Petições e manifestações: os jovens portugueses querem saber de política, só não o mostram pelo voto

Preferem assinar petições do que filiar-se em partidos políticos. Votam menos do que os europeus e preferem participar de forma menos convencional. Mas a desobediência civil também não os convence.

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Matilde Fieschi
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Em Portugal, há uma cultura de participação política “relativamente pouco expressiva”: votamos menos do que os restantes europeus e preferimos formas de participação cada vez menos convencionais, distanciadas dos partidos políticos e “autónomas e informais”.

É o que diz mais uma conclusão do estudo 50 Anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas – Mudanças e Continuidades Intergeracionais (ISCSP/CAPP), coordenado por Conceição Pequito, Manuel Meirinho e Pedro Fonseca, e de que o PÚBLICO é parceiro. Nesta última etapa da investigação, o objectivo foi observar a participação política, social e cívica em Portugal.

O estudo já tinha concluído que “os jovens votam substancialmente menos do que os mais velhos”, mas agora mostra que “isso não é revelador do seu desinteresse ou apatia política”, lê-se no relatório. Apenas que optam por formas de participação “além do voto” e “dirigidas às elites”, em vez de “controladas pelas elites”; o seu interesse pela política “reside em formas de participação política não convencionais (69%) ou formas de participação política convencionais, para além do voto (35%)”.

Como, então? A assinatura de petições é a principal via escolhida. Cerca de 70% dos jovens (entre os 16 e os 14 anos) e dos jovens adultos (entre os 25 e os 35 anos) dizem já ter recorrido a esta via. No panorama geral dos inquiridos, esta ocupa também o topo. Quase metade, 46%, revelou já ter assinado petições, o que sugere que “uma inclinação para o activismo político de carácter mais individual, informal e autónomo”.

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No caso dos jovens, a participação em greves ou manifestações legais também ocupa um lugar cimeiro (45%), o que indica “uma disposição considerável para o activismo directo” e sublinha a ideia de que “os jovens se mobilizam em torno de questões específicas, em vez de se alinharem com ideologias políticas amplas”.

Quando olhamos para a generalidade dos inquiridos, logo depois das petições surge a opção “doar ou recolher fundos para uma organização”, com 36% a referirem já o ter feito (e 39% dos jovens) – o que indica que os portugueses estão disponíveis para “apoiar causas a iniciativas que consideram importantes” –, e só depois “participar em greves ou manifestações legais”, com 30%, menos 15 pontos percentuais do que os jovens, a optarem por esta forma de participação “como forma de expressar as suas reivindicações e descontentamento”.

A participação política convencional ocupa os últimos lugares da tabela em ambas as amostras. Apenas 7% dos jovens declaram estar filiados num partido. Na tabela geral, são 9%. “Este dado sugere que, embora os partidos políticos continuem a desempenhar um papel importante no sistema político português, não conseguem atrair a adesão de uma parcela muito significativa da população.”

Ainda assim, o número sobe para 21% (16% no caso dos jovens) quando se fala de participação em comícios e acções de campanha, “indicando que os cidadãos demonstram um interesse em se envolverem directamente no processo político, mesmo que sem se filiar formalmente a partidos”.

Outra via popular de participação política é o contacto ou tentativa de contacto com políticos ou responsáveis públicos, com 28% dos inquiridos a apontar já o ter feito. Esta forma de participação indica que há preocupação em “interagir com os centros de poder e influenciar a tomada de decisões”.

A aproximação das gerações mais novas a formas “mais directas e personalizadas de participação política” nasce “em detrimento das estruturas tradicionais como partidos políticos, que consideram estruturas distantes, hierarquizadas e auto-referenciais, que não expressam as agendas políticas dos mais jovens, nem optam por formas de actuação mais mobilizadoras e em contacto com os diferentes segmentos da sociedade civil”, explicam os autores.

Surpreendente para os autores foi o facto de a “participação dos jovens portugueses em movimentos sociais em torno da defesa de causas específicas” não ir além dos 14%, em contracorrente “com o que se passa nas democracias actuais, onde o recurso dos mais jovens aos movimentos sociais tem crescido substancialmente”.

Os autores especulam que poderá resultar do “desencanto com a política tradicional”, que leva a um “afastamento geral da participação política, incluindo formas não convencionais como movimentos sociais”, mas também pela “ausência de lideranças jovens carismáticas”, que pode resultar numa menor “identificação”.

