“A ambição é uma característica que é vista de forma negativa na mulher”, diz estudiosa

Em 18 e 19 de novembro, Rio receberá reunião do G20, na primeira vez em que o Brasil dirige o grupo. Evento também terá reuniões de grupos ligados à sociedade civil. Um deles, o das mulheres.

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Maria Rita Spina Bueno defende a diversidade como forma de desenvolver a economia Jair Rattner
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A professora Maria Rita Spina Bueno é enfática: "A crise climática atinge mais as mulheres pobres do que os homens". Não por acaso, a justiça climática é um dos temas que a delegação brasileira levará para o W20, no grupo de mulheres do G20, uma parte da reunião voltada para a sociedade civil.

Maria Rita é uma entusiasta do empreendedorismo, área à qual se dedica com afinco. Para ela, há barreiras culturais e econômicas que impedem o desenvolvimento de negócios femininos. "As mulheres não podem ter ambições", afirma. Professora da Fundação Getúlio Vargas, membro da direção da Anjos do Brasil — organização que apoia o empreendedorismo e a inovação — e integrantes da direção no Brasil da Global Entrepreneurship Network (Rede Mundial de Empreendedorismo), ela cobra mais justiça social.

Na avaliação de Maria Rita, que falou ao PÚBLICO Brasil em Lisboa, onde esteve para participar do 2.ª Edição do IDE – Insights e Boas Práticas, encontro em que se discutiu diversidade, equidade e inclusão no empreendedorismo, a democracia no mundo está sob ameaça e a sociedade deve agir para protegê-la enquanto é tempo.

A senhora faz parte do W20. O que significa o W20?
O W20 é um dos grupos de engajamento oficiais do G20, o maior fórum econômico mundial, que reúne 19 países, a União Europeia e, desde o ano passado, também a União Africana. Embora seja G20, são 21 instâncias que acabam discutindo anualmente. O grupo tem três trilhas diferentes. Uma, de ministérios de finanças. Outra, chamada de trilha de sherpas, em que emissários pessoais dos líderes dos governos discutem diversos temas ligados à pauta econômica. E a terceira trilha tem grupos ligados à sociedade civil. O W20, ou Women 20, é um desses grupos, focado em empoderamento econômico das mulheres. O nosso trabalho, como sociedade civil, é fazer recomendações para os governos, que entendemos serem fundamentais, e que esses governos elaborem leis, procedimentos, portarias ou qualquer coisa similar e façam investimentos no sentido de trazer para a sociedade o que a sociedade está recomendando.

Neste momento em que o Brasil dirige o G20, que contribuição o W20 pode dar?
Creio que tem dois pontos superimportantes que trouxemos em termos de W20. O primeiro é trazer uma temática que, embora já esteve subjacente e discutida em outros anos, nunca foi de forma enfática, em especial nesse mundo que está tão polarizado e tão dividido, que é a interseccionalidade de raça e gênero. Entendemos, e os dados provam isso, que, se nós não endereçarmos essa questão dentro de qualquer política pública, vamos continuar atuando sempre para as mesmas pessoas, sem incluir todos os que precisam dessas políticas. Então, esse é o primeiro ponto relevante que a gente colocou. O segundo são as temáticas, as quais nós fizemos recomendação. Quando assumimos a presidência do G20, escolhemos cinco temas que fazem muito sentido com toda a história do W20, mas que também trazem temas novos que entendemos que são superatuais e relevantes. O primeiro é o acesso ao capital e financiamentos do mercado para empresas lideradas por mulheres. O segundo é sobre mulheres em ciência, tecnologia e matemática. O terceiro, a economia do cuidado, uma economia invisibilizada e não reconhecida, mas que precisa sê-lo. O quarto tema é o combate às violências contra mulheres e meninas. E o quinto, a justiça climática. Conseguimos contribuir nesses cinco temas e mostrar interligação entre todos eles para que cheguemos ao empoderamento econômico de mulheres, o que é a nossa missão.

