Entre a comédia e o terror, Crocodile Club explora o crescimento do populismo

O Teatro Oficina apresenta uma peça, da autoria de Mickaël de Oliveira, para assinalar os 30 anos da companhia. Está em cena hoje e amanhã no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.

PP 08 OUTUBRO 2024 GUIMARAES EDIFICIO ASA Nova criacao o do Teatro Oficina Crocodile Club com texto e encenacao o de Mickaël de Oliveira
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Em palco, metade da casa é vista pelo espectador, a outra só se revela em tela PAULO PIMENTA
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Sete amigos reunidos num jantar em casa da anfitriã, candidata por um partido da extrema-direita às eleições legislativas PAULO PIMENTA
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Em Crocodile Club há também um documentário a ser realizado PAULO PIMENTA
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Crocodile Club, escrita e dirigida por Mickaël de Oliveira, também director artístico do Teatro Oficina
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Crocodile Club PAULO PIMENTA
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Pode um jantar entre amigos servir para se falar do crescimento do populismo em Portugal? É esse o ponto de partida da peça Crocodile Club, escrita e dirigida por Mickaël de Oliveira e que se estreia nesta sexta-feira no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães.

O espectáculo, produzido pelo Colectivo 84 e pelo Teatro Oficina, que assinala os 30 anos da companhia, parte de um jantar informal entre sete amigos (representados por Afonso Santos, Bárbara Branco, Beatriz Wellenkamp Carretas, Fábio Coelho, Gabriela Cavaz, Inês Castel-Branco e Luís Araújo) para explorar o crescimento do populismo e da extrema-direita em Portugal.

O enredo retrata um jantar entre um grupo de amigos de longa data que se reúnem na casa da anfitriã, candidata de um partido de extrema-direita às eleições legislativas em Portugal. O evento, algures num futuro próximo, insere-se numa acção de campanha para humanizar a candidata, através da realização de um pequeno documentário. É uma ficção que pretende provocar um choque entre a ideologia e a relação do afecto.

Dividida em duas partes, a peça estabelece-se inicialmente como um objecto lúdico, mas à medida que avança transforma-se num objecto “muito mais negro, fantasmagórico, com iconografia do terror” e onde se vislumbram “momentos muito gráficos, coreografias de um ser possuído”, refere ao PÚBLICO Mickaël de Oliveira, que também assume a direcção artística do Teatro Oficina. Transmite-se a ideia de que “o espírito fascista, basicamente, migra”.

A ficção começou a ser criada há um ano e configura um objecto de teatro político. Mickaël de Oliveira, nascido em França, sublinha que o partido de extrema-direita de maior expressão em Portugal foi fundado há cinco anos, “muito recente em relação a outros países”. Mais recente ainda, refere, é a propagação do discurso divisivo e de ódio. “É um discurso que alimenta a violência física. Há imigrantes no Porto a ser linchados semana sim, semana não. É também preocupante termos 50 pessoas que vandalizam o Parlamento permanentemente.”

O ambiente intimista que em palco é partilhado pelos sete amigos também pretende transmitir outra ideia, a de que, “neste momento, em cada família, há uma pessoa ou outra que vota na extrema-direita”. “Pode dizer-se que estão revoltados, mas há outros partidos para canalizar a sua revolta. O descontentamento popular é normal numa democracia”, defende Mickaël de Oliveira.

Apesar de serem lançadas várias pistas em cena, o espectáculo não pretende ser “panfletário”, diz o encenador. “Ouvem-se duas ou três coisas de cariz racista e xenófobo, mas é muito pouco e em contexto de brincadeira”, reflecte o dramaturgo. São colocados dilemas éticos, explica, e abordados temas como o conservadorismo, o revisionismo e a própria indústria do espectáculo.

Palco e cinema

Para corporizar o peso da comunicação social no crescimento destes movimentos e no modo como se “acolheu uma voz bárbara, antidemocrática, e que não joga com as mesmas regras que os outros partidos”, Mickaël de Oliveira coloca em cena um realizador-operador, cujas imagens da câmara de filmar vão sendo transmitidas em tela. Em palco, metade da casa é vista pelo espectador, a outra só se revela em tela.

Ao dramaturgo e encenador, que desde Festa de 15 Anos (2020) incorpora diferentes elementos nas suas criações, a câmara de filmar interessa-lhe para a componente narrativa – afinal, está a ser gravado um documentário –, mas também enquanto elemento de manipulação. “A câmara é um dispositivo de manipulação. Cada vez que [André] Ventura passa na televisão, ou qualquer outra pessoa de extrema-direita, as audiências sobem. A tragédia é muito mais deliciosa do que a comédia.” A câmara serve-lhe, ainda, para um processo narrativo "com recurso às técnicas do cinema”. “Consigo ir um pouco mais longe, a um imaginário muito mais vasto”, explica.

Crocodile Club está em cena nesta sexta-feira e sábado (sempre às 21h30) e é dirigido a maiores de 16 anos – a sessão de sábado inclui uma interpretação em língua gestual portuguesa. As entradas têm o custo de 10 euros. Para assinalar os seus 30 anos, o Teatro Oficina tem ainda previsto, para sábado, no Espaço Oficina, a apresentação de um filme documental sobre a história da companhia (16h00) e uma conversa sobre o seu passado, presente e futuro (16h30).

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