A luta pela acção climática não é ideológica, é pela sobrevivência

Estas manifestações dos jovens activistas climáticos, legais ou não, aceitáveis ou não, são um grito de desespero de uma geração que sente o futuro ameaçado. Mudar deve ser a palavra de ordem!

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Muito se tem opinado, e continuará a opinar, sobre manifestações de jovens activistas que lutam pela acção climática e contra a inacção dos governos. Contestações cuja ilegalidade, pelos actos em si, é, na maior parte delas, inequívoca no quadro legal de um país livre e democrático – tal como o têm mostrado as recentes condenações dos tribunais em vários países, incluindo Portugal.

Como muitos têm afirmado, algumas acções de certos movimentos, além de ineficazes e inconsequentes, podem tornar-se em atentados à democracia e à liberdade. Mas, será de menosprezar o atentado ao clima e ao ambiente? É contra isso que estes jovens lutam, contra um atentado colectivo persistente que se está a virar contra a humanidade.

Devemos preocupar-nos apenas e só com a sobrevivência da democracia, ou também, e com a mesma veemência, com a protecção do clima e das gerações futuras? Sem clima propício ao desenvolvimento humano, não haverá democracia ou qualquer sistemocracia. O que devemos defender primeiro, o clima ou a democracia? Haverá uma ordem certa?

Algumas opiniões têm comparado essas manifestações de contestação com outras que ocorreram, de índole político-ideológica, como manifestações de carácter sexista/anti-sexista, racista/anti-racista, pró-imigração/anti-imigração, pró-qualquer-coisa/anti-qualquer-coisa.

Essa comparação, à luz de um quadro legal será sempre uma comparação de carácter político-ideológico-jurídico, em que cada um pode ter opinião diferente, baseado nas suas ideias, convicções e crenças. Mas a luta pela acção climática não deve ser considerada uma luta qualquer de carácter político-ideológico-jurídico. Não deve ter nenhum lado de eu-acredito/eu-não-acredito, eu-acho/eu-não-acho. As alterações climáticas, confirmadas e reafirmadas pela ciência fundamental e experimental, afectam toda a biodiversidade e tornar-se-ão uma questão de sobrevivência da humanidade e de extinção para muitas espécies.

A acção climática, desde 2015, está declarada como 13.º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, assumido por 193 países subscritores, incluindo Portugal. A ausência de respostas ao agravamento das alterações climáticas conduzirá, diz-nos a ciência, à sexta grande extinção. Pelo que não se trata de uma questão político-ideológica, ou de uma questão legal, mas sim de uma questão de sobrevivência das espécies. O fracasso do ODS 13 – Acção Climática conduzirá ao fracasso de outros ODS (ver imagem abaixo), em particular dos seguintes ODS: 1, 2, 3, 6, 8, 10, 11, 14, 15 e 16. Falhar neste ODS é falhar na sustentabilidade global.

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Devemos dar a esta luta o mesmo tratamento, o mesmo contexto e enquadramento dado a outras lutas, do tipo social-político-religioso-cultural? Não. Devemos usar métodos extremistas para levar em frente esta luta? Não.

Se as alterações climáticas, causadas pelo aquecimento global devido ao excesso de emissões de gases de efeito estufa, chegarem a um ponto de a maioria das espécies ter de migrar em latitude ou altitude, incluindo o próprio homem, ou simplesmente desaparecem, então o colapso societal é inevitável, a redução drástica de biodiversidade e a extinção em massa são irreversíveis.

Travar esta evolução acelerada das alterações climáticas e da subida do nível do mar é um imperativo global de toda a humanidade, não é uma ideologia, não é uma religião ou uma crença, é uma evidência. Não é de direita ou de esquerda, nem do centro, nem dos extremos, é de todos. Se a legalidade dos países impede esse combate, se a inacção governamental dos Estados impossibilita uma transição mais rápida e justa a fim de evitar o “pior”, então mude-se a “legalidade”, mude-se o modelo de governança, mude-se o modelo económico, mude-se a jurisprudência. E assim se verá que o que estará agora errado será, porventura e em parte, o paradigma e não a luta destes jovens.

Dito isto, não significa que se deve defender a guerra e o conflito para se alcançar a paz e o equilíbrio com a natureza, que se deve defender uma revolução. Não! De forma alguma os meios justificam os fins. Por norma, condeno as formas extremistas de manifestação climática, ao ponto de discordar por completo dos alvos, bom como dos métodos.

O problema da incapacidade de reduzir as emissões de origem fóssil não está na produção, mas sim no consumo. A teoria económica explica isso, a redução da procura leva à redução da oferta. Em média, são emitidas 4.8 toneladas/ano de dióxido de carbono per capita. Para se conseguir a neutralidade carbónica até 2050 tem de se reduzir esta pegada para 600 kg/ano. Se a produção de bens, de acordo com o paradigma da economia de mercado, satisfaz a procura e logo o consumo, então, se quisermos reduzir as emissões, teremos de cortar drasticamente no consumo de energias fósseis e derivados, e de produtos que delas dependem (e.g. plásticos, parte da roupa, produtos de higiene). A produção responderá com cortes equivalentes.

Na actual situação da economia global as consequências da forte redução do consumo serão devastadoras, não haja a menor dúvida! Em particular, no mercado laboral, mas também nos activos financeiros, nos activos de reservas minerais, nos fundos de investimento e em certos PPR. Com consequências nos sistemas de saúde, na educação, na defesa e segurança, etc. Os economistas e os políticos estarão cá para dar soluções a essa crise económica, já que os cientistas e engenheiros não estão a conseguir dar solução à crise climática.

Mas percebe-se que é mais fácil lutar contra uma dezena de companhias petrolíferas e contra ministros e governos, do que lutar contra milhares de milhões de consumidores e simultaneamente contra o poder político e financeiro para mudar as “regras do jogo”.

Uma coisa é certa, da minha experiência de análise de dados da pandemia covid-19 e da evolução dos indicadores das alterações climáticas, só posso concluir o seguinte: em sistemas complexos, um processo disruptivo apenas pode ser travado por outro processo disruptivo, que terá de ser tão ou mais disruptivo.

Estas manifestações dos jovens activistas climáticos, legais ou não, aceitáveis ou não, são um grito de desespero de uma geração que sente o futuro ameaçado. Mudar deve ser a palavra de ordem! Mudar, de forma pacífica, coordenada e sustentável, a consciência colectiva, as mentalidades, os hábitos, os consumos, a governança, a economia, a jurisprudência, o trabalho… mudar o paradigma.

Só com activismo eficaz, com pressão sobre os governos e a opinião pública, com uma verdadeira percepção e consciencialização colectiva dos riscos que enfrentamos, teremos na ordem do dia, nos media e em todos os programas eleitorais, e depois através do sufrágio universal, livre e democrático, um combate efectivo às causas das alterações climáticas. Mesmo assim, teremos de aceitar que já passámos há muito o limiar de segurança climática e que consequências muito graves serão inevitáveis. E algumas, como a subida do nível médio do mar, irreversíveis e disruptivas!

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