Estudantes da CPLP buscam cursos técnicos para regularizar situação em Portugal

Jovens se baseiam no Artigo 92, da Lei de Estrangeiros, para acelerar o processo de obtenção da autorização de residência. Mas, ainda assim, enfrentam sérias dificuldades no país.

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Estudantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa buscam alternativas, como cursos profissionalizantes, para se manterem legalmente em Portugal Adriano Miranda
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Com o fim do processo de Manifestação de Interesse, que, por anos, foi a principal via de regularização para muitos imigrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) em Portugal, vários deles buscam alternativas para garantir a permanência legal no país. Entre elas está a matrícula em cursos profissionalizantes — regulamentada pelo Artigo 92 da Lei de Estrangeiros —, considerada um atalho eficaz para se obter a autorização de residência. A inscrição nesses cursos permite que os estudantes permaneçam em território luso de forma legal, enquanto se qualificam para o mercado de trabalho.

Embora essa estratégia tenha aberto novas possibilidades, não diminuiu os desafios. Muitos estudantes enfrentam dificuldades no processo de inscrição dos cursos, além de obstáculos relacionados a atrasos de vistos e até a perda de aulas. A trajetória da brasileira Karol Fitipaldi, 28 anos, que atua na área de marketing digital, é um exemplo dessas dificuldades, que incluem até a exploração no mercado de trabalho, justamente pela falta da autorização de residência.

Karol, como muitos outros brasileiros, escolheu Portugal para avançar em sua formação e construir uma carreira. Ela conta que, apesar de já estar no país com sua manifestação de interesse, documento que indica a intenção de residência, ela enfrentou várias recusas de empregadores devido à falta do documento oficial.

“Enviei muitos currículos e recebi diversas ligações, mas, ao saberem que eu não tinha a autorização de residência, as propostas de trabalho eram retiradas. Fui vítima de inúmeras negativas e de golpes”, relata. Karol caiu nas mãos de um empresário brasileiro, que possui quiosques de venda de equipamentos de telefonia em shoppings. Ela trabalhou por um período sem vínculo formal e saiu sem receber tudo o que tinha direito.

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Karol Fitipaldi, com o marido, Guilherme, diz que o curso profissionalizante no qual se matriculou foi a solução para acelerar o processo da autorização de residência em Portugal Arquivo pessoal

Para tentar resolver sua situação, Karol recorreu a um curso profissionalizante. Após várias pesquisas, ela descobriu que, ao se inscrever em uma escola técnica, poderia acelerar o processo de obtenção da autorização de residência. “Vi essa possibilidade e comecei a me informar. Na época, não consegui fechar um curso por questões financeiras, mas, depois de alguns meses, encontrei um mais acessível, que me oferecia uma alternativa viável”, diz. Logo depois de fazer a inscrição no curso, Karol deu entrada no visto de estudante e, com o protocolo de inscrição, acredita que será mais fácil a a busca por emprego.

Popularidade

O artigo 92 da Lei de Estrangeiros sempre esteve à disposição de estudantes que desejavam regularizar a situação em Portugal, mas seu uso se intensificou após o fim da manifestação de interesse, anunciado em Junho último pelo Governo português. O artigo permite que estudantes estrangeiros, desde que matriculados em cursos de qualificação de nível 4 ou 5, obtenham a autorização de residência. A grande vantagem é que essa solicitação pode ser feita sem a necessidade de sair de Portugal. Esses cursos podem ser tanto técnicos quanto profissionalizantes, desde que tenham duração mínima de um ano e sejam certificados pela Direcção-Geral do Ensino Superior.

O brasileiro Higor Cerqueira, que abriu a empresa Estude em Portugal, voltada para ajudar estudantes brasileiros a ingressarem em instituições lusas, aproveitou a crescente demanda por formação voltada para imigrantes e criou a Escola Profissional Prepara Portugal, dedicada a imigrantes. “Começamos o processo de certificação dos nossos cursos muito antes, pois percebemos que muitos brasileiros estão buscando uma forma de se qualificar, enquanto resolvem suas situações migratórias. Essa é uma oportunidade de crescimento para o setor educacional voltado a imigrantes”, afirma.

