refere que está "maioritariamente alinhada" com a AXPC. "Embora a AXPC não tenha apoiado directa e publicamente o objectivo do Acordo de Paris", escreve a Hess na divulgação, "estabeleceu princípios públicos que demonstram uma consideração ponderada destas questões e uma vontade de trabalhar com todas as partes interessadas".

Foto
Kamala Harris ainda não se pronunciou sobre a divulgação destes documentos. Dustin Chambers / REUTERS

No roteiro, a AXPC apresenta diferentes cenários, dependendo do partido que controlar a Casa Branca e as duas câmaras do Congresso. Embora os líderes das empresas membros da AXPC incluam doadores e angariadores de fundos de Trump, a organização em si não fez qualquer donativo ao antigo Presidente.

Os documentos descrevem mais de meio milhão de dólares em gastos políticos da AXPC para apoiar os republicanos nas corridas para o Senado dos EUA nos estados de Montana, Ohio e Pensilvânia, o que poderia ajudar a empurrar a Câmara para o controlo do Partido Republicano. Uma pequena parte dos gastos políticos da AXPC vai para os democratas, na sua maioria membros da Câmara em distritos de produção de petróleo e gás.

Retirar o clima da agenda política

De acordo com o plano AXPC, as ordens executivas centrais para o esforço climático da administração Biden seriam revogadas ou reescritas. Uma delas, intitulada "Tackling the Climate Crisis at Home and Abroad", é uma iniciativa expansiva que reorientou todo o Governo federal para o combate às alterações climáticas, incluindo a eliminação das emissões de carbono da rede eléctrica nacional até 2035, a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis e a limitação da perfuração para exploração de petróleo em terras federais.

Outra das ordens executivas do Presidente Joe Biden visadas pelo AXPC apela às empresas para que divulguem os riscos financeiros relacionados com o clima. Poderá exigir que as empresas de petróleo e gás sejam mais transparentes quanto ao seu papel na condução do aquecimento. A AXPC está também a lutar contra uma regra da Comissão de Títulos e Câmbio que obriga a essa divulgação.

De acordo com os planos do grupo, as medidas climáticas de Biden seriam substituídas por novas ordens executivas que promovem a produção de combustíveis fósseis e levantam uma pausa federal na construção de infra-estruturas maciças para exportar gás natural liquefeito. As regras federais que exigem que as considerações climáticas sejam tidas em conta nos grandes projectos de infra-estruturas seriam reescritas. Isso inclui a eliminação da Regra das Terras Públicas, que reordenou as prioridades relativas às terras federais, afastando-as da perfuração e privilegiando a protecção da paisagem e dos habitats.

"Querem retirar totalmente o clima do processo político", afirmou Paasha Mahdavi, director do Laboratório de Governação Energética e Economia Política da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, que também analisou os planos a pedido do The Post. "Querem que o Governo deixe de regulamentar as questões climáticas e ponha de parte os riscos climáticos".

Desprezar o Acordo de Paris

Mahdavi afirmou que o roteiro da AXPC contradiz directamente os compromissos climáticos assumidos publicamente por alguns dos seus maiores membros. "Eles falam muito sobre ambições climáticas e, ao mesmo tempo, fazem algo diferente dentro de suas empresas", disse ele. "Se estão alinhados com o Acordo de Paris, não podem fazer parte de uma associação comercial que está a tentar reverter estes regulamentos de emissões. Essas duas coisas são inconsistentes".

Os Estados Unidos foram um dos principais arquitectos do Acordo de Paris. Trump retirou o apoio dos EUA ao acordo durante o seu mandato, mas os Estados Unidos voltaram a aderir ao acordo após a eleição de Biden. A maioria das principais empresas de petróleo e gás saudou publicamente a reintegração dos Estados Unidos no acordo global.

A ExxonMobil disse na altura que "a natureza a longo prazo do desafio das alterações climáticas exige que trabalhemos todos em conjunto e esperamos trabalhar com a nova Administração para colocar os EUA no caminho para alcançar os objectivos de Paris".

A ConocoPhillips afirma no seu sítio web que aceita as conclusões científicas subjacentes ao Acordo de Paris, que considera "uma resposta política global bem-vinda" às alterações climáticas. A divulgação da Hess sobre o clima começa com o apoio da empresa aos objectivos do Acordo de Paris.

Grupos de monitorização independentes afirmam que as empresas não estão a cumprir as suas promessas. O grupo de reflexão Carbon Tracker publicou em Março um boletim informativo que concluiu que todas as grandes empresas de petróleo e gás estavam longe de cumprir os objectivos de Paris. A ExxonMobil e a ConocoPhillips receberam uma das piores notas. A Hess não foi incluída no relatório.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post