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Caravaggio: entre o pincel e a espada
Caravaggio nos ensina que o belo pode surgir do caos e que a arte, em sua forma mais pura, reflete a complexidade da vida humana, repleta de sombras, luzes, confrontos e paixões.
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Assisti recentemente a um documentário sobre Michelangelo Merisi da Caravaggio e, mais uma vez, fui impactado pela assombrosa genialidade dele, cujo talento transformou a pintura do século XVII. Mas, também, foi um homem cujas paixões e impulsos sombrios o levaram a uma vida marcada por conflitos, brigas e, em última análise, pela violência. Não era apenas mestre com o pincel, mas, ao que parece, também com a espada. A história mais famosa é a de um duelo que terminou em assassinato, o que o colocou em fuga.
Após esse crime, em 1606, Caravaggio teve que deixar Roma, onde já era famoso e, ao mesmo tempo, controverso. Fugiu para Nápoles, tentando escapar de uma condenação à morte. Nessa época, sua arte evoluiu ainda mais, ganhando uma urgência quase visceral. De Nápoles, ele passou por Malta, mas, como era de se esperar, os problemas continuaram. Envolveu-se em mais brigas e acabou preso. Fugiu novamente, desta vez, para a Sicília, mas, depois, voltou a Nápoles. Toda essa trajetória de fuga e desespero parece ter intensificado a dramaticidade de suas obras, tornando-as mais densas e profundamente perturbadoras.
Seus últimos anos foram uma tentativa desesperada de voltar a Roma e obter o perdão papal. Mas, em 1610, a caminho da capital italiana, Caravaggio adoeceu misteriosamente e morreu em Porto Ercole, aos 38 anos. Até sua morte foi envolta em mistério: alguns dizem que foi febre, outros sugerem envenenamento ou até assassinato. Fica a dúvida se a vida turbulenta não teria, enfim, cobrado o preço máximo.
Que Caravaggio era um homem difícil, não se tem dúvidas, sua ficha policial é extensa, normal para um homem que vivia em um submundo de muita bebida, jogos, noite e prostituição. Estudiosos dizem que algumas dessas prostitutas serviram de modelos em algumas das obras dele.
Sua vida pessoal conturbada encontra reflexo direto em suas obras. Os jogos de luz e sombra que ele criou não apenas revolucionaram a arte da época, como, também, revelaram a alma atormentada de um homem que conhecia intimamente a escuridão. O chiaroscuro, técnica de contrastar luz e sombra, trouxe para suas telas uma intensidade quase teatral, onde santos e pecadores pareciam dividir o mesmo palco de forma quase indistinguível. A santidade e a violência caminhavam lado a lado, assim como na própria vida de Caravaggio.
Pessoalmente, fui apresentado ao verdadeiro poder da obra de Caravaggio em 2006, quando visitei uma exposição comemorativa do quarto centenário do pintor em Amsterdã. Ver suas obras de perto foi uma revelação. Fiquei encantado, fascinado por como ele dominava a luz, não apenas para embelezar suas figuras, mas para lhes dar vida e profundidade emocional.
Às vezes, parece que aquilo é um vídeo pausado da vida real, que vai ganhar movimento numa piscadela de olhos... Ao ficar ali olhando as obras, percebi que Caravaggio não era apenas um pintor de cenas bíblicas ou mitológicas, mas um narrador de histórias humanas, recheadas de contradições e dilemas. Muitas de suas pinturas falam sobre sua vida, suas angústias, e essas contam todas as outras histórias. É esplêndido!
E a influência "Caravaggiana" vai além da pintura. No universo do cinema, a herança de Caravaggio é visível no uso dramático da iluminação. O contraste entre luz e sombra que ele introduziu moldou o trabalho de cineastas que buscam profundidade emocional em suas narrativas visuais. Luz de janela que destaca a perfeição dos músculos, dos metais iluminados, é bem impressionante. A fotografia cinematográfica, em muitas de suas formas mais sofisticadas, é filha do chiaroscuro caravaggiano.
Caravaggio nos ensina que o belo pode surgir do caos e que a arte, em sua forma mais pura, reflete a complexidade da vida humana, repleta de sombras, luzes, confrontos e paixões. Ele nos mostra que a genialidade é, muitas vezes, forjada no fogo da desordem pessoal. Afinal, para alguém que dominava tão bem as sombras, viver nas margens da sociedade parece ter sido uma necessidade artística tanto quanto uma imposição do destino.
É correto dizer que Caravaggio foi um dos maiores pintores da história. Particularmente, é o meu favorito!