Documentário mostra percursos de afro-descendentes em Portugal e o racismo que sofrem

Olhares é uma série documental composta por seis episódios de 30 minutos cada. Foi produzida pela Livremeio para a RTP2.

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Dino d'Santiago contribuiu para o projecto, partilhando o seu percurso Nuno Ferreira Santos
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Uma nova série documental, produzida pela Livremeio para a RTP2, parte dos percursos de diferentes afro-descendentes em Portugal mostra como a cultura africana é mantida através de hábitos em família, como as refeições, a música e a dança — e para evidenciar que o racismo persiste. Olhares conta com realização de Carlos Fraga e é composta por seis episódios de 30 minutos cada. O projecto foi apresentado publicamente este sábado no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa.

Contribuíram para a série Dino d'Santiago (músico), Francisco Vidal (pintor), José Mussuaili (jornalista), Marco Santos (empresário), Dulcineia Sousa (agente imobiliária), Joseph Ngongo (farmacêutico), José Baessa de Pina-Sinho, ou apenas Sinho (segurança e agente cultural), Vanessa Vieira (gestora de comunicação e cantora), Juliana Alves (gestora financeira de projectos e cantora) e Ana Tica (gestora cultural), cada qual partilhando o seu percurso.

Todos nasceram em Portugal, filhos de pais naturais de África. Essa ligação ao continente africano foi-lhes transmitida através de gestos do dia-a-dia, em família.

"Em minha casa consumo muita comida africana. Aos domingos a comida é africana à rija. É sempre cachupa, muamba, sempre pratos típicos. Ao longo da semana também, mas principalmente ao domingo é quase ofensivo não fazer um bom funge com um molho diferente, o calulu, peixe seco, muamba de galinha, de dendém. É verdadeiramente vivido à séria", conta Vanessa Vieira.

Sinho é um português que se sente africano e, no seu depoimento, não deixa de apontar o dedo: "Estamos a acabar a Década Internacional de Afro-descendentes [2014-2025]; nos últimos nove anos, não ouvi, em Portugal, falar sobre a década dedicada aos afro-descendentes, quando a Organização das Nações Unidas indicou medidas em várias áreas, como justiça, educação, saúde, habitação."

"Não vi iniciativas nas nossas comunidades, não nos vieram ouvir, saber o que pretendemos, o que nos faz falta. Não falaram com os jovens", prossegue. "Houve actividades lá para o centro da cidade, congressos, bolinhos, champanhe para a malta (...), mas não vieram às comunidades para nos ouvir."

Dino d'Santiago afirma-se "100% português e 100% cabo-verdiano", contando que foi assumindo a sua africanidade com o passar dos anos — chegou a não ser sequer capaz de desenhar rostos de negros, de tão formatado que estava pelo ensino europeu. O cantor diz que deve à música essa descoberta de si próprio.

O angolano Marco Santos sente-se português, mas reconhece que, quando visitou Angola pela primeira vez, sentiu que fazia parte desse país. "Sou angolano porque, apesar de ter crescido em Portugal, cresci a comer mata-bicho e não pequeno-almoço, a comer todas as comidas angolanas, a ouvir toda a música angolana", referiu.

Francisco Vidal vai a África sempre que pode e lá chamam-no europeu. "Eu também gosto, porque me sinto bem como europeu, afro-descendente e africano." Juliana Alves, por seu turno, lamenta a persistência de atitudes racistas. Recorda episódios em que estava a passear o seu filho e as pessoas pensavam que ela "era a empregada".

Vivido de forma diferente por cada um, o racismo é identificado por todos os integrantes da série documental como omnipresente na sociedade portuguesa. Para Dino d'Santiago, a "marca portuguesa" que apagaria, se pudesse, é a frase "preto de merda, vai para a tua terra". "Ouvi isto em miúdo a jogar à bola e voltei a ouvir em adulto."