Coordenadora demissionária de Évora_27 acusa Governo de pôr em causa o projecto

Equipa que liderou até agora a Capital Europeia da Cultura ficou de fora da nova direcção, lamenta Paula Mota Garcia, que lamenta tempo que se perdeu a nomear uma presidente que não estava prevista.

Foto
Paula Mota Garcia conduziu a candidatura da Évora 27 Capital Europeia da Cultura Paulo Pimenta
Ouça este artigo
00:00
05:40

Paula Mota Garcia, coordenadora da equipa que, até este mês, estava à frente da Capital Europeia da Cultura que vai ter lugar em Évora em 2027 afirma, em comunicado, que a nova liderança do projecto, ainda incompleta, pode pôr em causa o seu desenvolvimento. Esta programadora cultural, que conduziu a candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura e apresentou a sua demissão na semana passada, defende que “a experiência de outras Capitais Europeias da Cultura diz-nos que integrar a equipa que concebeu e desenvolveu a candidatura na estrutura de governança e na operacionalização da iniciativa é um factor decisivo de sucesso.”

Mota Garcia liderou a equipa que geriu o projecto desde 2020 até à tomada de posse Associação Évora_27, a entidade gestora criada a 7 de Outubro e cuja presidência foi entregue pelo Ministério da Cultura à jurista Maria do Céu Ramos, actual secretária-geral da Fundação Eugénio da Almeida. Nessa altura, foram ainda nomeados dois outros membros para a direcção da nova associação gestora: a direcção financeira foi entregue a António Costa da Silva, economista e actual presidente adjunto da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo; e a direcção de comunicação a Bruno Fraga Braz, actual assessor na mesma área da Fundação Eugénio de Almeida.

A programadora lembra que a Associação Évora_27 ​, que só foi efectivamente criada em Fevereiro e tem como missão desenvolver e executar o evento, continua incompleta, uma vez que deveria integrar, conforme determinam os regulamentos da União Europeia, um director executivo e um director artístico.

A experiência de outras capitais europeias, acrescenta, também mostra que é essencial estabelecer no primeiro ano após a selecção da cidade, anunciada no final de 2022, "toda a estrutura de governação, gestão e administração", o que devia ter acontecido em 2023. "Isto permite que os dois anos seguintes se concentrem no desenvolvimento do programa, a tempo de o mesmo estar em vigor, no caso de Évora, em meados de 2026", argumenta Paula Mota Garcia, lamentando "o tempo despendido na 'negociação' em torno da criação e nomeação da figura de presidente" da Associação Évora_27 , que não estava prevista no projecto.

A imposição deste cargo – uma decisão do anterior Governo que a actual ministra, Dalila Rodrigues, decidiu manter –​ "desvirtua o proposto em bid book e contraria as boas práticas de gestão de uma Capital Europeia da Cultura, assim como as recomendações do painel internacional de especialistas que agora monitoriza todo o processo de implementação de Évora_27", defende ainda a ex-responsável pelo projecto.

A Associação Évora_27 é formada pelo Estado, pela Câmara de Évora, pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo, pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo (entretanto extinta), pela Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central, pela Universidade de Évora, pela Fundação Eugénio de Almeida e pela Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo. Com um orçamento total de cerca de 49 milhões de euros, a dotação financeira de Évora_27​ é composta por 15 milhões do Orçamento do Estado, dez milhões de fundos europeus, quatro milhões do Turismo, cinco milhões para territórios envolventes e os restantes 15 milhões subscritos pelo município e por parceiros.

Conforme noticiámos, o presidente da Câmara Municipal de Évora, Carlos Pinto de Sá, criticou a composição da direcção da associação por deixar de fora os membros que conduziram a candidatura.

Paula Mota Garcia, cuja demissão foi concretizada a 17 de Outubro, adianta ainda que está em causa o calendário de implementação da Capital Europeia da Cultura. Dá dois exemplos: “continua por lançar […] a tão necessária 'open call' para novos projectos artísticos dirigida aos agentes culturais residentes no Alentejo”; e “continua por concretizar […] a tão urgente estratégia de implementação do programa Évora_27​ no território, que implica um diálogo concertado e em permanência com as Comunidades Intermunicipais do Alentejo”.

Numa argumentação apresentada em três pontos, a programadora questiona a composição da actual liderança do projecto, aspecto a que dedica a boa parte do comunicado. “Considero que a escolha das pessoas para a estrutura de governança de uma Capital Europeia da Cultura deve ser norteada pelo conhecimento que têm do projecto e da adequação das suas competências profissionais ao mesmo, e não por princípios de confiança de ordem pessoal”, escreve no último ponto.

No dossier de selecção, o chamado “bid book”, lembra ainda Mota Garcia, a estrutura de governança proposta –​ com base no conceito de "vagar", um termo associado à cultura e ao modo de ser alentejano que enformou toda a candidatura – desafiava “as lógicas de dominância”, privilegiando-se “uma abordagem mais colegial e que valorizasse a participação da comunidade” nos seus órgãos, nomeadamente do conselho científico, do conselho regional para a cultura e da geração 2027. “Sensível às questões que, no presente, resultam numa crescente desagregação social, exige-se do modelo de governança de um projecto cultural que este seja mais colegial e inclusivo”, escreve ainda Paula Mota Garcia.

A programadora considera especialmente “inaceitável” que a assembleia-geral não tenha escolhido para a direcção de comunicação a pessoa que assegurava esse pelouro na equipa que liderou, Marisa Miranda, uma vez que esse era um dos raros cargos cuja nomeação lhe competia, e poderia assim "ter assegurado a transferência do conhecimento que a Equipa de Missão adquiriu ao longo do processo para a própria estrutura de governança".

Por último, Paula Mota Garcia, que não esteve disponível para esclarecimentos adicionais, afirma que a associação continua "impossibilitada de, entre outras coisas, receber as verbas protocoladas entre o município de Évora e o Governo", protocoladas em Junho de 2023, "com prejuízos claros na execução das actividades previstas no dossier de selecção", uma demora que "penaliza" artistas e parceiros que aceitaram "confiar e associar-se" a Évora 27 Capital Europeia da Cultura.

A tomada de posse da direcção da nova entidade gestora deverá ter lugar na quarta-feira, pelas 19h00, no Palácio de D. Manuel, em Évora, estando prevista a presença do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, adiantou fonte do Governo à Lusa.

Notícia corrigida com identificação da Direcção Regional de Cultura do Alentejo (entretanto extinta)

Sugerir correcção
Ler 5 comentários