Cientistas querem criar refúgios para as borboletas-monarcas passarem o Inverno

A crise climática é uma ameaça para as florestas de abetos no México, onde as borboletas-monarcas gostam de passar os Invernos. Um estudo propõe recriar bosques dessa árvore em encostas mais altas.

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Uma borboleta-monarca numa reserva dedicada à espécie nas montanhas mexicanas STRINGER/MEXICO/REUTERS
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Cientistas defendem a criação de refúgios de Inverno para acolher borboletas-monarcas migratórias num cenário futuro de alterações climáticas, quando as actuais florestas coníferas poderão deixar de existir no centro do México. A ideia é estabelecer novos bosques de abetos em encostas mais frias e altas até ao ano 2060, para garantir um abrigo seguro para esta espécie icónica que faz, todos os anos, uma espantosa viagem entre o Norte e o Sul.

“Mostramos aqui a viabilidade de plantar novas florestas de abetos num vulcão próximo, o Nevado de Toluca, a altitudes entre os 3400 e os 4000 metros”, afirma Cuauhtémoc Sáenz-Romero, primeiro autor de um estudo científico publicado nesta sexta-feira na revista Frontiers in Forests and Global Change, citado numa nota de imprensa.

Nesta investigação, os cientistas plantaram mudas cultivadas a partir de sementes nativas (ou seja, oriundas de populações de abeto existentes) em locais onde o clima, em 2060, poderá ser semelhante ao dos refúgios que as borboletas-monarcas apreciam hoje. “Chamamos a isto migração assistida”, explica Sáenz-Romero, que é professor na Universidade Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, no México.

As borboletas-monarcas (Danaus plexippus) tornaram-se uma espécie carismática em virtude da fabulosa migração anual que fazem. Uma nova geração nasce a cada Outono no Norte dos Estados Unidos e no Sul do Canadá, permitindo que centenas de milhões desses insectos possam encetar a viagem em direcção às montanhas no México. Percorrem entre 4000 e 4800 quilómetros de distância para poder passar o Inverno à volta dos abetos (Abies religiosa).

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Mudas de abeto foram plantadas na encosta de um vulcão mexicano Cuauhtémoc Sáenz-Romero/DR

Os cientistas afirmam que, sem os abetos, as borboletas-monarcas não resistiriam a uma viagem tão cansativa. As florestas de coníferas no México central constituem um porto seguro que, hoje, oferece as condições adequadas à estada invernal da Danaus plexippus. Contudo, com a subida dos termómetros do planeta, estima-se que estas árvores sejam obrigadas a “subir” as encostas em busca de temperaturas mais baixas.

Em meados de 2090, já não deverá haver montanha para os abetos “galgarem”, prevêem os investigadores. E daí a importância de serem criadas novas florestas fora da área geográfica onde a espécie ocorre actualmente. As montanhas a leste poderão ser uma opção, uma vez que são mais altas, refere o documento.

Como funciona a “migração assistida”?

O trabalho de “migração assistida” começou com a recolha de sementes de oito populações de Abies religiosa existentes na Reserva da Biosfera da Borboleta-Monarca (MBBR). Este santuário da espécie está situado nas terras altas do México central, a altitudes entre os 3100 e os 3500 metros. Foi criado em 2006 para proteger o habitat onde as borboletas-monarcas gostam de passar o Inverno e, dois anos depois, declarado Património Mundial pela UNESCO.

A partir dessas sementes seleccionadas, os cientistas cultivaram plântulas em condições especiais. Numa primeira etapa, que durou dois anos, as mudas estiveram à sombra num local a 1900 metros de altitude. Depois, passaram para um viveiro a 3000 metros de altitude, onde estiveram mais 12 meses.

Em Julho de 2021, a equipa coordenada por Sáenz-Romero transplantou as mudas para quatro locais da encosta nordeste do Nevado de Toluca, cada um deles localizado num ponto de elevação diferente da encosta do vulcão. Em resumo, foram plantadas 960 mudas em quatro altitudes: 3400, 3600, 3800 e 4000 metros.

O Nevado de Toluca, considerado a quarta montanha mais alta do México, foi escolhido pelos cientistas como o local ideal para o transplante porque é o pico mais próximo da Reserva das Borboletas-monarcas. Acresce que esta formação de origem vulcânica é mais alta que o santuário da espécie, ou seja, pode garantir temperaturas mais adequadas para os abetos enquanto a temperatura média global sobe.

Para proteger as plântulas do sol ou frio extremo, as mudas eram sempre cultivadas debaixo de uma protecção vegetal. Neste projecto de “migração assistida”, as guardiãs dos miniabetos foram as espécies de arbustos Senecio cinerarioides (até 3800 metros) e Lupinus montanus (4000 metros) e de árvores Pinus hartwegii (4000 metros).

As plântulas também tiveram guardiões humanos: cientistas, estudantes de pós-graduação e silvicultores locais do povo indígena Matlatzincas. A cada dois meses, entre Setembro de 2021 e Dezembro de 2023, membros da equipa visitavam os miniabetos e avaliavam como estavam a evoluir. Verificavam a taxa de sobrevivência e mediam a altura e diâmetro de cada muda.

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Silvicultores locais, estudantes de pós-graduação e professores da Universidade de Michoacán colocaram em prática a investigação no Nevado de Toluca, no México Cuauhtémoc Sáenz-Romero/DR

Os resultados obtidos sugerem que o desempenho das plântulas transplantadas diminuía à medida que aumentava a “distância ecológica” entre a Reserva das Borboletas e o local de transplante. A “distância ecológica” pode ser definida como a diferença ponderada entre uma série de variáveis climáticas, incluindo a temperatura e a ocorrência de chuva, refere a nota de imprensa. Em média, quanto mais alto e mais frio era o local de transplantes, menor a taxa de crescimento e sobrevivência.

No ponto mais alto, a 4000 metros, a evolução das mudas foi quase inexistente, sendo que muitas plântulas ficaram “queimadas” com a geada. Até aos 3800 metros, contudo, parece haver condições para os abetos crescerem “felizes”. “A sobrevivência de 68% em todas as populações a 3800 metros, muito para além do limite superior da distribuição natural da A. religiosa de 3550 metros, é um resultado encorajador”, concluem os autores no estudo da Frontiers in Forests and Global Change.

Sáenz-Romero acredita que estas novas populações transplantadas poderão constituir refúgios de Inverno para a borboleta-monarca num futuro mais quente.

“De facto, nos últimos anos, as borboletas-monarcas estabeleceram novas e grandes colónias em locais mais frios no Nevado de Toluca, o que sugere que já estão à procura de novos locais para passar o Inverno, uma vez que os seus locais históricos no interior da Reserva da Biosfera estão agora demasiado quentes. Quando as nossas mudas estiverem totalmente crescidas, esperamos que elas também descubram o nosso local de plantio”, afirma o investigador.

O cientista frisa, contudo, que a criação de novos espaços para a espécie não deve ser interpretada como um desinvestimento na protecção da Reserva da Biosfera. Os dois esforços de conservação não são mutuamente excludentes, garante.