As várias escalas de um país à boleia da mobilidade e modernidade
No seminário O que faz falta: Portugal S, M, L, XL, realizado na Casa da Arquitectura, discutiu-se a arquitectura em todas as suas vertentes. Descubra o balanço do (muito) que foi dito.
Tendo como mote os 50 anos do 25 de Abril, a Casa da Arquitectura organiza em Outubro algumas iniciativas para (re)pensar a arquitectura em Portugal das últimas cinco décadas. Um desses eventos é a exposição O que faz falta. 50 anos de arquitectura portuguesa em democracia, com inauguração marcada para 26 de Outubro, e que estará patente até 7 de Setembro de 2025, na Nave Expositiva da Casa da Arquitectura. Como uma antecipação à exposição, teve lugar o seminário O que faz falta: Portugal S, M, L, XL, realizado na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, juntando vários especialistas que falaram sobre questões fundamentais para a formulação de um “novo” território.
O Programa Paralelo da mostra tem a curadoria dos arquitectos Nuno Sampaio e Jorge Figueira.
Em forma de viagem pelos últimos 50 anos, Nuno Sampaio director-executivo da Casa da Arquitectura, teve honras de abertura do seminário, sublinhando que este evento “pretende avaliar os contributos dos arquitectos na consolidação da democracia”, recordando trabalhos marcantes como “a EXPO98, o EURO2004, o programa Polis e o mais antigo SAAL, ou a construção da rede de cineteatros e outros equipamentos culturais”. Por sua vez, Jorge Figueira, curador da exposição, salientou a importância de neste seminário se fazer “uma leitura de temas fundamentais do nosso tempo, e alargar a discussão a áreas que transcendem a arquitectura”, justificando-se o convite a “personalidades de diferentes áreas para actualizar problemas contemporâneos, mas com uma longa história, e hoje colocados no mesmo espaço e tempo”.
Da (crise da) habitação à interioridade
O primeiro bloco do seminário, denominado “S”, centrou-se na habitação. O painel, com moderação do jornalista Valdemar Cruz, incluiu os arquitectos Aitor Varea Oro e Paula del Rio, e Julia Albani, historiadora e crítica de arquitectura, que introduziu a discussão falando dos “problemas da habitação em Portugal”, da “dificuldade dos jovens em comprar casa” e que “a habitação cooperativa e a coabitação podem ser alternativas ao mercado imobiliário”. Já Paula del Rio sublinhou o “dever de o Estado intervir mais na promoção da habitação social”, e, do lado do cidadão, a aposta numa mudança de mentalidades, “optando-se por arrendar e não ser proprietário”. O papel da arquitectura na inclusão social foi referido por Aitor Varea Oro, assim como a importância de “ver os arquitectos envolvidos em todo o processo dos projectos, e não só quando tudo está concluído em termos de concursos e contractos”.
O painel, “M”, moderado pelo jornalista Manuel Carvalho, explorou os desafios de se viver numa cidade média e o que fazer para desenvolver o interior do país, contando com António Cunha, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Paula Mota Garcia, Coordenadora Évora Capital Cultura 2027, e Paulo Alexandre Fernandes, Presidente da Câmara Municipal do Fundão. António Cunha abriu o debate referindo “a importância em fazer a ponte entre o desenvolvimento territorial e o urbanismo e política habitacional”, apelando à necessidade de entender “a complexa diversidade territorial”. Falou ainda do “paradoxo da cidade média”, no sentido em que, “especialmente no contexto do Norte”, apesar de muitos se terem mudado para as grandes zonas urbanas, nos últimos anos têm-se assistido a um regresso justificado “pelos indicadores de que a qualidade de vida é superior nas cidades médias”.
Paula Mota Garcia focou-se no facto de que “devemos encarar as cidades de média dimensão como espaços de oportunidade”, dando o exemplo de Évora que teve o mérito de, “apesar da sua interioridade”, ter conseguido ser “capital europeia da cultura”. A Coordenadora Évora Capital Cultura 2027, deu ainda o exemplo do “Bairro da Malagueira, de Siza Vieira, na referida cidade alentejana, cujo processo de construção vanguardista contou com a participação da comunidade na sua edificação”, pois “a filosofia de uma cidade em movimento deveria ser a de quem a faz é quem nela habita”, defende.