Higor alerta, porém, que nem todas as escolas que oferecem cursos profissionalizantes têm a certificação adequada para a regularização migratória. “Infelizmente, como em qualquer mercado, há instituições que não oferecem cursos reconhecidos ou que não têm autorização para funcionar. Isso pode ser um problema sério, já que o aluno pode acabar sem a regularização e sem a formação que buscava”, explica.

Dificuldades continuam

Mesmo com o aumento de instituições oferecendo cursos profissionalizantes e técnicos, as dificuldades burocráticas para a regularização de imigrantes não desapareceram. Segundo Cristina Lazoti, CEO da Edu Portugal, também especializada em apoiar brasileiros a estudar em cursos lusitanos, o tempo entre o início do processo de visto e a chegada da autorização de residência pode chegar a um ano. “Por isso, quem quiser estudar no ciclo 2025/2026 tem que começar o processo agora”, recomenda.

A Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que substituiu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), tem monitorado a chegada de estudantes estrangeiros e reconhece que há um crescente número de alunos que enfrentam atrasos no processo de obtenção de documentos. Desde 2020, cerca de 62 mil vistos de estudantes foram emitidos em Portugal. A AIMA investiga possíveis irregularidades, como o uso de instituições de ensino para fins de imigração sem interesse genuíno no estudo. Perguntada sobre esses pontos, a agência não respondeu.

Portanto, para quem busca regularizar sua situação em Portugal, a recomendação é simples: procure sempre instituições devidamente certificadas e atente-se aos requisitos legais para garantir que o curso escolhido realmente contribua para a obtenção da residência.

A luta dos angolanos

Ayrton Pahula, 22 anos, presidente da Associação dos Estudantes Angolanos em Portugal (que reúne cerca de 1500 pessoas), reflete sobre as dificuldades enfrentadas pelos milhares de estudantes que vivem em território português e estão em busca de uma educação de qualidade. "No caso dos angolanos, só podem entrar em Portugal com visto. Sem isso, muitos perdem meses de aulas", diz.

Mas ele ressalta que, mesmo após o visto de entrada em Portugal, outros obstáculos se colocam no caminho, como a obtenção da autorização de residência. "Essa é a realidade de muitos estudantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)", lamenta Pahula, pois o processo é marcado por burocracia, atrasos e incertezas, o que prejudica não só o desempenho acadêmico, como, também, a vida social e financeira desses estudantes.

Aluno de direito na Universidade de Lisboa, Pahula está em Portugal há três anos e tem visto, mas, ao longo desse período, viu o aumento das dificuldades enfrentadas pelos compatriotas. "Sem a autorização de residência, muitos dos nossos estudantes não conseguem se candidatar a alojamentos universitários, bolsas de estudo ou qualquer outro tipo de apoio social", explica. Essa situação cria um ciclo vicioso, em que o estudante, já em condições vulneráveis, é forçado a lidar com a falta de recursos básicos para se manter no país.

Segundo o presidente da associação, muitos estudantes perdem meses, até semestres inteiros de aulas, enquanto aguardam a regularização de sua situação migratória. "Já tivemos casos de estudantes que chegaram em Portugal com meses de atraso por conta da demora no visto, e, quando finalmente conseguiram chegar, já estavam com o visto prestes a vencer", conta.

"Não só. Sem a documentação necessária, muitos são despejados de suas residências ou têm que aceitar empregos precários para se sustentar. Recebemos mais de 300 pedidos de ajuda desde o início de 2024. Esses estudantes estão vivendo situações muito graves, como despejos e dificuldades em encontrar alimentação", relata Pahula.

Ele reforça que, sem a autorização de residência, os estudantes ficam em uma posição muito vulnerável, sem acesso a direitos básicos. "Queremos apenas poder estudar, nos formar e contribuir para o desenvolvimento acadêmico e cultural de Portugal. Pedimos uma chance justa, sem os empecilhos burocráticos, que nos impedem de alcançar nossos objetivos", finaliza Ayrton.

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