Moçambique: polícia lança gás lacrimogéneo contra Venâncio Mondlane

Candidato presidencial estava a prestar declarações aos jornalistas no centro de Maputo e foi obrigado a fugir.

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A polícia dispersou a manifestação no centro de Maputo convocada por Mondlane LUISA NHANTUMBO / EPA
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A Polícia moçambicana lançou esta segunda-feira gás lacrimogéneo contra o local onde o candidato presidencial Venâncio Mondlane fazia declarações aos jornalistas, a apelar à calma no âmbito da marcha que convocou, obrigando o político a fugir.

O candidato falava com os jornalistas junto à rotunda da Organização das Mulheres Moçambicanas, no início da Avenida Joaquim Chissano, no centro de Maputo.

Os manifestantes que se encontravam no local estavam a tentar fazer um cordão humano, mas a polícia voltou a lançar gás lacrimogéneo. Venâncio Mondlane estava a prestar declarações aos jornalistas e foi obrigado a fugir.

Um jornalista foi ferido nesta acção depois de outro ter também ficado ferido na carga policial que ocorreu ao início da manhã.

"Se o cidadão não consegue exercer os seus direitos, então isto é pior do que um estado de guerra. Estes aqui é que são os verdadeiros terroristas. Em Cabo Delgado temos insurgentes, mas aqui em Maputo, nas forças de defesa e segurança, é onde nós temos os verdadeiros terroristas", disse Mondlane, em declarações aos jornalistas pouco antes ser alvo do gás lacrimogéneo lançado pela polícia.

O candidato presidencial, que reclamou vitória na eleição de 9 de Outubro, considerou que os manifestantes estão a cumprir o seu papel, mas a polícia não.

"O problema deste país não está com o povo, o verdadeiro vandalismo está com as forças de segurança, com as lideranças das forças de segurança que não têm nenhuma percepção cívica, política, não sabem o que são direitos fundamentais, não sabem o que são os direitos constitucionais", acusou, defendendo que "a manifestação é um direito cívico, não é vandalismo".

"Estamos todos de parabéns, o povo moçambicano está de parabéns, é um sinal que mostra a capacidade de a gente se mobilizar para lutar pelos nossos direitos e eu creio que quando anunciarmos a segunda etapa vai ser muito mais interessante do ponto de vista cívico e politico do que foi agora", acrescentou o candidato.

Cerca das 10h locais (9h em Lisboa), a polícia dispersou a manifestação no centro de Maputo convocada por Mondlane repudiando o homicídio de dois membros da sua campanha, carregando sobre dezenas de pessoas que se concentraram no local, que responderam com o arremesso de pedras e com o lançamento de artefactos pirotécnicos.

Os confrontos entre a polícia e os manifestantes começaram cerca das 7h 30, com a força policial a dispersar os grupos que se começavam a juntar para participarem nas marchas pacíficas.

A polícia está também a recorrer a elementos com cães e um helicóptero estava a sobrevoar a baixa altitude na zona da saída da marcha, o local do duplo homicídio de sexta-feira.

Os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Salvem Moçambique” e “Este país é nosso”.

As marchas pacíficas foram convocadas por Venâncio Mondlane, no sábado, no local em que dois apoiantes foram assassinados, referindo que a greve, no sector público e privado, que tinha pedido para esta segunda-feira, em contestação aos resultados preliminares das eleições de 9 de Outubro, era para manter, passando agora para a rua, e responsabilizou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) pelo duplo homicídio.

A polícia moçambicana confirmou no sábado, à Lusa, que a viatura em que seguiam Elvino Dias, advogado de Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoia Mondlane, mortos a tiro, foi “emboscada”.

O crime aconteceu na avenida Joaquim Chissano, centro da capital, e segundo a polícia uma mulher que seguia nos bancos traseiros da viatura foi igualmente atingida a tiro, tendo sido transportada para o hospital.

A polícia moçambicana avisou, antes do duplo homicídio que levou à convocação da marcha, além da paralisação, que vai travar qualquer ato de violência e desordem pública que ocorra hoje.

As eleições gerais de 9 de Outubro incluíram as sétimas presidenciais - às quais já não concorreu o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos - em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais.

A CNE tem 15 dias para anunciar os resultados oficiais, data que se cumpre em 24 de Outubro, cabendo depois ao Conselho Constitucional a proclamação dos resultados, após concluir a análise, também, de eventuais recursos, mas sem prazo definido para esse efeito.

UE preocupada

A Comissão Europeia classificou como “bastante preocupantes” as “notícias de dispersão violenta” de uma manifestação em Maputo, capital moçambicana, convocada pelo candidato Venâncio Mondlane, e disse que “continua a monitorizar” o desenrolar da situação.

“As notícias de dispersão violenta são bastante preocupantes”, disse um porta-voz do executivo comunitário numa resposta enviada à Lusa.

A mesma fonte pediu “contenção máxima” de todas as partes envolvidas no processo eleitoral e o “respeito pelas liberdades fundamentais e direitos políticos”.

“A UE continua a monitorizar os desenvolvimentos em Moçambique, depois dos homicídios chocantes de Elvino Dias e Paulo Guambe”, acrescentou o porta-voz.

A União Africana (UA) também condenou a violência pós-eleitoral em Moçambique e apelou à "calma", instando os actores políticos a manterem uma "disposição pacífica enquanto o país aguarda a declaração dos resultados pelo Conselho Constitucional".

O presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, condenou igualmente o assassínio de Elvino Dias e Paulo Guambe e apelou às autoridades de segurança moçambicanas para que "efectuem a investigação necessária e conduzam os autores perante a justiça", de acordo com um comunicado divulgado esta segunda-feira pela instituição.

Actualizado às 14h50 com declarações de Venâncio Mondlane