Reuniões para estratégia nacional da água só arrancaram agora: “Está tudo em cima do joelho”

A construção de barragens e os transvases entre bacias hidrográficas são algumas medidas para combater a escassez de água no sul do país, mas podem criar outros problemas ambientais e sociais.

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Transvases podem ter repercussões negativas na biodiversidade e na qualidade ecológica dos cursos de água José Sérgio
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Rui Cortes, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), afirmou esta quinta-feira que as transferências de água entre bacias hidrográficas criam grandes conflitos sociais e problemas de défice nos locais de onde é retirado o recurso. As declarações surgem a propósito das reuniões regionais do grupo de trabalho "Água que Une", criado pelo Governo em Julho para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água. O grupo de especialistas iniciou apenas em Outubro as reuniões de trabalho e a missão acaba já a 31 de Dezembro. "Está tudo em cima do joelho", lamenta.

O especialista em recursos hídricos lamentou que, na ordem de trabalho das reuniões, se inclua como possibilidade a ser estudada, embora em último recurso, a interligação entre bacias hidrográficas, nomeadamente de norte para sul, e se exclua a agricultura intensiva e superintensiva - que utiliza grandes quantidades de água - como, por exemplo, o amendoal, o olival, os frutos vermelhos e o abacate.

"As necessidades de água, obviamente, são mais prementes no sul do país, onde chove menos, mas é exactamente onde têm aumentado as áreas de culturas altamente exigentes em água", apontou. Na sua opinião, é fundamental encarar-se as questões agrícolas como um aspecto essencial e não caminhar, como parece que está a suceder, no sentido de aumentar a artificialização dos cursos de água, do uso de águas subterrâneas (através de furos) ou aumentar o número de barragens (a regularização).

"Está-se a caminhar para uma situação que é muito perigosa que é o facto de que a gestão dos recursos hídricos deve ser feita por bacia hidrográfica e, ao proporem-se os transvases, vai-se quebrar completamente o que está preconizado na Directiva Quadro da Água", destacou ainda, lembrando que há dois meses foi aprovada uma estratégia europeia da biodiversidade que prevê precisamente a redução de barreiras e o aumento de rios livres.

E, referiu, Portugal está a "pensar caminhar para uma situação de criação de mais barragens e de transvases, o que não vai ao encontro do que é proposto por essa estratégia europeia".

Impactos ambientais dos transvases

​Não é a primeira vez que o académico alerta para este problema. Em Novembro do ano passado, Rui Cortes lembrou o perigo dos transvases de água Norte-Sul após os comentários do presidente da Câmara de Olhão e da Comunidade Intermunicipal do Algarve, António Miguel Pina, onde afirmava ser preciso "romper com o preconceito de fazer transvases do Norte para o Sul", pois "a água que cai no Norte tem de chegar ao Sul".

No despacho publicado no Diário da República em Julho, refere-se que os planos devem atender, "em último recurso, a transferência de água entre bacias hidrográficas", para além das "novas origens de água, designadamente à reutilização, dessalinização da água do mar e salobra, optimização da exploração das albufeiras existentes e aquíferos, construção de novas infra-estruturas de armazenamento ou alteração das existentes".

O investigador considera que recorrer aos transvases é uma medida que, a concretizar-se, irá ter uma repercussão negativa do ponto de vista da biodiversidade e da qualidade ecológica dos cursos de água. "Fazer transferências de água de uma bacia para outra é criar problemas de défice nas bacias de onde é retirada a água", afirmou, considerando ainda que os "transvases criam grandes conflitos a nível social".

A transferência de espécies de umas bacias hidrográficas para outras aumenta "o alastramento de espécies invasoras" e põe em causa "muitas espécies endémicas que existem em determinadas bacias hidrográficas, e que vão estar sujeitas à sua destruição pelos transvases, especialmente ao nível de espécies piscícolas", explicou o académico.

A guerra da água

Exemplificou com o caso de Espanha, designadamente com a transferência de água do Alto Tejo para a Andaluzia, referindo que os agricultores da zona do Tejo espanhol têm protestado fortemente e que o Governo espanhol já decidiu reduzir os transvases em 40%. "Existem já, do lado espanhol, conflitos que são muito mais agudos do que em Portugal", comentou à Lusa no ano passado, antecipando que os transvases criariam "problemas entre regiões" em Portugal, pois nenhuma diz que "a água é excedentária".

Rui Cortes, que também é membro do Conselho Nacional da Água, lamentou que as reuniões apenas se tenham iniciado em Outubro, quatro meses depois da criação do grupo de trabalho, cuja missão termina a 21 de Dezembro. "Está tudo em cima do joelho e, apesar de se ter procurado agregar universidades, organizações não-governamentais e sector público, não sei o que se poderá fazer em tão pouco tempo", apontou.

O investigador afirma que o Conselho Nacional da Água elaborou há cerca de ano e meio um documento sobre as medidas estratégicas a serem tomadas em situações de seca, quer a curto, médio e longo prazo. "É um documento que está feito e que responde a estas questões", conclui.

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