Em relação à justiça climática, isso afeta mais mulheres do que homens?
A grande maioria das pessoas já entende que estamos em um momento de crise climática enorme, uma mudança climática que vai afetar todas as pessoas. A questão é que pessoas são afetadas de maneiras diferentes. Se eu pegar qualquer desastre ligado ao clima, hoje em dia, e for comparar como um homem branco de classe alta vai sofrer isso e uma mulher negra de classe baixa vai ser atingida, consigo entender que vai ser uma diferença enorme. As pessoas mais pobres, em geral, segundo os dados, isso não é uma visão subjetiva minha, são mulheres e pessoas negras. Elas vão sofrer muito mais. São elas que moram em lugares de maior vulnerabilidade, têm, às vezes, acesso muito menor a saúde, à água tratada. Então, vão sofrer muito mais. Por isso, usamos o termo justiça climática. Se não colocarmos a perspectiva dessas mulheres e, também, de povos originários, não vamos conseguir resolver a crise climática e não vamos fazer com que todas essas pessoas vivam sem sofrer tanto.

Portugal vive hoje uma onda migratória de brasileiros, com maioria de mulheres. Elas são consideradas mais empreendedoras, mas a maioria das empresas é de homens. Existe um teto para ser quebrado?
Quando se fala de empreendedorismo, o empreendedorismo feminino é grande no Brasil e no mundo inteiro. A grande questão é que, no geral, são empresas que permanecem muito pequenas, por vários fatores. Um deles é cultural. Quando uma mulher começa um negócio, sempre se acha que ela vai fazer algo pequenininho, um negócio de conveniência. Ela não é estimulada a criar um negócio grande. Em contrapartida, quando um homem começa um negócio similar, já se espera que cresça, que seja ambicioso. A ambição é uma característica que é vista de forma positiva no homem e negativa na mulher. Mas podemos olhar também para a questão econômica. Mulheres têm mais dificuldade de acesso a capital, a crédito, e isso é um fator fundamental para que os negócios cresçam. Existe uma diferença muito grande. Creio que, às vezes, ignoramos que existe uma ligação muito forte entre Brasil e Portugal, um laço cultural grande, que é o nosso idioma. Por isso, o país acaba sendo um destino em que uma pessoa sente que é possível vencer. Tentando fazer uma leitura, sem conhecer todos os dados, acho que a mulher, quando pensa em se mudar para Portugal, pensa na facilidade de idioma, por ser conhecido como um país menos violento, e acaba sendo um facilitador para que ela escolha esse destino de imigração e não outro.

Em relação à construção que se pretende no G20, existe um risco sistêmico do isolamento dos Estados Unidos. Como é que vê essa possibilidade, proposta por Donald Trump?
Uma coisa interessante, quando a gente olha para os fóruns mundiais, é que todos têm problemas e dificuldades. Existem críticas que se fazem ao G20, críticas que se fazem à ONU, a todos os organismos multilaterais. Mas entendo que eles têm justamente esse poder de tentar quebrar barreiras e de manter um espaço de diálogo aberto. Isso é fundamental, inclusive para que consigamos resolver a questão das democracias no mundo. A democracia está ameaçada não só nos Estados Unidos, mas em diversos lugares. Quando falamos de uma ou outra eleição, mais do que chegar e querer colocar um posicionamento pessoal de direita ou esquerda, estamos falando da defesa da democracia, que é um espaço onde todos nós podemos ter voz. Nesse sentido, acho que todos esses fóruns ajudam a que a democracia se mantenha viva e que consigamos caminhar e criar pontes para isso. Sou uma pessoa esperançosa. Espero que a democracia vença nessas eleições, mas entendo que é um momento no qual precisamos ter esses espaços de conversa no mundo; não espaços de combates, mas de discussão de ideias. Acho que o G20 é um fórum no qual isso existe. Não é perfeito, mas é um dos fóruns para que possamos manter a democracia aberta e construir um mundo que seja melhor, mais justo e mais inclusivo para todas as pessoas.

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