Samba e fado: duas faces de uma mesma alma

O fado nasceu dos mesmos navios negreiros que levaram ao Brasil os ritmos que mais tarde se transformariam no samba. É emocionante perceber que compartilham a mesma essência: a expressão do amor.

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Na última vez que estive no Porto, em setembro último, eu e alguns amigos saímos para jantar e buscar um pouco de diversão. Acabamos em uma casa de fado. Foi uma noite mágica. Ali, ouvindo aquelas vozes cheias de emoção, percebi o quanto o fado e o samba são próximos. Saí decidido a estudar o tema.

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, à primeira vista, esses dois ritmos parecem tão diferentes, mas, no fundo, têm muito mais em comum do que imaginamos. Ambos nascem da alma, da vivência do povo, da luta e da celebração da vida.

Segundo alguns pesquisadores, como os musicólogos Rui Vieira Nery e Ramos Tinhorão, a origem do fado remonta ao Brasil. Eles sustentam que o fado teria surgido da grande popularidade da modinha nos séculos XVIII e XIX, e de sua fusão com outros gêneros afins, como o lundu, que, por sua vez, tem raízes em danças angolanas, como o kaduke de Mbaka, posteriormente uma das mais populares danças praticadas em Luanda com o nome de masemba.

Mário de Andrade e Oneyda Alvarenga também defendem a tese de que o fado nasceu no Brasil e foi levado a Portugal com o retorno da família real portuguesa após a ameaça napoleônica.

O fado canta a saudade, enquanto o samba canta a alegria, mas ambos conhecem a dor e a superação. O fado, com suas raízes em Portugal, e o samba, com as suas no Brasil, compartilham algo ainda mais profundo: suas conexões com o Rio de Janeiro. Essa cidade mágica, onde nasci e me criei, foi o ponto de encontro de várias culturas e sons que deram origem a esses dois ritmos maravilhosos.

No samba, canto minha alegria e minha dor. Como digo na minha canção Samba, o Gosto da Minha Comida, o samba é o jeito como vivo, como saboreio cada dia: "Samba é o gosto da minha comida, o bom viver do meu viver".

O samba me deu mais do que eu poderia esperar, e tudo o que recebi devo a ele e ao dom de compor que o Divino Criador me concedeu. Cada nota, cada batida de tambor é uma celebração da vida. E é isso que o samba significa para mim.

Já o fado, o canto da saudade e da melancolia, foi trazido de volta a Portugal com influências africanas e brasileiras, principalmente da cultura que circulava entre Rio e Lisboa nos séculos passados. O fado nasceu dos mesmos navios negreiros que levaram ao Brasil os ritmos que mais tarde se transformariam no samba. É emocionante perceber que essas músicas, separadas pelo oceano, compartilham a mesma essência: a expressão da alma, da vida, da resistência e do amor.

E, ao falar de fado, é impossível não nos lembrarmos de Amália Rodrigues, a rainha desse gênero. Foi ela quem levou o fado ao coração dos brasileiros, mostrando que a melancolia portuguesa também fala com o nosso povo. Amália, com sua voz poderosa e cheia de emoção, fez o fado ser conhecido e respeitado em todo o Brasil. Ela foi o elo entre o fado e a nossa música popular. Amália, assim como o samba, me emociona porque, em cada nota, há verdade, há vida.

O samba e o fado podem ter sonoridades diferentes, mas suas histórias se cruzam e se complementam. O fado canta a saudade e a tristeza, enquanto o samba, mesmo quando triste, canta com um sorriso, como uma forma de agradecer pela vida. Em Portugal, ao ouvir o fado, sinto a mesma emoção que sinto quando canto o samba. Ambos os ritmos vêm do coração e falam diretamente para a alma.

Aqui no Porto, minha casa é um ponto de encontro desses dois mundos. Quando ouço fado nas vielas da cidade, vejo o samba sorrindo em algum canto. E quando toco samba, sinto o fado ecoando, com sua saudade. Eu, que sou sambista de corpo e alma, agora posso dizer que o fado também faz parte da minha vida.

Essa união entre o samba e o fado prova que, independentemente da distância, a música tem o poder de nos conectar. Samba e fado, tão distantes, na verdade, são como irmãos que se reencontram. E, no meu coração, eles sempre estarão juntos, como uma única canção que celebra a vida, a cultura e a emoção.

Laralaiá, meu samba. Laralaiá, meu fado.

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