O país de brandos costumes

Os autores do estudo alertam para o contexto histórico do país para compreender esta realidade. Ainda que o 25 de Abril de 1974 tenha trazido uma “intensificação da participação política e social”, bem como a criação de “várias instituições democráticas” e “direitos civis e políticos”, há “elementos culturais e estruturais que limitam a participação activa dos cidadãos”: a “tradição de centralização de poder, a desconfiança nas instituições públicas e a prevalência de uma mentalidade de conformismo social” são alguns dos factores que podem desincentivar a participação política e cívica.

Mais ainda, assinar uma petição, por exemplo, é um tipo de participação que “exige poucos recursos”, quer a nível de tempo, dinheiro ou competências políticas e que pode chegar às autoridades públicas. E, ainda que “nem todas as petições resultem em mudanças políticas directas”, desempenham “um papel crucial em chamar a atenção para questões importantes, influenciar a agenda política e promover o debate público”.

O protesto e a desobediência civil são a última ferramenta de participação escolhida. Apenas 8,2% dos inquiridos dizem ter participado em manifestações ou acções de protesto ilegais ou sem autorização e 4,3% dizem ter recorrido à desobediência civil. Apesar de os portugueses preferirem acção política não convencional, tendem a “manter-se dentro dos limites legais estabelecidos”. “Portugal continua a ser, mesmo em tempos de maior polarização e espectacularização da vida política e social, um ‘país de brandos costumes’”, referem.

Os jovens também não contrariam esta ideia. Apenas 7% admitem ter participado em manifestações ou acções de protesto ilegais ou semilegais, e só 3% recorreram à desobediência civil. Estes números “contrariam a ideia de que os mais jovens tendem a escolher formas de participação política mais disruptivas e anti-sistémicas”.

Os autores salvaguardam, no entanto, que é preciso olhar com “cautela” para estes números, pois pode haver alguma tendência dos inquiridos para responderem o que acreditam ser o “socialmente correcto” em questões “mais delicadas”.

A participação e o perfil dos participantes

Apenas 2% dos jovens na faixa dos 18-24 e 7% na faixa dos 25-34 optam por formas de participação política convencionais. A faixa etária mais relevante neste tipo de participação é a dos 35-64 anos(55%).

Também o rendimento pesa neste tipo de participação. Os que vivem razoavelmente tendem a optar por vias mais convencionais (44%), em detrimento dos que vivem com muita dificuldade (11%).

O nível de confiança nas instituições e na democracia também determina o tipo de participação escolhida. Os portugueses que declaram estar mais satisfeitos são também os que optam por formas de participação mais convencionais. São também “os que se posicionam mais ao centro da tradicional escala esquerda-direita aqueles que maior uso fazem” das formas de participação convencionais.

Os autores concluem também que “são os inquiridos mais insatisfeitos com a democracia e mais desconfiados da actuação das suas instituições aqueles que mais fazem uso de formas de participação política não convencionais”, e ainda que assinalem que “a adesão a formas de participação política não convencionais é mais expressiva entre os indivíduos que se posicionam ao centro do espectro ideológico (64%), esta também existe entre os indivíduos que se posicionam mais à direita (26%)”.

Já os que aderem a “formas mais radicais de protesto” ou desobediência civil têm “menos interesse pela política (74%), e consideram que dificilmente podem influenciar o poder político através da sua acção individual (53%)”.

Mais ainda, “o posicionamento ideológico dos participantes revela uma tendência para posições extremas, especialmente à direita do espectro político (37%), o que pode reflectir uma crescente frustração com políticas centristas ou moderadas e uma busca por mudanças mais drásticas”. São também os que se dizem “mais insatisfeitos com a democracia (64%) e mais cépticos em relação à actuação das instituições políticas (67%)” os que parecem ter mais propensão para o “protesto mais extremado”.


Nota: ​o PÚBLICO é parceiro do ISCSP-UL no projecto 50 Anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas – Continuidades de Mudanças Geracionais (ISCSP/CAPP, coordenação de Manuel Meirinho, Conceição Pequito e Pedro Fonseca), e publicou, ao longo de 2024, vários artigos sobre os resultados do inquérito nacional realizado no âmbito do projecto. Este é o último.

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