Putin recebe os BRICS para o “maior evento de política externa alguma vez realizado” na Rússia

Xi, Modi e Erdogan entre os líderes mundiais que visitam Kazan, onde o Presidente russo quer exibir alternativa multilateral ao Ocidente liderado pelos EUA. Lula falha cimeira por motivos de saúde.

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Cimeira dos BRICS decorre entre terça-feira e quinta-feira na cidade russa de Kazan MAXIM SHIPENKOV / EPA
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A 16.ª cimeira dos BRICS arranca esta terça-feira em Kazan, na Federação Russa, com o anfitrião, Vladimir Putin, determinado em fazer com que o evento que junta as chamadas “economias emergentes” seja uma demonstração de força dos defensores de uma alternativa à ordem mundial dominada pelo Ocidente e liderada pelos Estados Unidos.

Do ponto de vista do Kremlin, a exibição dessa imagem é importante para mostrar ao mundo que, apesar das sanções económicas e diplomáticas que lhe foram impostas pelos EUA e pela União Europeia, entre outros, a invasão russa da Ucrânia não transformou a Rússia num estado “pária”.

Citado pela Associated Press, Iuri Ushakov, antigo embaixador da Rússia em Washington e actual conselheiro do Presidente russo para a Política Externa, diz que a cimeira contará com representantes de 32 países, incluindo mais de 20 chefes de Estado, e que Putin vai ter cerca de 20 reuniões bilaterais, que se irão realizar à margem do evento principal – uma dessa reuniões será com António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

Pela cidade banhada pelo rio Volga vão passar nomes como Xi Jinping, Presidente da República Popular da China; Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia; Masoud Pezeshkian, Presidente do Irão; ou Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia.

Segundo Ushakov, o encontro dos BRICS tem tudo para ser o “maior evento de política externa alguma vez realizado” em território russo.

Lula da Silva também ia participar na cimeira, mas uma queda em casa, que lhe causou uma pequena hemorragia cerebral, obrigou-o a cancelar a viagem; segundo um comunicado divulgado no domingo pela Presidência da República do Brasil, a comitiva brasileira será liderada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mauro Vieira, e o chefe de Estado conta intervir no encontro por videoconferência.

Na semana passada, num fórum de antecipação da cimeira em Kazan, Putin defendeu que os BRICS são os principais “motores do crescimento económico global” e assegurou que os seus membros vão “depender cada vez menos de influências ou interferências externas” e alcançar a sua “soberania económica”.

Os BRICS depois da Ucrânia

Lançada em 2006 e composta, desde 2010, por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, a organização foi concebida para fins sobretudo económicos, comprometendo-se a encontrar soluções alternativas coordenadas ao sistema financeiro mundial dominado pelos EUA e pelo dólar norte-americano.

Na sequência das decisões tomadas na última cimeira, realizada no ano passado em Joanesburgo, na África do Sul, os BRICS foram alargados em Janeiro à Arábia Saudita, ao Egipto, aos Emirados Árabes Unidos, à Etiópia e ao Irão. Países como a Turquia, o Azerbaijão e a Malásia também se candidataram e devem ser os próximos a juntar-se ao clube.

A invasão russa da Ucrânia, a partir de Fevereiro de 2022, e o consequente afastamento entre a Rússia e os EUA, a UE, a NATO e alguns dos seus aliados, como o Japão, a Coreia do Sul ou a Austrália, têm levado Moscovo a enfatizar uma suposta dimensão política e anti-Ocidente em iniciativas multilaterais como os BRICS ou a Organização para Cooperação de Xangai (SCO).

Tratando-se de uma organização flexível e com pouco grau de integração política entre os seus Estados-membros, cada um usa, no entanto, os BRICS consoante os seus próprios interesses.

Do ponto de vista de Putin – que, a par das sanções à Rússia, está limitado na escolha dos seus destinos diplomáticos por causa do mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional por alegados crimes de guerra na Ucrânia – é particularmente relevante, por exemplo, que Xi ou Modi marquem presença em Kazan, mostrando, dessa forma, que as suas relações não foram beliscadas com a agressão militar ao território ucraniano.

Segundo Alexander Gabuiev, director do Centro Carnegie Rússia-Eurásia, o grande objectivo do chefe de Estado russo para a cimeira que se realiza entre terça-feira e quinta-feira é mostrar que a Rússia “é um actor importante que está a liderar este novo grupo que vai acabar com o domínio ocidental”, porque essa é também “a sua narrativa pessoal”.

“A ideia russa é: se criarmos uma plataforma em que estejam presentes a China, a Rússia, a Índia, o Brasil e a Arábia Saudita, muitos países que são parceiros vitais para os EUA, estes não estarão preparados para ir atrás dessa plataforma para lhe impor sanções”, explica Gabuiev, em declarações à AP.

“Para a Rússia, é um momento importante para mostrar ao Ocidente que não está isolada”, concorda Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais e investigador na Fundação Getúlio Vargas, no Brasil, citado pela Foreign Policy. “Será muito interessante ver até que ponto os outros países estão dispostos a alinhar com o que a Rússia quer verdadeiramente: tornar os BRICS mais claramente anti-Ocidente do que são actualmente.”

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