As grandes cidades e a relação com o turismo e a emigração
O terceiro bloco do seminário abordou a transformação das grandes urbes, associada ao turismo e a emigração. Assim, “L” foi moderado por Amílcar Correia e teve como protagonistas Paulo Martins Barata, arquitecto, Cristina Siza Vieira, CEO da Associação de Hotelaria de Portugal, e o sociólogo Rui Pena Pires, sendo este último a abrir o debate, reflectindo sobre os mitos relacionados com as migrações, um processo que considera “normal” e que “todos deveríamos lutar em prol da integração dos imigrantes”, pois, “uma vez fixados, proporcionam novas dinâmicas nas cidades”.
Por sua vez, Paulo Martins Barata, relacionou o papel da arquitectura com a emigração, classe muito associada à construção, defendendo que “pode ajudar a mitigar o problema que por vezes isso significa em termos de integração e apoio social, através de políticas mais humanas e consolidação dessa população”. Já Cristina Siza Vieira, questionou o facto defendido por muitos de que “o turismo é dependente da mão-de-obra emigrante”, falando também sobre a “gestão dos fluxos turísticos”. A especialista em Hotelaria sugeriu ainda a opção por um “mix use” de algumas unidades hoteleiras, defendendo que as mesmas “deveriam ser construídas para uma dupla utilização”, e, por exemplo, “no Inverno, serviam de residência para estudantes e professores; no Verão, para o turismo”. Tal, acredita, “seria importante ao nível do planeamento urbano e permitia construir cidades em razão das necessidades”.
O novo aeroporto e a linha de alta velocidade
Em “XL”, último bloco do seminário, a mobilidade associada ao novo aeroporto e comboio de alta velocidade estiveram em cima da mesa e foram motivo para uma contextualização inicial de Juan Busquets, arquitecto e autor dos planos urbanísticos das estações de alta velocidade em Portugal, que sublinhou a importância de “passar a existir boas infra-estruturas” e em “apostar em menos aviões e mais comboios de alta velocidade, se quisermos um mundo mais sustentável”. A meio do debate moderado por Carlos Daniel, e que contou também com a presença de José Reis, Professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e Maria do Rosário Partidário, Professora e investigadora em Planeamento, Urbanismo e Ambiente, Busquets retomou a palavra para falar da estação da Campanhã, cujo projecto contempla um parque de estacionamento para mil bicicletas, o que reforça “a mobilidade suave”, sublinhando que “andar de bicicleta, mais do que uma moda, é uma mudança de mentalidade cultural”.
Um dos momentos mais interessantes deste seminário foi a troca de argumentos contrários entre José Reis e Maria do Rosário Partidário, nomeadamente no que toca à localização do novo aeroporto, sendo mais concordantes quando o tema era o comboio de alta velocidade, questão que o economista defende ser “só vantagens”, estando a mobilidade que o permite associada “à maior proximidade que proporciona”, seja numa “deslocação de centenas de quilómetros ou dentro da mesma cidade”
Maria do Rosário Partidário, concorda, nesse tema, com José Reis, defendendo que “a alta velocidade é complementar ao avião, substituindo-o em termos de deslocação dentro de Portugal continental”. Quanto ao novo aeroporto, acredita que “vai quebrar a necessidade existente, face ao actual esgotamento da Portela”, espaço que, no futuro, “de acordo com o PDM de Lisboa, dará lugar à criação de uma área verde e edificação de espaços que incluirão habitação, o sector terciário e áreas culturais”.
A longa jornada terminaria com a declaração de encerramento do arquitecto Nuno Sampaio que apelou “para que tudo o que foi discutido neste seminário servisse como base para se pensar o Portugal no futuro, e qual o contributo que os arquitectos podem dar nesse sentido, em harmonia com outros especialistas como os que participaram nesta iniciativa”.
O Seminário “pretende ser o primeiro de vários momentos de reflexão que vão acompanhar a exposição “O que faz falta. 50 anos de arquitectura portuguesa em democracia” no sentido de pensar o Portugal do futuro”, conclui Nuno Sampaio.